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Empresário toma 'veneno do sapo' na pandemia para estresse e ansiedade

O empresário Eduardo Pane, de São José dos Campos (SP), fez sessões com o "veneno do sapo" para diminuir estresse e ansiedade - Bruno Pimenta/UOL
O empresário Eduardo Pane, de São José dos Campos (SP), fez sessões com o "veneno do sapo" para diminuir estresse e ansiedade Imagem: Bruno Pimenta/UOL

Do TAB, em São Paulo

03/07/2023 04h00

O empresário Eduardo Pane, 46, conheceu um terapeuta por meio de um amigo próximo que garantiu que o local era de confiança. Respondeu um questionário sobre sua saúde, seus hábitos, a medicação que costumava tomar e se sofria de esquizofrenia, síndrome do pânico ou arritmia cardíaca — nada disso: queixava-se só de estresse e ansiedade.

Veio a primeira sessão. Seco e cristalizado, o veneno do sapo Bufo alvarius foi inalado de uma vez. "Tive uma sensação muito boa, mais física do que mental. Mas passaram alguns insights na cabeça", conta.

Passados alguns minutos, os efeitos cessaram e restou uma sensação de serenidade e presença. "Aquela sessão serviu como um chamado interior e veio a clareza da necessidade de um maior aprofundamento", disse Pane.

Uma nova dose aconteceu 15 dias depois. "Em cinco segundos, entrei em conexão com o universo, senti uma abertura para os lados e depois para o infinito. Foi como se Deus se apresentasse para mim. Senti um bem-estar concentrado e profundo. Transbordei tanto de felicidade que terminei a sessão dando gargalhadas", descreve.

Isso foi há um ano. Até hoje ele já fez dez sessões, com efeitos positivos na vida pessoal, profissional e familiar. Mas está há três meses sem usar. "Fui em abril a um retiro de silêncio de 30 dias, e esse trabalho ainda está reverberando em mim. Neste momento, não vejo necessidade de aplicações", conta o empresário de São José dos Campos (SP).

Entre pesquisas e apreensões

Duas corridas diferentes estão acontecendo atualmente entre esse sapo e os humanos. A primeira é de cientistas do mundo todo, incluindo Brasil, para comprovar a eficácia da molécula 5-MeO-DMT, presente na glândula do anfíbio, para tratar quadros de depressão, ansiedade e estresse.

A segunda é das autoridades atrás das amostras em circulação e de pessoas que as ministram de forma indiscriminada, porque a substância tem uso proscrito pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Desde o final de 2022 houve apreensões em São Paulo, Goiás e Rio, a partir de denúncias de participantes das sessões que tiveram efeitos colaterais.

veneno do sapo - Polícia Civil/Divulgação - Polícia Civil/Divulgação
Apreensão de "veneno do sapo" foi feita em Goiás em abril último
Imagem: Polícia Civil/Divulgação

Por outro lado, o renomado neurocientista Sidarta Ribeiro apresentou, agora em junho, durante a conferência Psychedelic Science 2023, em Denver (EUA), um estudo do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) sobre a mistura de estados de sono e vigília em ratos que receberam 5-MeO-DMT.

Essa é só uma das pesquisas que formam a conexão promissora entre a medicina psicodélica e a nova neurociência. Universidades como UFRJ, Unicamp, Johns Hopkins (EUA), Imperial College (Reino Unido) e Maastricht (Holanda) estão avançando nesse campo, e até surgiu uma startup, a Beckley PsyTech, que já recebeu investimentos de R$ 123 milhões para fazer testes clínicos com a substância.

Batráquio do balacobaco

Muitos anfíbios fazem parte das chamadas "medicinas da floresta", os métodos de cura dos povos ancestrais. No Brasil, é conhecida a utilização por etnias amazônicas do kambô (ou vacina do sapo), secreção da perereca Phyllomedusa bicolor, aplicada na pele para revigorar animicamente quem recebe — sua utilização chegou às áreas urbanas há décadas e desde 2004 também é proibida pela Anvisa fora do uso tradicional dos indígenas.

Já o sapo-do-rio-colorado (Bufo alvarius ou Incilius alvarius) vivia em paz nos trechos úmidos do deserto situado entre o sudoeste dos EUA e o norte do México. O curioso é que seu poder não foi revelado por nenhum indígena, mas sim por um farmacologista italiano.

veneno do sapo - Getty Images - Getty Images
Cientista mostra exemplar do sapo-do-rio-colorado, típico do deserto na fronteira entre EUA e México
Imagem: Getty Images

Vittorio Erspamer (1909-1999) ficou célebre pela descoberta do neurotransmissor serotonina em 1935 a partir de estudos em rãs. Suas pesquisas com várias espécies de anfíbios continuou e, em 1965, detectou a alta concentração de alcaloides no sapo norte-americano. Além da bufotenina (5-HO-DMT), encontrou na pele dele outra molécula psicodélica, a 5-MeO-DMT, presente em várias plantas e animais.

Em 1976, a publicação científica "Journal of Morphology" publicou uma pesquisa que apontava que o veneno secretado pela glândula parótida, localizada atrás dos olhos do batráquio, era a fonte da substância.

E em 1984 apareceu um panfleto nos EUA que ensinava a localizar, reconhecer e extrair o veneno do sapo sem machucá-lo, além do processo de secagem e queima para absorção da substância. A publicação era assinada com o pseudônimo de Albert Most. Sua autoria só foi assumida pelo artista e ativista texano Kenneth Nelson em 2019, um ano antes de sua morte. Em suas últimas entrevistas, Nelson se mostrou preocupado com o futuro do sapinho com tanta gente atrás dele (seu estado de conservação atual é preocupante, mas não está ameaçado).

Um sapo pelo mundo

O bufo tem hábitos noturnos e circula mais pelo Deserto de Sonora no período das chuvas, entre maio e julho. Seu veneno, porém, está girando o mundo. Ficou em voga entre veranistas das paradisíacas praias de Tulum (sul do México) e de Ibiza (Espanha). O mito do boxe Mike Tyson tomou e disse ter experimentado "uma quase morte".

Da Rússia ao Brasil, há terapeutas e líderes espirituais que aplicam as microdoses do veneno que chega a matar pequenos predadores que tentam abocanhar o sapinho do deserto.

A reportagem do TAB conversou também com um terapeuta que aplica o bufo em uma clínica de São Paulo. Ele preferiu o anonimato porque a prática é proibida pela legislação atual.

"Muita gente vem por indicação de psicólogos, psiquiatras e neurologistas. Tratei até de um médico, que exigiu que ninguém estivesse no local quando ele viesse para não ser reconhecido. Dois dias depois, ele me ligou e disse: 'Estacionei na sua porta. Posso entrar?' Veio para contar que pela primeira vez na vida tinha passado um dia inteiro sem roer a unha. E queria marcar mais sessões", conta o terapeuta.

Ele acredita que o bufo tem "a mesma pegada, mas de forma mais rápida e intensa" que a ayahuasca (o princípio ativo é o mesmo, a dimetiltriptamina) e que a substância não é "para ficar doidão" e sim "entrar em contato com sua essência". "Só pesquisando muito para mostrar precisamente os benefícios para a neuroplasticidade, mas os efeitos a gente já vê diariamente nos atendimentos", afirma.

A molécula de Deus?

"É como uma iluminação por dentro. Você enxerga o que há de mais profundo na sua existência." Assim Pane define o efeito do bufo. "Em termos de autoconhecimento, uma sessão equivale a muitas idas ao psicólogo", compara o empresário. Cada sessão tem um custo de R$ 400.

Comentando entre os familiares, sua mãe, de 73 anos, decidiu experimentar. "Ela parou com seus antidepressivos dias antes para não prejudicar a experiência. Tomou o bufo uma vez e sentiu muita harmonia e paz."

Pane decidiu começar com o bufo durante a pandemia. "Estava debilitado. Ficava sem energia muito rápido ao longo do dia. Fiquei seis anos sem férias, com excesso de trabalho e afetado pelo isolamento em casa e o nascimento da minha terceira filha", lembra. "Estava muito abalado e sob forte pressão. Mas o Bufo alvarius me deu suporte, foi um instrumento que serviu para me orientar, me equilibrar e ter mais clareza naquele momento de dificuldade."

veneno do sapo - Bruno Pimenta/UOL - Bruno Pimenta/UOL
O empresário Eduardo Pane faz pausa em seu escritório na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo
Imagem: Bruno Pimenta/UOL

Pane diz que é preciso "transpor os preconceitos" e lembra, que antes de tomar ayahuasca, achava que a bebida era "só para quem queria curtir". Ele conta que parou de consumir carne e álcool após aderir ao chá amazônico.

Agora está largando o açúcar, e atribui isso ao bufo, como um efeito da "expansão da consciência, percepção e entendimento" que sente durante e após as sessões. "Eu comia muito doce, e isso já estava me transformando em um pré-diabético."

Pane prefere não usar os termos "alucinógeno" ou "psicodélico" e adota a denominação "substância enteógena", que significa literalmente "manifestação interior do divino", provocando expansão da consciência para chegar a uma vivência espiritual. "Tenho estado mais presente na família e no trabalho, e não fico vivendo no futuro como quando andava ansioso."

Apelidada de "la molécula de Dios", a 5-MeO-DMT, como outras substâncias psicodélicas, não é uma panaceia e está em fase experimental para chegar a uma aplicação mais precisa. O ideal para quem quiser se aventurar é ter a indicação e o acompanhamento de um terapeuta ou médico e evitar a automedicação, o que pode agravar transtornos psicológicos anteriores, conhecidos ou desconhecidos pelo usuário.

Além das pesquisas científicas crescentes, há atualmente uma tendência de legalização nos EUA das substâncias psicodélicas, com a descriminalização do uso terapêutico dos chamados "cogumelos mágicos" nos estados do Oregon e Colorado. Na Austrália, há também uma liberação para o uso medicinal de substâncias antes tratadas como entorpecentes, como os cogumelos e o ecstasy.

Com o bufo, como em outras substâncias presentes na natureza e no homem, vale a velha máxima: "a diferença entre o remédio e o veneno é a dose". "O uso de todas as medicinas da floresta precisa ser muito criterioso. A pessoa não pode simplesmente ir ali na esquina e fazer uso porque alguém conseguiu acessar por meio de um amigo ou conhecido. Isso pode ser muito perigoso para a saúde. Mas, com critérios básicos respeitados, terapeutas experientes e locais adequados, essa medicina pode ser transformadora na vida de muita gente", ressalta Pane.