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Bandeira LGBT e livros queimados: polícia investiga incêndio em Curitiba

Loide (ao centro), com a amiga Juliana (à esq.) e a namorada Sueli: elas viajaram para a posse de Lula, em Brasília, e, na volta, descobriram que sua casa, em Curitiba, foi incendiada - Divulgação Sismuc/Quem TV
Loide (ao centro), com a amiga Juliana (à esq.) e a namorada Sueli: elas viajaram para a posse de Lula, em Brasília, e, na volta, descobriram que sua casa, em Curitiba, foi incendiada
Imagem: Divulgação Sismuc/Quem TV

Vinicius Konchinski

Colaboração para o TAB, de Curitiba

08/01/2023 04h01

A professora Loide Ostrufka, 51, estava em êxtase nas primeiras horas da manhã de terça-feira (3), enquanto viajava de volta de Brasília a Curitiba num ônibus de uma caravana organizada para ver a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sindicalista, Loide acompanhou a prisão do petista em 2018, militou por sua soltura em 2019 e fez campanha por sua eleição em 2022. No meio da multidão, sentia-se realizada ao vê-lo subir de novo a rampa do Palácio do Planalto após tantos acontecimentos.

Ainda curtia aquela sensação na viagem de volta, junto à namorada, Sueli Silvia Adriano, 57, e a amiga Juliana Mildenberg, 33. Às 7h30 da manhã, porém, um telefonema transformou seu estado de espírito: um vizinho ligou para avisar que o apartamento de Loide e Juliana havia sido invadido e incendiado. Que os bombeiros estavam no local naquele momento, mas que muito já havia sido queimado. Que o carro de Loide não estava na garagem. E que a celebração da professora tinha de terminar.

"Estávamos perto de São Paulo, sem poder fazer nada", conta. "Aquele era um momento muito especial para a gente. Mudou tudo. Foi um baque."

Loide, Sueli e Juliana chegaram a Curitiba por volta das 13h. Foram direto para o apartamento, no bairro do Abranches. Quando chegaram, foram orientadas a não tocar em nada. O imóvel ainda passaria por perícia.

Elas foram direto para o 4º Distrito Policial de Curitiba para registrar um boletim de ocorrência. A partir do que viram, elas estavam convictas de que tinham sido vítimas de um atentado de cunho político — em Curitiba, berço da Lava Jato, operação que levou Lula à prisão (as condenações foram anuladas depois), quase 65% dos eleitores votaram em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno.

"O incêndio começou no meio do meu quarto", supõe Juliana. "Usaram meus livros para a fogueira. Queimaram as bandeiras da CUT [Central Única dos Trabalhadores], bandeiras LGBT. Mas não levaram objetos de valor que poderiam ser vendidos. Que ladrão faria isso?"

Segundo Juliana, peritos disseram, de forma extraoficial, que o incêndio no local foi provocado. Ao TAB, a Polícia Civil do Paraná informou que "está investigando o caso e realizando diligências a fim de identificar o autor da ação criminosa, assim como apurar a motivação e estabelecer a dinâmica do fato".

No dia no fogo, o delegado Geraldo João Celezinski concedeu entrevistas à imprensa e confirmou a possibilidade de um crime político ou de homofobia. Até o momento, ninguém foi indiciado ou preso.

Casa incendiada em Curitiba - Divulgação Sismuc/Quem TV - Divulgação Sismuc/Quem TV
O que sobrou do apartamento de professoras que foi incendiado em Curitiba
Imagem: Divulgação Sismuc/Quem TV

'Queimaram livros que mudaram minha vida'

Professora de educação infantil, servidora da Prefeitura de Curitiba, Juliana está licenciada há um ano para dedicar-se ao Sismuc (Sindicato Municipal dos Servidores Municipais de Curitiba), no qual ela é coordenadora-geral. Loide é a secretária-geral da entidade.

Elas vivem juntas em uma casa que, na verdade, corresponde a duas salas de um prédio comercial convertidas em um apartamento. Loide mudou-se para lá há pouco mais de um ano, reformou o espaço e, aos poucos, deu cara de residência àquilo que parecia inóspito.

"Aquele era o nosso cantinho, sabe?", lamenta Loide, referindo-se ao apartamento incendiado. "Não era o lugar mais bonito. Não era o maior. Mas a gente tinha construído nosso lar ali."

Juliana chegou depois. Mudou-se há cerca de dois meses para viver com a amiga, colega de profissão e companheira de sindicato.

No dia a dia do sindicato, são naturais os embates com pessoas de alinhamentos políticos divergentes, dizem. "[Mas] nunca imaginei que alguém chegaria ao ponto de queimar minha casa por conta disso", diz Loide. Quase tudo virou cinza. "Queimaram livros que mudaram minha vida. É triste."

'Amanhã vai ser outro dia'

Horas depois do incêndio, o caso já havia viralizado na internet. Políticos da cidade divulgaram o fato em seus perfis. A vereadora Carol Dartora (PT), a primeira negra eleita para a Câmara de Curitiba, classificou o ocorrido como um crime.

Já o advogado Luiz Carlos Rocha, o Rochinha, que atuou na defesa de Lula durante a Lava Jato, divulgou uma vaquinha virtual organizada para ajudar as professoras. A vaquinha, que tinha como meta arrecadar R$ 75 mil, já passou de R$ 77 mil.

Segundo Juliana, esse valor vai ajudá-las a mobiliar um novo apartamento a partir de fevereiro, quando as férias delas acabam. Até o fim de janeiro, as duas devem "dar um tempo" fora de Curitiba para descansar.

Loide vai para Florianópolis para ficar na casa da namorada Sueli, secretária de Finanças da CUT de Santa Catarina. Já Juliana vai para São Francisco do Sul (SC), visitar a mãe, que está apreensiva com tudo o que aconteceu.

"A gente fica com medo, né? Nunca se sabe", diz Juliana. "A gente não imagina quem fez isso com nossa casa. Também não imagina o que podem fazer com a gente."

Entretanto, não passa pela cabeça delas deixar a capital do Paraná definitivamente nem afastar-se da militância política. "Temos um mandato no sindicato. Temos um compromisso com a educação pública e com os servidores de Curitiba. Vamos cumpri-lo."

No ônibus em que estavam voltando para Curitiba quando receberam a notícia do incêndio, as amigas foram apoiadas pelos companheiros de viagem. Antes de elas desembarcarem, todos cantaram juntos uma canção de Chico Buarque: "Amanhã vai ser outro dia".

Casa incendiada em Curitiba - Divulgação Sismuc/Quem TV - Divulgação Sismuc/Quem TV
'A gente não imagina quem fez isso com nossa casa -- e o que podem fazer com a gente', diz Juliana Mildenberg
Imagem: Divulgação Sismuc/Quem TV