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Moradores procuraram prefeito por telefone durante tempestade no litoral

Topolândia, complexo de São Sebastião (SP) onde diversas casas foram destruídas e tomadas pela lama após tempestade que devastou litoral norte de SP no Carnaval - Keiny Andrade/UOL
Topolândia, complexo de São Sebastião (SP) onde diversas casas foram destruídas e tomadas pela lama após tempestade que devastou litoral norte de SP no Carnaval
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Sebastião (SP)

26/02/2023 04h01

Mariana* acordou com a chuva na madrugada do domingo de Carnaval, 19 de fevereiro. Moradora de um morro no complexo da Topolândia, em São Sebastião (SP), ela ficou assustada com a tempestade no litoral norte. Pegou o celular, gravou vídeos e, a partir das 2h53, ligou diversas vezes para a Defesa Civil e para o Corpo de Bombeiros para pedir socorro. Ninguém atendeu, diz ela, que decidiu então telefonar diretamente para o prefeito da cidade, Felipe Augusto (PSDB).

Ele atendeu, relata ela, "para dizer que não poderia fazer nada porque todas as viaturas tinham ido para outras áreas mais atingidas". Além de Mariana, outros moradores ouvidos contam que tentaram procurar o prefeito por telefone — de acordo com o relato deles, o número de Felipe se espalhou na cidade de 90 mil habitantes principalmente a partir de 2020, época em que comerciantes quiseram pressioná-lo contra as restrições impostas pela pandemia de covid-19.

Segundo Mariana, Felipe respondeu que mandaria uma máquina (um trator) para retirar a lama. "Mas o tratou subiu, desceu e foi embora", contou outra moradora.

Ao TAB, Felipe confirmou as ligações de moradores — que foram várias, segundo ele, por volta de 2h30. Àquela hora, acrescentou, ele estava em contato com o COI [Centro de Operações Integradas] e o Corpo de Bombeiros. "Meu número a cidade inteira tem", disse. "Desde 2017, no primeiro ano de governo. Minha casa é na avenida principal da cidade. Tenho problema com isso, não. Respondo tudo o que é WhatsApp."

Na madrugada do temporal, conta ele, as equipes estavam tentando acessar Vila Sahy, Maresias e Juquehy. "As chuvas estavam muito absurdamente fortes, as máquinas não conseguiam chegar, estavam escorregando", relatou. "A Defesa Civil estava recebendo dez, 12 chamadas a cada cinco minutos."

Por volta das 3h30, o prefeito pediu para "acordar todo mundo" e mobilizar equipes. "Foi rápida a mobilização. O problema foi o deslocamento porque as vias começaram a ficar alagadas. Eu mesmo tentei sair do COI duas vezes e não consegui. A gente queria chegar na Topolândia, que era onde as informações chegavam primeiro sobre os deslizamentos de terra. Nós conseguimos chegar às 5h40."

Itatinga/Topolândia, onde mais de 40 casas foram destruídas e tomadas pela lama após tempestade que devastou litoral norte de SP no Carnaval - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Imagem: Keiny Andrade/UOL

'Por que não fez antes?'

Mariana, como outros moradores do morro, precisou sair às pressas de casa no domingo. Na noite de sexta-feira (24), ela não conseguia dormir na casa temporária onde está hospedada. "Como vou dormir se a previsão é de chuva?", perguntou.

Às 8h43 de sexta, no Twitter, Felipe comemorou a assinatura do decreto para desapropriar uma área de 10 mil metros quadrados na Vila Sahy para a construção de moradias para famílias de baixa renda que foram vítimas das chuvas. O decreto foi publicado no Diário Oficial neste sábado (25), dia em que o prefeito sobrevoou áreas atingidas pelo temporal e pelos deslizamentos de terra junto ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). "É uma área segura", definiu Tarcísio, em nota.

No WhatsApp, moradores ficaram indignados com o timing. Para Mariana, o prefeito é "liso". "Por que Felipe não fez isso antes?", um deles questionou. "Possivelmente rixa política", sugeriu outro, referindo-se a uma possível disputa com o deputado federal Fernando Marangoni (União Brasil), ex-secretário-executivo estadual de habitação, que nos últimos dias criticou o engavetamento de um projeto de regularização fundiária da Vila Sahy.

Ao TAB, o prefeito afirmou que a pergunta sobre a desapropriação de um terreno na Vila Sahy cabe ao governo anterior — de Rodrigo Garcia (PSDB), que assumiu após a renúncia de João Doria (PSDB) — pois o governo atual foi instalado há dois meses.

"Mas nós já tínhamos levantado essa discussão da área há pelo menos sete anos", diz. "Teve problema de recursos, de financiamento do Estado. Não é só a desapropriação — tem projeto, investimento, documentação, drenagem." Nos últimos 13 anos, o governo paulista deixou de investir a totalidade das verbas previstas no orçamento para serviços e obras no combate às enchentes, um montante superior a R$ 7,3 bilhões, reportou o jornal Folha de S.Paulo.

Ao UOL News, o prefeito também havia citado que cerca de 500 moradores de classe média e alta de São Sebastião se opuseram à construção de casas populares em Maresias. Mariana, entretanto, continua apreensiva sobre seu futuro. Para Topolândia, ela não quer voltar.

*Nome fictício