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'Em breve': homem faz próprio jazigo e recebe homenagens em vida

Cleyton Melo de Souza, o dono de padaria que construiu um túmulo para si, com foto, em Limoeiro (PE) - Wagner Oliveira/UOL
Cleyton Melo de Souza, o dono de padaria que construiu um túmulo para si, com foto, em Limoeiro (PE)
Imagem: Wagner Oliveira/UOL

Wagner Oliveira

Colaboração para o TAB, de Limoeiro (PE)

10/08/2022 04h01

O túmulo bem cuidado chama a atenção de quem visita o pequeno cemitério. A tampa de vidro reservada para vasos e velas é fechada a chave para evitar possíveis furtos. Duas fotos gravadas em porcelana e colocadas na sepultura indicam a quem pertence o jazigo no Cemitério São José, no interior pernambucano.

O dono é Cleyton Melo de Sousa, nascido em 4 de janeiro de 1986. No último Finados, em novembro de 2021, muitos conhecidos acenderam velas no local junto à foto do comerciante. É uma maneira de enviar luz ao espírito de quem já partiu. Mas, antes mesmo que as chamas fossem apagadas, Cleyton estava lá, junto dos amigos e vizinhos, assistindo a tudo e dando risada.

Cleyton não é alma penada. A verdade é que nem existe defunto enterrado naquele espaço e Cleyton está bem vivo. Aos 36 anos, ele decidiu que deixaria pronto o lugar onde quer ser enterrado. Apesar de não querer se despedir do mundo tão cedo, Cleyton quis fazer tudo do jeito dele — e acompanhar todo o processo.

A iniciativa tem rendido certa fama ao morador de Vila Mendes, distrito de 7.000 habitantes no município de Limoeiro. "Tem gente me chamando de Cleyton da Tumba, mas o apelido não pegou muito, não. As pessoas passam por mim e brincam com toda essa situação, mas eu acho normal", conta o dono de padaria que é casado e tem três filhos.

A pandemia fez Cleyton matutar sobre esse momento de despedida, ainda no ano de 2020. "Nunca tinha pensado em fazer um túmulo para mim antes de morrer, mas de tanto acompanhar os enterros dos que faleceram aqui na vila, fui observando como eram os jazigos. Daí veio na minha cabeça que eu poderia deixar o meu pronto, do jeito que eu queria", explica à reportagem.

Erguido num terreno de pouco mais de 1 x 2,5 m, o túmulo ficou pronto no segundo semestre de 2021. A história ganhou notoriedade depois de um homem passar pelo jazigo de Cleyton, durante o velório de uma parente, e notar a placa onde se lia que Cleyton morreria em breve. "Ele fez um vídeo e botou nas redes sociais, mas nem sei quem é a pessoa", conta o comerciante.

Cleyton escolheu cada detalhe e conta que gastou R$ 3.800 no investimento fúnebre. Ele diz que cabem até dois caixões sepultados ao mesmo tempo. "Mandei botar minha foto para que as pessoas façam homenagens enquanto eu estiver vivo, porque depois de morto eu não vou ver mais nada", brinca.

A lápide de Cleyton Melo de Sousa, com o 'em breve' - Wagner Oliveira/UOL - Wagner Oliveira/UOL
A lápide de Cleyton Melo de Sousa, com o 'em breve'
Imagem: Wagner Oliveira/UOL

'Seja humilde, faça o bem'

Quem chega ao campo santo encontra duas fotos. "Fui lá no rapaz e disse a ele que não queria minha foto pequena daquele jeito. Ele fez outra num tamanho um pouco maior e me deu. Daí, deixei logo as duas no túmulo", conta. Nas fotos estão gravadas a data de nascimento de Cleyton e, no local destinado ao dia da morte, a expressão "em breve".

Nas duas fotos há também a mensagem "Seja humilde, faça o bem". O comerciante diz que deixou esse recado em sua lápide para que as pessoas enxerguem a vida de uma maneira diferente. "Não devemos devolver maldade a quem fez algum mal com a gente."

Além de já ter deixado o local pronto, o comerciante paga um plano funerário para a família. "É uma preocupação a menos para todo mundo. Ninguém vai precisar comprar caixão, flores, nem pensar em velório. Tudo será resolvido pelo plano", diz o dono da padaria.

Cleyton Melo de Sousa com a esposa Tatiane e os filhos, em Limoeiro (PE) - Wagner Oliveira/UOL - Wagner Oliveira/UOL
Cleyton com a esposa Tatiane e os filhos, em Limoeiro (PE)
Imagem: Wagner Oliveira/UOL

Reação da família

Quando contou à esposa que estava pensando em comprar um jazigo no Cemitério São José, houve pouco frisson. Tatiane Melo não deu muita importância. "Não tinha dito a ela que, além de comprar o túmulo, eu iria fazer o que fiz", conta Cleyton.

A partir daí, o jazigo foi ganhando forma. Todo o serviço foi feito sem que a esposa ou um dos seus três filhos estivessem por perto. "Depois que já estava tudo pronto ele me contou da foto no túmulo e sobre o que estava escrito nele. No Dia de Finados, muita gente conhecida que foi ao cemitério me telefonou, dizendo que algumas pessoas estavam acendendo vela na cova dele", conta Tatiane.

Luciana, filha mais velha de Tatiane e enteada de Cleyton, conta que ficou surpresa, mas depois entendeu. "A gente sorri de tudo isso", revela. Cleyton e Tatiane têm dois filhos — Miguel, de 12 anos, e Gabriel, de 6. O casal afirma que os filhos não reclamam de zombaria na escola. Em julho, por fim, toda a família foi ao local ver o serviço.

O bom humor só desapareceu quando o marido disse que iria colocar uma foto dela no jazigo também. "Como cabiam dois caixões, iria botar logo a foto dela junto da minha. Ela ficou muito braba", entrega o comerciante. Cleyton mora perto da casa dos pais e diz que eles também desaprovaram a iniciativa no início. "Não teve ninguém da família que não achasse esquisito no começo, mas agora todo mundo já acha normal."

Jorge André Melo, irmão mais velho de Cleyton, trabalha com ele na padaria - Wagner Oliveira/UOL - Wagner Oliveira/UOL
Jorge André Melo, irmão mais velho de Cleyton, já foi confundido com ele por causa da foto no cemitério
Imagem: Wagner Oliveira/UOL

Irmão confundido com 'defunto'

Na padaria de Cleyton, bem perto da entrada da Vila Mendes, trabalham dois irmãos dele e a esposa, Tatiane. Quase todos os clientes são conhecidos da família.

Jorge André Melo, 40, fica no balcão atendendo e é quase sempre confundido com o irmão Cleyton. "Muitas vezes, as pessoas passam aqui na frente, param o carro e dizem que estou ficando famoso. Acham parecido porque nós dois usamos bonés", aponta Jorge.

A clientela da padaria também brinca com a iniciativa de Cleyton. "As pessoas chegam aqui sorrindo e brincam muito com toda essa história. Os que vêm de fora da vila olham para mim e depois pra Cleyton, até ter a certeza de qual dos dois está na foto do cemitério. Não tenho nada contra a ideia que ele teve, mas não faria para mim", declara Jorge.

Cliente da padaria, o agricultor Wellington Soares diz que ainda não viu o túmulo, mas respeita a decisão do colega, embora ache estranho. "Como é que uma pessoa viva bota uma foto no túmulo como se estivesse morta? Eu mesmo não quero um negócio desse", rebate.

Além de administrar a padaria, Cleyton também bota a mão na massa. Quando é preciso, ajuda o padeiro a fazer os pães. "Na vida a gente tem que saber de tudo um pouco. Antes de abrir a padaria, trabalhei num bufê de crepes durante 11 anos", destaca o comerciante.

Cleyton Melo de Sousa na padaria - Wagner Oliveira/UOL - Wagner Oliveira/UOL
Cleyton no balcão da padaria
Imagem: Wagner Oliveira/UOL

Vida tranquila no sítio

Dormir e acordar junto à natureza, ouvindo o canto dos pássaros e apreciando uma bela paisagem, é privilégio para pouca gente nos dias atuais. Cleyton sabe bem disso. Desde que nasceu, seus pais já moravam no sítio onde parte da família reside até hoje.

"Aqui é muito bom para morar, é tranquilo. Meus pais plantam milho, macaxeira, jerimum. Não tem nada que pague você abrir a porta de casa de manhã cedo e ver muito verde na sua frente", destaca.

O sítio onde a família de Cleyton mora é bem perto da padaria — cinco minutos de carro. Isso porque o sítio fica numa estrada de barro e, quando chove, o caminho fica um pouco mais difícil. "A gente já se acostumou com essa vida tranquila. Aqui nós criamos três cachorros, dois gatos, algumas galinhas e também periquitos. Não quero sair daqui de jeito nenhum. Daqui eu só vou para o cemitério."

Cleyton em seu túmulo - Wagner Oliveira/UOL - Wagner Oliveira/UOL
Imagem: Wagner Oliveira/UOL