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Pastor teria entregado facas para assassinos matarem fiel após o culto

Local onde o corpo de Sebastião Filho Ibipiano de Miranda foi encontrado. Suspeito de encomendar o crime, o pastor Josselice José Barbosa foi preso - Théo Mariano/UOL
Local onde o corpo de Sebastião Filho Ibipiano de Miranda foi encontrado. Suspeito de encomendar o crime, o pastor Josselice José Barbosa foi preso Imagem: Théo Mariano/UOL

Théo Mariano

Colaboração para o TAB, de Goiânia (GO)

24/11/2022 04h01

O vídeo de celular começa de maneira seca: a luz repentina da lanterna acende em meio ao breu de um matagal na Avenida Goiás Norte, região noroeste de Goiânia — via de terra que, com as chuvas de novembro, tornara-se um verdadeiro lamaçal. No primeiro instante da reprodução, vê-se um corpo ensanguentado e aparentemente sem vida, manuseado por quatro rapazes.

Ao fundo, uma voz diz "vai, vai, vai", apressando os demais. "É isso que acontece com Jack [gíria para denominar estupradores]", debocha o narrador do vídeo, identificado como Johnathan Monteiro Duarte, 24, conhecido também como Lourinho, morador de Goianira, cidade vizinha da capital. Ali estava a prova de que o motorista de aplicativo Sebastião Filho Ibipiano de Miranda, 41, fora assassinado.

A pedido do ex-PM Josselice José Barbosa, 57, pastor da Igreja Batista Renovada em Cristo do bairro de Nova Esperança, Lourinho convocou outros três jovens moradores de Goianira, Matheus Henrique Ramalho de Souza, 18, Joel Afonso da Silva, 18, e João Vitor Leal Vicente, 19, para matarem Sebastião Filho. O crime, cometido na madrugada de 13 de novembro, no Morro do Mendanha, fora acordado uma semana antes. O motivo, alegaram os autores, era uma vingança por supostos crimes de pedofilia e estupros.

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Além de frequentar a Igreja Batista Renovada em Cristo, Sebastião era sócio do pastor
Imagem: Théo Mariano/UOL

Crime religioso?

A investigação da Polícia Civil de Goiás, no entanto, descartou qualquer ligação da vítima com casos de crimes sexuais. De acordo com o delegado André Veloso, responsável pelo caso, a história sobre Sebastião Filho ser "Jack" não passou de pretexto para dois planos maiores: cumprir o pedido do pastor e roubar o carro da vítima.

"A história de estupro surge mais como uma forma de 'tirar o peso' do assassinato. O pastor deu essa ideia aos assassinos, de roubarem o carro e venderem, como forma de ganhar dinheiro", afirma o delegado. Os cinco envolvidos estão presos.

Embora permaneça incerto, o motivo para o pastor Barbosa ordenar a morte de Sebastião Filho aponta para desavenças entre ambos em relação ao negócio em que eram sócios. Em depoimento prestado à Polícia Civil, a esposa da vítima, Susana Borges de Carvalho, 38, mãe de seus dois filhos, relatou que o marido vinha dizendo que "o pastor estava estranho com ele". E cogitou a possibilidade de "crime religioso".

Segundo o depoimento da viúva, Josselice Barbosa conheceu Sebastião e Susana há sete anos. Um ano atrás, o casal abriu um espaço de eventos, após sugestão de Barbosa, que virou sócio deles no empreendimento. Em combinado feito à época da abertura, o pastor havia dito que, em dezembro, investiria dinheiro na empresa. Antes de pagar sua parte, porém, o pastor teria mandado matar o sócio.

O depoimento de Josselice, que está preso, foi marcado para esta sexta-feira (25).

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Pastor Josselice teria acusado a vítima de pedofilia e estupro para convencer os assassinos
Imagem: Théo Mariano/UOL

'Fingimos assalto'

Minutos antes de ser assassinado, Sebastião Filho participava de uma vigília ministrada pelo pastor Barbosa no Morro do Mendanha. O encontro começou às 22h30 de 12 de novembro e seguiu madrugada adentro.

Pouco antes de iniciar o sermão, Barbosa deixou três facas nas mãos dos assassinos — nenhum dos quatro tinha passagem pela polícia. Em um áudio obtido por TAB, Lourinho explica como o grupo cometeu o crime. "Fingimos o assalto. Quando ele abriu a porta, dei um chute na cara dele, que já apagou", relatou.

Os quatro passaram a golpear a vítima a facadas: foram mais de vinte perfurações, segundo a Polícia Civil. De acordo com o delegado, os quatro jovens fizeram um pacto antes do assassinato para que todos participassem com facadas. "Foi uma forma de ninguém 'caguetar'", diz Veloso.

Com a vítima morta, os homens se apossaram do veículo, um Renault Sandero prata, e partiram para a próxima etapa do plano: desovar o corpo. Percorreram quase quinze quilômetros no veículo roubado até chegar ao local onde foi gravado o vídeo descrito no início desta reportagem.

Sebastião Filho foi deixado sem vida à beira da estrada, numa poça do Córrego da Onça, que cruza a avenida. Depois disso, os quatro homens entregaram o carro para Deison Apolinário da Silva, 27, que o venderia em um desmanche e entregaria o dinheiro aos assassinos.

Dois dias após o crime, Deison foi preso no bairro Parque Buriti, em Goiânia, por receptação. Como conta o delegado Veloso, após saber do crime a polícia determinou o bloqueio da placa do veículo para rastreamento, o que facilitou a busca.

Assim que o carro foi encontrado, sob posse do receptador, a polícia questionou Deison sobre a origem do veículo, que contou tê-lo trocado por 50 g de maconha.

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A Avenida Goiás Norte, na região noroeste de Goiânia, palco do crime
Imagem: Théo Mariano/UOL

'Influência negativa'

O corpo foi encontrado por um chacareiro das redondezas, que preferiu não se identificar. "Minha irmã viu que tinha um corpo no córrego e me chamou. Saí para ver, mas não cheguei muito perto. Só vi os pés boiando, de cabeça para baixo, e chamei a polícia", conta. O chacareiro conta que o local não é seguro à noite. "Sempre escuto barulho. Quando chega a noite, você não encontra nada que preste por aqui."

O delegado André Veloso afirma que, em conversas informais com familiares dos quatro presos, era comum a ideia de que o pastor Barbosa exercia "influência negativa" sobre os jovens. "Todos confirmaram achar estranha a maneira como o pastor seguia o culto, com ideias que divergiam daquelas normalmente apresentadas em igrejas evangélicas", disse. Segundo o policial, as falas do pastor tinham alguma ligação com violência, mas Veloso não descreveu ao certo o que dizia o religioso.

No depoimento prestado à polícia, a esposa da vítima também contou que, há cerca de um ano, Barbosa disse que Sebastião mantinha relações com homens, mulheres trans e crianças. A acusação, à época, resultou na separação do casal, mas o motorista de aplicativo negou tudo. De acordo com a esposa, Sebastião havia confirmado que ia até o bairro São Francisco em busca de "moças jovens", mas nunca com crianças. Tempos depois, o casal reatou.

A esposa da vítima disse também conhecer Lourinho há cerca de quatro anos. De acordo com o depoimento, o jovem de 24 anos era muito próximo do pastor Barbosa e chegou a passar um período hospedado em sua casa. Susana também relatou que o pastor Barbosa teria insinuado que Sebastião Filho teria um caso com Lourinho.

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Roupas usadas pelos quatro rapazes foram encontradas incineradas na casa da esposa de um deles, Samara Karenina Conceição
Imagem: Théo Mariano/UOL

A suspeita de que o pastor Barbosa teria um caráter manipulador também foi levantada por Samara Karenina Conceição Miranda, esposa de João Vitor Leal Vicente, um dos envolvidos. A mulher prestou depoimento após serem encontradas em sua casa roupas utilizadas pelos supostos assassinos no dia do crime — queimadas para eliminar vestígios.

A reportagem do TAB entrou em contato com os advogados dos acusados e, até o fechamento deste texto, apenas o de Matheus Henrique Ramalho de Souza respondeu, dizendo que não irá se pronunciar até a conclusão do inquérito. Outras respostas que cheguem serão incluídas na reportagem.