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Autor de viral nº 1 para Lula: 'No grupo da minha família deu quebra-pau'

Juliano Maderada com o muso inspirador, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva - Acervo pessoal
Juliano Maderada com o muso inspirador, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva
Imagem: Acervo pessoal

Do TAB, em São Paulo

29/10/2022 04h00

"Tá na hora do Jair / Tá na hora do Jair já ir embora". A dois dias da eleição, esse é o verso mais compartilhado no Spotify.

A música embalou a campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principalmente em eventos de campanha no Nordeste durante o primeiro turno, mas agora, na reta final da disputa, alcança o primeiro lugar da lista das 50 músicas virais do Brasil, no Spotify, serviço de streaming de áudio.

O clipe oficial da música já passou de 1 milhão de visualizações e tem sido propagado nas redes dos apoiadores do ex-presidente, sendo tocada até em micaretas.

A música que serve de jingle não foi feita a pedido do candidato. Nasceu de uma vontade do professor de matemática e empresário musical Júlio Hermínio Luz, 48, conhecido como Juliano Maderada, em lançar suas próprias músicas na pandemia. "Não tenho carreira, sou totalmente 'verde'. Eu tinha um desafio de fazer no YouTube um canal pra sobreviver na pandemia, e vi que tinha possibilidade de segmentar."

Todas as músicas criada no período (e depois) tem um único muso inspirador: Lula. "Deixei de fazer coisas que poderiam dar mais resultado, mas eu queria ajudar Lula. Sou muito apaixonado por ele", explica, sem esconder a empolgação de conquistar a parada de sucesso nessa seara — e não estamos falando das mais tocadas do Spotify. "Agora está no carro de som dele."

"Meu objetivo não é ganhar dinheiro nem nada", diz. "Só fazê-lo ganhar."

Cancioneiro petista

Em Iguaí, a quase 500 km de Salvador, todos sabem da paixão que Juliano Maderada tem pela estrela vermelha. A cidade de 30 mil habitantes foi de Lula na cabeça no primeiro turno. O petista teve 66% contra 29% de Bolsonaro. Ainda assim, ele diz, o núcleo bolsonarista na cidade é barulhento — "mas eu sou boa gente, não teve intolerância. Um ou outro pedia pra eu mudar as letras, mas a maioria me respeita".

Sempre vestido com uma camiseta ou boné com alusões ao candidato, Maderada conta que a primeira composição da safra foi escrita no dia em que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin anulou todas as decisões processuais tomadas contra o ex-presidente, pela Justiça Federal do Paraná, dentro da Operação Lava Jato.

Naquele dia, em 2021, chorou e criou uma música lenta, com letra embebida em emoção. Vieram outras na mesma toada, relembrando feitos, slogans e toda trajetória do petista. "Me deleitei com a vida dele. Ele tem um nome grande, consolidado e as pessoas se interessam por ele. Criei uma vertente com vários temas: Lula querido, Lula guerreiro, Lula estadista, Lula na cadeira, Lula solto".

Os links viralizaram em grupos de militantes, para quem, como Maderada, já se emocionava só de imaginar a volta do ex. "Eu que escrevo a letra, executo, masterizo, faço a capa no Photoshop mal feita mesmo", diz. A obra do agora cantor pode ser ouvida aqui:

Já no começo da pré-campanha, em 2022, a coisa mudou. "O papo eleitoral esquentou e eu passei a bater também no Bolsonaro. Eu não gosto dele, mesmo. Aí fui fazer músicas mais tiktokzadas", conta.

Em ritmo de pisadinha, lambada e pagodão baiano, Juliano Maderada tinha outra meta: fazer suas músicas tocarem nos paredões, festas populares onde sons automotivos tocam músicas com batidas graves graves e muitos decibéis.

Vieram também paródias, como "Cabeça Branca", de Tierry — cujo refrão passou a ser "E quem disparou foi o cabeça branca / quem está liderando é o cabeça branca".

"Tô com Saudade do Tempo de Lula", versão do forró "Tapão na Raba", de Raí Saia Rodada, ganhou o Brasil. Mas nada parecido com o feito conquistado pelo professor no Spotify. Maderada chamou seu contratado, Tiago Doidão, vocalista do grupo Maderada, para dar mais "pegada".

Medo do cancelamento

Tiago Doidão tem 40 anos, é de Vitória da Conquista (BA) e tem músicas suas regravadas por Wesley Safadão e Leo Santana. Apesar de ser lulista, via com desconfiança a pegada política na música. "Sempre tive receio de me engajar muito, as pessoas reagem, tem a questão do cancelamento e eu não queria passar por isso." Juliano insistia para que unissem força para criar músicas mais populares sobre as eleições.

Doidão só topou porque estava numa semana sem grana. "Como Juliano é meu patrão, decidi ir e já tomar um dinheirinho emprestado", ele ri.

"Tremi as pernas quando eu conheci Lula": Tiago Doidão não queria se associar à política, mas conquistou o sonho de entrar entre as mais tocadas com música que critica Bolsonaro - Acervo pessoal - Acervo pessoal
'Tremi as pernas quando conheci Lula': Tiago Doidão não queria se associar à política, mas conquistou o sonho de entrar entre as mais tocadas com música que critica Bolsonaro
Imagem: Acervo pessoal

"Tá na hora do Jair já ir embora" surgiu ao assistir a propaganda eleitoral de Bolsonaro na TV. "Apareceu um monte de gente gritando 'Tá na hora do Jair!', já peguei e emendei: 'ir embora'. Eu adoro porque parece que a gente vai começar a falar bem do Bolsonaro, aí vem o balde de água fria", explica.

Perdeu também a vergonha de aparecer no clipe que Juliano teimou em fazer no centro da cidade vizinha de Ibicuí — o letreiro da cidade domina o vídeo, mas nada tem a ver com a origem dos dois compositores. "O cara do audiovisual estava nessa cidade e só podia gravar aquele dia. E a gente foi", resume Juliano.

No dia que alcançou o primeiro lugar no Spotify, Tiago estava, como se fala em boa parte do Nordeste, quase "botando um ovo". "No WhatsApp, no grupo da minha família, que é toda bolsonarista, eu quebrei o pau em 2018, agora está todo mundo louco com isso."

O cancioneiro dedicado a Lula chegou aos ouvidos do candidato logo no começo do ano. O ex-presidente falou durante 1 hora com Juliano por telefone. "Me perguntou tudo que você está me perguntando, queria saber minha história".

Em julho deste ano, durante visita de Lula a Salvador, ele atendeu o chamado da sua maior inspiração: "Fui até seu encontro, ele me pediu pra levar o violão, cantei todas as músicas. Ele se emocionou e disse: 'obrigado, não mereço tanto'. Do encontro, Juliano assinou a autorização para a campanha usar oficialmente suas músicas na campanha. "Por mim, podia usar sem assinatura, mas eles fazem tudo certinho", diz.

Polarização na parada

No Spotify, o carro-chefe da campanha de Jair Bolsonaro (PL) também tem rendido muitas reproduções. O presidente foi atrás da dupla sertaneja Mateus e Cristiano para o tema central de sua caminhada à reeleição.

A música inicia com o Hino Nacional tocado em guitarra e segue em tom messiânico: "Alô Brasil / É o capitão do povo que vai vencer de novo / Ele é de Deus, cê pode confiar / Defende a família e não vai te enganar". A letra ainda define Bolsonaro como a "salvação do nosso Brasil" e afirma: "no mito eu boto fé".

"Capitão do Povo" ganhou recentemente uma versão remix e soma 1,1 milhão de reprodução no Spotify, mas está desvinculado do perfil da dupla sertaneja no serviço de streaming. Como resposta à disparada da música do opositor, bolsonaristas "tacaram stream" na música e ela agora ocupa, até sexta-feira (28), a posição 17° da "Viral 50 - Brasil".

Com a fama de seu cancioneiro, Juliano Maderada tirou uma graninha fazendo jingles para políticos de toda ordem ideológica nessas eleições, inclusive a apoiadores de Jair Bolsonaro. "É dinheiro", ele contemporiza. "Só teve um que eu neguei. Era alguém que queria que eu cantasse algo como 'tiros pro alto'. Não aceitei. Sou profissional da área, mas é muito contrário ao meu conteúdo."