'Anjo', 'queen', 'pitica': quem está por trás do fandom de Gleisi Hoffmann
"Hoje recebi presentes e mensagens muito especiais das meninas do meu fandom", escreveu a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) na legenda de uma publicação no Instagram. Na foto, publicada no início de maio, ela aparece sorridente segurando um bracelete, um colar com dois pingentes (uma letra G e um coração) e uma corrente estilo choker. Foi assim que a internet descobriu que Gleisi Hoffmann tem um fandom.
O termo é a união das palavras "fan" (fã) e "kingdom" (reino, em inglês) e se refere ao agrupamento de fãs num nicho digital próprio, geralmente dedicado a enaltecer celebridades e divas pop. O fandom da presidente do PT é composto de vários perfis com diferentes nomes nas redes sociais: "Always Gleisi", "Amorzinho da Gleisi", "Ao Teu Lado Gleisi", "World of Hoffmann" etc.
Embora estejam na interseção entre política e cultura pop, essas contas raramente discutem a atuação de Gleisi como deputada e líder partidária. O que mais se vê são declarações de amor e a exaltação puramente estética das fotos, compartilhadas à exaustão, e de vídeos editados ao som de hits populares, chamados de "fancams".
Uma das contas, por exemplo, mostrou como a deputada seria caso fosse um personagem de anime. Outra publicou uma foto dela com a legenda: "Bastou você sorrir, que eu me apaixonei por cada pedacinho seu <3".
Estrelinhas da Gleisi
Apesar de pequeno, o fandom é unido. A ideia de presentear a deputada com joias surgiu no grupo de WhatsApp Estrelinhas da Gleisi, onde administradoras de contas e alguns seguidores trocam informações e ideias para posts. Uma delas é a estudante de psicologia Mariana V., 24, que está por trás do perfil Jurídico Gleisi Hoffmann (@juridico_hoffmann no Instagram).
Tuiteira incansável, ela diz que criou a conta em janeiro deste ano para limpar a imagem da deputada frente aos ataques de "haters"."Eu ficava triste vendo todo aquele ódio em cima dela, me dava crise de ansiedade", diz. A ideia era mostrar aos detratores que eles estavam errados e precisavam conhecer a deputada por outro ângulo.
Vale tudo para proteger a ídola das críticas. Quando uma internauta questionou se Gleisi poderia receber presentes, Mariana respondeu: "Assim como ela pode receber presentes, você pode cuidar da sua vida!"
A estudante conta que nunca teve muito interesse em política. A afeição pela deputada é, segundo ela, meio "inexplicável". "Eu não a conheço pessoalmente, mas ela passa um amor, uma tranquilidade, uma leveza. Como política ela é foda." Antes de entrar no fandom de Gleisi Hoffmann, Mariana teve fãs-clubes das jogadoras de vôlei Carol Gattaz e Pri Daroit, mas diz que nunca foi realmente fã de alguém como é da deputada do PT.
Como sua família é quase toda antipetista, Mariana não dá um pio sobre o partido ou Gleisi Hoffmann em casa. Prefere canalizar toda a sua admiração para a internet. "Pego todo o amor que sinto por ela e coloco nos 'edits' e nos textos", diz. Ela se infiltrou tanto no mundinho Gleisi Hoffmann que acabou se filiando ao PT em abril.
O ship 'Gleisibergh'
Quando se tornou público o relacionamento entre Gleisi Hoffmann e o deputado federal Lindbergh Farias, também do PT, abriu-se um novo nicho de perfis no fandom: os dedicados a "shippar" o casal. Eles existem em várias versões: "Relicário Gleisibergh", "Proud Gleisibergh", "Gleisibergh Diary" etc.
A estudante de psicologia Mariana V., do Jurídico Hoffmann, também é administradora da conta "Central Gleisibergh".
Para fechar a edição de um vídeo, ela demora quase cinco horas e às vezes vira madrugadas. "A gente tem que lutar por fotos deles dois", diz ela.
Como o casal é discreto, a administradora às vezes recorre às amigas para organizar mutirões em busca de registros do casal na internet. Elas passam horas nas redes sociais oficiais dos dois, assistindo a transmissões de sessões da Câmara e em sites de fotos do governo — tudo para encontrar o take perfeito do casal.
A escolha da música que embala os vídeos também leva tempo. "Eu geralmente coloco uma música de esquerda", explica Mariana. "Sertanejo, por exemplo, nem pensar."
No último Carnaval, viralizou nas redes sociais o vídeo de um beijo entre Gleisi Hoffmann e Lindbergh. Foi um alvoroço entre as "gleisers". "Todas as fotos que a gente tinha era deles na Câmara, em situações mais formais. Ninguém estava esperando um beijão daqueles, foi um surto no grupo", lembra Mariana, rindo.
No TikTok, a hashtag "gleisibergh", que acompanha montagens de vídeos do casal ao som de músicas românticas, tem quase 5 milhões de visualizações.
A criatividade dos fãs abre margem para os subnichos mais aleatórios dentro do fandom. A conta @swifitiepetista abarca, ao mesmo tempo, fãs de Taylor Swift e de Gleisi Hoffmann no TikTok.
Mundos paralelos
O trabalho na política inclui sustentar uma imagem — inclusive na internet —, mas os fandoms executam essa ideia da forma mais literal possível. Nas postagens, figuras políticas aparecem como personagens de enredos inventados. Em um dos vídeos do casal Gleisibergh, por exemplo, o deputado é apresentado como "um petista bobinho" que, por acaso, acaba conquistando a "girlboss" Gleisi.
É um movimento que se repete nos fandoms da ministra Simone Tebet e da senadora Soraya Thronicke, que "shippam" um relacionamento ficcional entre as duas desde as últimas eleições presidenciais.
Os fandoms são mundos paralelos, onde a orientação política importa menos que a personalidade inventada pelos fãs. Os fãs-clubes de Gleisi, por exemplo, são seguidos pelos da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e interagem com as contas de Soraya Thronicke, do União Brasil.
A política do mundo real interfere nessa dinâmica (os fãs de Gleisi odeiam os bolsonaristas), mas ela é sublimada em espetáculo. Nos textos, a deputada é chamada de "anjo", "queen", "pitica", "princesa" — um vocabulário comum nos fandoms, mas insólito no mundo político.
Mariana, do Jurídico Gleisi Hoffmann, reconhece que seu perfil não discute projetos políticos da deputada, apenas promove sua imagem "como fã". Mas, na visão dela, essa linguagem pode ser uma simpática porta de entrada para eleitores mais jovens se aproximarem do partido.
A precursora
O fã-clube mais antigo da deputada Gleisi Hoffmann foi criado em 2016 por Amanda Gimenes, 24. Hoje ela trabalha como auxiliar de inspeção de qualidade numa fábrica de perfumaria em Sorocaba (SP). Na época em que abriu o perfil "Portal Gleisi Hoffmann", estava terminando o ensino médio. "Quando eu fiz a conta os assessores dela nem sabiam mexer no Instagram direito", lembra.
A ideia surgiu depois que Amanda viu um vídeo da então senadora defendendo a ex-presidente Dilma Rousseff durante a votação do processo de impeachment no Senado. "A atuação dela foi um divisor de águas para eu entender o que estava acontecendo no país", diz.
O "Portal Gleisi Hoffmann" (cerca de 28 mil seguidores no Instagram) costuma publicar mais conteúdos sobre a atuação política da deputada: a rotina de compromissos, projetos, declarações, notícias etc. Funciona como uma plataforma política que inclusive ajudou a impulsionar a última campanha de Gleisi a deputada federal. Ainda assim, Amanda não consegue esconder a tietagem. Foi aos prantos quando encontrou Gleisi pessoalmente em 2017 no Paraná e fez questão de que a deputada assinasse sua ficha de filiação ao PT em junho de 2022.
Como nem tudo são flores, ela já se decepcionou com a ídola. Não gostou, por exemplo, de quando Gleisi foi à posse de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, em 2019. Mesmo assim, evitou criticá-la publicamente. "Eu preferi ficar em silêncio do que impor minha opinião", conta Amanda. "Depois ela [Gleisi] me mandou um texto explicando que havia um risco de golpe de Estado lá, e eu postei um meme para quebrar o gelo."
A presidente do PT retribui o carinho das fãs e tenta manter diálogo com elas através de seus assessores e comentários nas redes sociais. Recentemente mandou, por mensagem de texto, um beijo para Mariana, a recém-chegada do Jurídico Hoffmann. "Foi um dos dias mais felizes da minha vida", diz a fã.
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