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Proposta de nova bandeira para BH sai da internet e vira projeto de lei

Projeto compartilhado nas redes pelo designer gráfico Gabriel Figueiredo ganhou apoio de vereadores e pode ser sancionado pelo prefeito - Arquivo pessoal
Projeto compartilhado nas redes pelo designer gráfico Gabriel Figueiredo ganhou apoio de vereadores e pode ser sancionado pelo prefeito Imagem: Arquivo pessoal

Nina Rocha

Colaboração para o TAB, de Belo Horizonte

03/07/2023 04h01

Há pouco menos de um mês de completar 125 anos, Belo Horizonte ganhava, no ano passado, um presente despretensioso: uma proposta de nova bandeira para representar a cidade. O projeto foi concebido pelo designer gráfico Gabriel Figueiredo, nascido e criado na capital mineira, que percebeu que o brasão de BH estava fazendo 'jornada dupla' há muito tempo — sendo usado também como bandeira quando colocado sobre um fundo branco.

"Não lembro exatamente como a ideia surgiu, mas vira e mexe ela voltava na minha cabeça e eu meio que ia deixando de lado porque tinha outras prioridades", lembra Gabriel. "Mas aos poucos, a coisa foi se consolidando e ganhando força."

Ao visitar, em 2021, uma exposição no Museu Histórico Abílio Barreto, o designer viu pela primeira vez a Planta Geral de Belo Horizonte e o brasão utilizado nos mapas até então atraiu sua atenção. Alguns elementos se destacaram: o sol, o céu e a serra, signos que sempre estiveram presentes em todas as versões do brasão da cidade, desenhado inicialmente por José de Magalhães, arquiteto da Comissão Construtora da Nova Capital.

A Lei Municipal n.º 6938, de 1995, define que o brasão de Belo Horizonte possui um escudo português em campo de blau, um sol nascente de ouro surgindo da Serra do Curral D'el Rei, o triângulo que simboliza a liberdade da Inconfidência Mineira e duas fitas com as datas da criação e instalação da nova capital de Minas Gerais. Uma coroa mural com cinco torres na parte superior finaliza o desenho, que, projetado em um retângulo em branco, vira a bandeira da cidade.

A partir destes símbolos, Gabriel, que trabalha de forma independente há mais de dez anos, concebeu uma nova bandeira. "Em vez de tentar inventar um 'novo símbolo' para BH, a minha preocupação foi trabalhar com os elementos centrais do brasão, que são também os mais representativos da cidade", explica.

"A [minha] bandeira traz o mesmo nascer do sol no Pico Belo Horizonte, a única diferença é que ela o faz em uma linguagem gráfica mais apropriada. A meu ver, a proteção da Serra do Curral e do Pico Belo Horizonte é o mais importante dos interesses da população atualmente, e foi, inclusive, um dos fatores que me motivaram a desenvolver o projeto."

Nova bandeira de BH - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nova bandeira trabalha os mesmos elementos da anterior em 'linguagem gráfica mais apropriada'
Imagem: Arquivo pessoal

Postagem comentada

Em novembro de 2022, Gabriel compartilhou em suas redes sociais o design que fez aplicado em uma bandeira de tecido, além de um texto sobre a pesquisa e a criação do trabalho. A repercussão foi instantânea: muitas pessoas se manifestaram — contra e a favor — no post do designer. E apelos surgiram para que a prefeitura tornasse aquela a bandeira oficial da cidade.

O fato desse clamor chegar ao poder legislativo da capital mineira surpreende o designer até hoje: "Fiz o projeto porque acreditava nele, mas não esperava nem um décimo da repercussão que ele gerou já no primeiro dia — o resto então nem se fala", diz Gabriel.

Publicado dia 6 de fevereiro deste ano, o Projeto de Lei 483/2023 é uma proposta de autoria dos vereadores Jorge Santos (Republicanos) e Cleiton Xavier (PMN) que sugere uma alteração na Lei Municipal n.º 11293, código que determina os símbolos oficiais da cidade. A quaresmeira, o mico-estrela e a sabiúna escolhidas como símbolos oficiais da cidade permanecem, mas o brasão estampado na bandeira passa a ser substituído pelo retângulo dividido diagonalmente, da esquerda à direita, entre o verde-serra e o azul-céu coberto em parte por um sol amarelo de 16 pontas.

O projeto de lei defende que o município não possui uma bandeira específica em seus símbolos e que a finalidade do brasão é própria — e diferente de uma bandeira. Em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo que antecedeu as votações da CMBH (Câmara Municipal de Belo Horizonte), os autores destacaram que a relevância da proposta é importante para a identidade cultural e sentimento de pertencimento da cidade.

Não é a primeira vez que alguém tenta mudar símbolos oficiais no país: em 1933, no livro Brazões e Bandeiras do Brasil, de Clóvis Ribeiro, o historiador, pintor e desenhista José Wasth Rodrigues — que assina o brasão de São Paulo e de outros municípios, além de ser o criador do jornaleiro símbolo do jornal Estadão — também propôs uma versão melhorada do brasão de Belo Horizonte com flores e outros adornos, mas não vingou.

Nova bandeira de BH - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jorge Santos, Gabriel Figueiredo e Cleiton Xavier ostentam o lábaro renovado
Imagem: Arquivo pessoal

Prefeito pode sancionar ou vetar

Na última sexta-feira (23), a CMBH aprovou em segundo turno, com 29 votos a favor e oito contra o projeto de lei da bandeira, assim como uma emenda proposta por Bruno Pedralva e Pedro Patrus (PT) que leva a escolha para um referendo que poderá ser realizado nas eleições municipais em outubro de 2024. A proposta ainda precisa ser sancionada ou vetada pelo prefeito da cidade, Fuad Noman (PSD).

Contrário à mudança, o advogado Luiz Felipe Lisboa torce para que a proposta não seja aprovada. "Bonita ou feia, é uma questão de gosto pessoal, que não é o caso", explica. Para ele, o que deve ser levado conta é a memória da cidade. "O brasão tem toda uma contextualização histórica, e desde a época de fundação de Belo Horizonte já havia a ideia de se colocar a Serra do Curral representado o município", afirma, destacando as recentes disputas entre o governo de Minas Gerais e parte da população, envolvendo a mineração no cartão-postal da cidade.

Luiz Felipe considera que a área verde e plana da nova bandeira não caracteriza o Pico Belo Horizonte. "O maior símbolo da cidade está representado no brasão. Quando o projeto tira essa imagem e coloca uma forma triangular dizendo que é uma menção à Serra do Curral, é muito problemático no momento em que a serra constantemente passa por um processo de degradação de mineradoras interessadas em lavrar nesta região", diz.

"Você troca o símbolo por uma forma geométrica. Se no plano real as mineradoras querem fazer isso, no plano artístico também querem fazer isso na bandeira. Há uma descaracterização de uma referência que é identidade para a cidade."

O advogado considera que a comoção em torno da proposta da bandeira segue uma tendência de conceito minimalista e design moderno. "É justo e democrático você propor algo novo, mas poderia ter tido um concurso público, com outras propostas. O município tem autonomia para discutir sobre sua bandeira, seu brasão, seu hino, mas temos exemplos de outras cidades e países que usam brasão na bandeira, como São Paulo e Rio de Janeiro".

Sobre comentários de outras pessoas contrárias à ideia nas redes sociais, Gabriel não se incomoda. "Muita gente só teve contato com o projeto da bandeira na hora que ela entrou na câmara, sem ter conhecimento de tudo que havia por trás, e acho que muito do 'hate' vem daí. O lance é que em rede social a raiva faz muito mais barulho do que a satisfação, ainda mais em caixa de comentário de portal de notícias falando sobre política", comenta.

Para o designer gráfico, suas expectativas em relação ao projeto já foram superadas e ele acredita que as pessoas podem se apropriar da criação da forma que quiserem — uma vez que arquivos abertos foram disponibilizados online para serem reproduzidos e editados de forma irrestrita. "Lógico que vou ficar feliz se meu projeto virar a bandeira oficial da cidade, mas tento não gastar muito a cabeça com isso... normalmente só fico sabendo da tramitação pelo meu pai, que fez cadastro no site da CMBH para receber notícia."