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Lula lidera e cocô na garagem: como 'Datatoalha' ilustra Brasil polarizado

De 23 de julho a 18 de agosto, os amigos Saulo e Fernando venderam 380 toalhas de Lula e 118 de Bolsonaro - Carina Svenson/UOL
De 23 de julho a 18 de agosto, os amigos Saulo e Fernando venderam 380 toalhas de Lula e 118 de Bolsonaro
Imagem: Carina Svenson/UOL

Danila Moura

Colaboração para o TAB, de São Paulo

19/08/2022 04h01

Todos os dias, multidões passam pela Avenida Paulista, em São Paulo. Aos domingos, quando a via fica disponível apenas para pedestres, a esquina com a rua Pamplona fica apinhada de gente com smartphones prontos para registrar o termômetro do momento para as eleições de 2022: ali, os amigos Saulo Adriel, 28, e Fernando Lopes, 28, montaram o que é considerado o primeiro "Datatoalha" da capital paulista.

Eles levam uma lousa à avenida e anotam quantas toalhas estampadas com os rostos dos presidenciáveis foram vendidas ao longo do dia. De 23 de julho até esta quinta-feira (18), o placar ficou 380, para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a 118, para Jair Bolsonaro (PL) — cada item custa R$ 35.

Tal qual a pesquisa de intenções de voto do Instituto Datafolha, o resultado registrado a giz também desperta discussões acaloradas: há transeuntes que questionam a credibilidade do sistema de Saulo e Fernando, que garantem que cada voto simbólico é marcado sem fraudes.

Certa vez, contam os vendedores, um cliente comprou 50 toalhas de Bolsonaro na esperança de marcar 50 pontos no placar. Entretanto, eles contam apenas um ponto por pessoa, independentemente da quantidade de suvenires adquiridos. Se o ator Bruno Gagliasso arrematasse 200 toalhas no estande de Saulo e Fernando para dar de presente a amigos, por exemplo, ainda assim contaria como um ponto.

"Comecei a vida vendendo balinha e chocolate no metrô até ter a ideia de migrar para as toalhas", diz Saulo. "Hoje, pessoas do Brasil inteiro vêm aqui só para ver o placar, viralizamos." As vendas aumentaram; a fiscalização, também. "Veio a dor de cabeça depois de tanta repercussão."

Desde março, o mercado de toalhas com estampas de políticos vem conquistando as ruas de São Paulo e do Rio. As barraquinhas se alastraram pelo país e, na internet, a onda virou tsunami: a palavra-chave "Datatoalha" pegou, milhares de usuários passaram a aclamar "a voz do povo" e a popularidade de políticos a partir das toalhas no Twitter e no Instagram e, só no TikTok, a hashtag #Datatoalha ultrapassou 3,9 milhões de views.

Datatoalha na av. Paulista - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Toalhas com estampas de políticos viraram febre nas ruas e nas redes
Imagem: Camila Svenson/UOL

A atriz Angela Dippe, a eterna Penélope do "Castelo Rá-Tim-Bum", também ficou inspirada. Estava na casa do namorado na praia e decidiu gravar uma esquete para sua série "Querido Diário" no TikTok citando o Datatoalha: "De cada dez toalhas encomendadas, oito são do Lula e duas do Bolsonaro; do Ciro parece que nem vale a pena encomendar", diz — os números citados, por acaso, são de uma reportagem do TAB de fins de junho. "Fiz basicamente o que eu ouvi da notícia. Foi um dos meus posts com maior engajamento e visualizações", conta ela, que também tem uma toalha do Lula.

Em junho, um lulista pegou primeiro a arroba @Datatoalha, e passou a compilar posts com os acessórios felpudos pró-Lula. Em julho, viralizaram vídeos dos placares. "Alguém tinha que fazer o #datatoalha então eu fui lá e fiz", postou a estudante Harumy Sato, do podcast Pelos Subúrbios, no Rio de Janeiro, um dos primeiros registros do tipo. Da rua Uruguaiana, no centro do Rio, à cidade de Couto Magalhães, no interior de Minas Gerais, várias "pesquisas" de rua tomaram as redes.

O Datatoalha virou repente do rapper Guilherme Augusto Lima, 28. Filho de petista ferrenho e voluntário no MST, o artista considera que o fenômeno "reflete realmente o que o povo pensa".

No "Morning Show", programa da Jovem Pan, Bolsonaro e Simone Tebet (MDB) estão na frente de Lula e Ciro Gomes (PDT) na disputa das toalhas, uma inusitada peça de marketing para 2022.

Datatoalha na av. Paulista - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
'Hoje, pessoas do Brasil inteiro vêm aqui só para ver o placar, viralizamos', diz Saulo
Imagem: Camila Svenson/UOL

GoPro e 'Datajanela'

Na Paulista, Saulo e Fernando estão considerando pedir emprestado de um amigo uma câmera GoPro para registrar ao vivo as vendas e a contagem de votos, a fim de aumentar a credibilidade da "pesquisa" de rua.

Saulo se diz anarcocapitalista e apartidário. Quer tirar sarro do capitalismo, pois compreende que o acirramento de disputas entre os indivíduos, da política ao futebol, só faz o sistema ganhar mais dinheiro. No fim das contas, considera que o placar político serve para provocar um aumento das vendas. Pelo jeito, funcionou: a toalha surgiu nas ruas, conquistou as redes e aqueceu bastante o mercado, de volta às ruas.

Eron Dionisio Ferreira Lopes, 57, comprou toalhas há uns 15 dias na barraca de Saulo. Morador do Jardim Brasília, na zona leste, ele já se enrolou em uma delas para ir à feira, bastante frequentada por bolsonaristas — outros passantes discretamente lhe fazem a letra "L" em sinal de solidariedade.

Certa vez, estendeu na janela uma toalha vermelha com a frase "meu voto é secreto" e o 13 do PT, de um lado, e uma bandeira de Bolsonaro dizendo "vacina por um dólar". "Jogaram um saco de cocô na minha garagem."

Datatoalha na av. Paulista - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Saulo e Fernando querem colocar uma câmera GoPro para atualizar o placar na Paulista
Imagem: Camila Svenson/UOL

De Mauá (SP), Helena Alves Pinto, 66, levou amigos do Nordeste em passagem por São Paulo para dar uma volta na Paulista. Foto num Datatoalha foi parada obrigatória. Ela conta, feliz da vida, que também viralizou com um vídeo fazendo um pedido ao pé do ouvido do candidato do PT — não o de carne e osso, mas o da peça que ela deixa na janela e só tira para levar a manifestações.

Além do Datatoalha, o Datajanela virou uma tendência com o tanto de suvenires vendidos na cidade: se antes era possível observar bandeiras do Brasil (símbolo capturado por bolsonaristas) e bandeiras arco-íris (para ilustrar o movimento LGBTQIA+ e seus simpatizantes) nas janelas e varandas, agora é a vez das toalhas.

José Adilson Raimundo, 50, diz que a toalha de Bolsonaro recém-comprada na barraca será utilizada para "fazer campanha para meu capitão". "Ladrão é na cadeia, honesto na Presidência. Simples assim", diz José, que não quis responder se deixaria a toalha na janela ou faria outro uso (enxugar-se após o banho). "Ladrão é na cadeia, honesto na Presidência. Simples assim", repetiu. "Não gosto do UOL, tá?"

Além da Paulista, ambulantes na rua 25 de Março, no Bom Retiro e no Brás também andam a mil com a procura por toalhas.

No Brás, uma tecelagem é disputada: atrás de uma portinha discreta em uma travessa da Avenida do Estado, a oficina faz unidades por R$ 5 ou até menos, dependendo da quantidade encomendada e das dimensões. Isso porque o mercado cresceu e as toalhas diminuíram — ao lado do tamanho tradicional, para o corpo, agora também há peças para o rosto.

A tendência das toalhas de rosto ainda não chegou à barraca de Saulo e Fernando. Mas, se tiver mercado, parece questão de tempo para que as pequenas peças ocupem a Paulista. Até outubro, não seria surpresa encontrar até enxoval customizado com estampas de candidatos.