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Mulheres são maioria em voluntariado brasileiro na guerra da Ucrânia

Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos em abrigo na Polônia - Arquivo pessoal
Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos em abrigo na Polônia Imagem: Arquivo pessoal

Lucas Veloso

Colaboração para o TAB, de São Paulo

06/03/2023 04h01

Przemysl é uma cidade polonesa perto da fronteira com a Ucrânia. Desde fevereiro de 2022, quando a Rússia iniciou os ataques ao território ucraniano, muitos civis fugiram para lá em busca de abrigo. Ali mora Bárbara, uma costureira polonesa que criou uma fundação para dar assistência aos refugiados, com a ajuda de voluntários, inclusive que os vêm de muito longe: no caso dos brasileiros, uma distância de cerca de 10.686 km.

Voluntária da organização VVolunteer, a professora de educação infantil Marina Matos Machado, 36, foi uma das brasileiras enviadas para uma missão entre 17 e 25 de fevereiro.

"A história da Bárbara é muito bonita e mostra o quanto os poloneses também tiveram suas vidas modificadas por essa guerra", diz Marina, que é de Santa Catarina. "Ela era uma pessoa comum, uma civil, que abriu as portas para os refugiados."

Marina trabalhou oito dias em Radmyno, no abrigo Poland Welcomes, e em Przemysl, onde fica a fundação de Bárbara, a Open Heart (coração aberto, em tradução livre). Os dois locais são prédios fechados na Polônia, país que, nos últimos meses, tem recebido milhões de ucranianos em fuga.

Não é a primeira vez que a professora catarinense foi à Polônia. Em agosto do ano passado, também participou de ações como voluntária no mesmo destino, disse ao TAB, dias antes de embarcar na missão humanitária. Em geral, os voluntários arcam com os custos de passagens aéreas, mas a ação de 2022 foi fruto de uma parceria com uma empresa de aviação, que garantiu o deslocamento até Frankfurt, na Alemanha.

Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos na Polônia - Fabio Kotinda/Divulgação - Fabio Kotinda/Divulgação
Roberta Abdanur (de óculos), uma das voluntárias brasileiras que esteve na Polônia
Imagem: Fabio Kotinda/Divulgação

Fugas e reencontros

Nos abrigos em que Marina trabalhou, a maioria dos refugiados são mulheres, crianças e idosos. Lá não faltam testemunhos das tragédias da guerra, inclusive histórias de separações familiares e desaparecimentos que acontecem nas fronteiras e nos processos de migração para outras cidades e países.

Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos na Polônia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O reencontro entre a voluntária brasileira Marina e a refugiada ucraniana Halyna, de 87 anos
Imagem: Arquivo pessoal

Lá Marina reencontrou Halyna, uma refugiada de 87 anos, uma das coisas que ela considera mais emocionante. "Levei uma foto do grupo do ano passado e uma cartinha para que ela lembrasse de nós", conta. Marina diz que a idosa é encantadora, foi enfermeira por 50 anos, e agora, mora no abrigo. "Ela gosta muito de conversar e da nossa atenção", completa.

Outra coisa que a marcou foi o relato de uma jovem de 20 anos, que morava com a família na cidade de Luhansk, no leste da Ucrânia, antes da guerra. Quando o conflito começou, seus parentes se refugiaram na Suíça e ela se mudou para Lviv, com o namorado, mas decidiu ir para o abrigo por medo dos ataques de Vladimir Putin no aniversário de um ano da guerra, no dia 24 de fevereiro. "Me chocou ouvi-la dizer que apesar do caos, havia se acostumada com a guerra, com os mísseis", cita Marina.

Em terras polonesas, as voluntárias brasileiras promoveram uma festa de Carnaval junto às crianças, a pedido da gestão de um dos abrigos. "Foi um momento muito especial. Todos demonstraram gostar muito do momento."

No mesmo grupo de Marina viajou a advogada paulista Daniela Kallas, 46, que embarcou no dia 14 de fevereiro, e volta nesta terça (7). Ela também já tinha feito outra missão, em agosto passado, mas a dedicação com outras pessoas vem desde os 25 anos, com ações em países como Sudão, Eritreia e Palestina, além de atividades em algumas partes do Brasil.

Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos na Polônia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Festa de Carnaval que as voluntárias brasileiras fizeram a pedido do abrigo
Imagem: Arquivo pessoal

Do sertão do Piauí à Polônia

Além das ações nos abrigos, Daniela estendeu mais uns dias na Polônia para viabilizar uma parceria para enviar 510 potes de Honey For Sure, mel orgânico produzido no sertão do Piauí. A ação também colaborou para gerar renda para cerca de 250 famílias de apicultores, responsáveis pela fabricação do produto.

Para os organizadores, um dos focos da atividade é levar um pouco de "doçura" para famílias ucranianas refugiadas na Polônia. "A iniciativa busca mostrar às famílias que deixaram suas vidas e sonhos para trás que a vida continua, e que ainda há amor e solidariedade no mundo", diz um material divulgado pela advogada.

Mestre em direito internacional humanitário, consultora internacional de refúgio e migração, além de parceira da VVolunteer, Roberta Abdanur, 29, foi pela terceira vez atuar como voluntária na Ucrânia. "A primeira vez fomos para poder mapear, analisar as necessidades e implementar parcerias para as ações que implementamos", conta.

Para ela, o desafio, assim como todas as crises humanitárias em que atuou, há sempre um desafio, sobretudo no âmbito de um conflito armado, onde a maior parte das vítimas são civis, e no caso da Ucrânia, mulheres e crianças. Além de ter sido um deslocamento forçado em menos de um ano, algo sem precedentes.

Mineira de Araxá, Roberta já atuou em países como Líbano, Síria e Etiópia. Na Itália, trabalhou com refugiados que chegavam da África subsaariana pelo mar Mediterrâneo.

Voluntárias brasileiras ajudam refugiados ucranianos na Polônia - Fabio Kotinda/Divulgação - Fabio Kotinda/Divulgação
Imagem: Fabio Kotinda/Divulgação

A volta para casa

Marina e Roberta já concluíram as missões. Elas dizem que ainda faltam ações no Brasil para socorrer e dar assistência com mais vigor aos refugiados ucranianos e em outras situações de conflitos no mundo.

"Apesar de estar crescendo o número de pessoas interessadas e meios de colaboração, a cultura do brasileiro ainda é pouco ligada a ações sociais em geral", comenta Marina. "Acredito que no âmbito governamental faltam ações, embora a Operação Acolhida tenha sido exemplar na resposta humanitária dos venezuelanos", emenda Roberta.

Marina diz que o sentimento das voluntárias é sempre de sensibilidade com as situações. "Nós, brasileiros, não temos noção do que é ter uma guerra tão perto. Volto pro Brasil com a certeza de que ainda haverá tempos difíceis para essas pessoas, pois a guerra não parece nem estar próxima de acabar", avalia. "Volto sabendo que a ajuda que demos ainda é pouca perto do que eles precisam, mas que, mesmo a distância, é possível ajudar."