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Com 'loja-conceito' e marcas, Ibirapuera vira parque com jeito de shopping

Fachada da Arena Centauro: atração chama público e causa polêmica pela construção em Área de Proteção Permanente (APP) - Tiago Dias/UOL
Fachada da Arena Centauro: atração chama público e causa polêmica pela construção em Área de Proteção Permanente (APP) Imagem: Tiago Dias/UOL

Do TAB, em São Paulo

31/07/2023 04h01

Em maio, o Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, ganhou uma nova atração. Chamado pela nova administração de "hub esportivo", o espaço abriga uma miniexposição interativa sobre a história do esporte e faz empréstimos de bolas e coletes mediante cadastro.

É possível tirar fotos em 360 graus e experimentar simuladores de ciclismo e skate — modalidades que dão as caras do lado de fora, na alameda ampla e verde à frente do espaço, no coração do parque, cuja vista é a atração da varanda no segundo andar.

O espaço de cerca 900 m² ainda conta com um miniauditório para cursos e palestras, e atende pelo nome de Arena Centauro, da varejista de produtos esportivos Centauro.

Apesar do nome, a finalidade ali é uma "jornada" para além do consumo, como explicam os representantes do centro nos muitos vídeos feitos por influenciadores na ocasião da inauguração, em maio. É uma espécie de loja-conceito: não é possível comprar artigos, mas dá para experimentar tênis e outros lançamentos.

Os vendedores de coco no entorno avisam que aquela parte do parque passou a ser mais visitada com a nova atração. Aos finais de semana, há filas para entrar. Muita gente nem imagina que o "hub esportivo" rodeado de verde, na verdade, foi construído sem licença ambiental.

É o que informam documentos e relatórios da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, meses antes da inauguração do espaço, onde fiscais afirmam ter identificado um imóvel com mais de 900 m² em uma APP (Área de Preservação Permanente) no Córrego do Sapateiro, que passa por dentro do parque. Segundo uma reportagem do SPTV, os documentos, obtidos via Lei de Acesso à Informação, afirmam que a construção foi erguida sem autorização dos órgãos municipais competentes. Os dados foram confirmados pelo TAB.

A Centauro informa, em nota, "que zela pelo cumprimento das exigências dos órgãos competentes e esclarece que as intervenções realizadas no Parque Ibirapuera são de responsabilidade da concessionária que administra o equipamento público." A administração do parque, que desde o final de 2019 está sob os cuidados da concessionária Urbia, responsável pela obra, foi multada em R$ 459 mil em abril, ainda antes da abertura do espaço.

Em nota ao TAB, a prefeitura reafirmou que a empresa não tinha licença para construir nada no local e, por isso, sofreu sanção administrativa — agora sob análise, após a Urbia apresentar sua defesa.

A Urbia, por sua vez, afirmou ao TAB que a intervenção realizada foi aprovada pelos órgãos de patrimônio e que foi feita em área já previamente edificada, "portanto, não se trata de uma nova obra em Área de Preservação Permanente (APP), mas sim da requalificação de uma edificação já existente que estava sem utilização e interditada por risco de desabamento desde 2015. A sanção sofrida, cujo valor está sendo revisto, foi de ordem administrativa."

Simuladores atraem público na nova atração do Ibirapuera. Obra feita pela Urbia foi multada pela prefeitura - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Simuladores atraem público na nova atração do Ibirapuera. Obra feita pela Urbia foi multada pela prefeitura
Imagem: Tiago Dias/UOL

Vista do parque é a atração da varanda no segundo andar - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Vista do parque é a atração da varanda no segundo andar
Imagem: Tiago Dias/UOL

Cara de parque

Antes da concessão, o espaço do centro esportivo abrigava uma das administrações do parque, numa construção menor, cercada por uma faixa densa de árvores e pelo córrego, hoje escondido nos fundos do espaço. É essa a imagem gravada na lembrança do vendedor de coco Kauã Henrique, 17. "Eu vinha aqui desde criança de bicicleta, lembro de um jardim", diz.

A polêmica em torno do novo espaço é um dos sintomas da administração da Urbia, nesse que foi um dos primeiros movimentos na cidade de São Paulo na direção de conceder aparelhos públicos à iniciativa privada.

Desde então, a Urbia fez melhorias e mudanças no parque mais importante da cidade — o que é notado por antigos frequentadores. "Está tudo mais bonito e limpo", diz a aposentada Cecília Barros, 74, enquanto descansa de uma caminhada. "Só o preço do coco mesmo é que está muito caro." Kauê observa: "Agora é tabelado. Se antes o litro era vendido por R$ 12, agora ele é vendido por R$ 20."

Ele trabalhou durante seis meses no parque antes da concessão, e nota que a nova administração fez o espaço renascer após a pandemia. "Esse período 'zoou' o parque, a maioria do público na semana é gente nobre, e essas pessoas não ficaram em São Paulo, foram para os chalés deles, pra fora do país", diz. "Agora eles fizeram um negócio chique e a gente não pode reclamar do público não."

Vendedor de coco no parque, Kauê Henrique comemora aumento de vendas, apesar do novo preço tabelado - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Vendedor de coco no parque, Kauê Henrique comemora aumento de vendas, apesar do novo preço tabelado
Imagem: Tiago Dias/UOL

A chegada da Urbia fez as vendinhas de coco ganharem um calçamento especial — e regras do que pode ou não ficar exposto. A orientação é de uma apresentação mais clean. "Sem bagunça", resume Kauê.

Se o público aumentou, o desafio agora para as tradicionais barraquinhas de biscoitos e água de coco é a concorrência com food trucks, máquinas de Red Bull e muitos pontos de guloseimas mais caras, que tem dado ao parque jeito e preço de shopping. O estacionamento, por exemplo, deixou de ser zona azul e agora custa R$ 20 aos finais de semana.

Jeito de shopping

A concessão também fez anúncios e logomarcas invadiram os 158 hectares do parque, como no caso do centro esportivo construído pela Urbia e questionado pela Secretária do Meio Ambiente e Verde de São Paulo. Eles estão gravados nas quadras de basquete, pista de skate e grades do campo de futebol reformadas.

Assim como a Arena Centauro, outra novidade que tem movimentado o parque é o novo cachorródromo, quase do tamanho de um campo de futebol, com mobiliário gigante estampado com a marca do patrocinador.

Dois anos e meio após ter efetivamente assumido a gestão do Ibirapuera, a Urbia, no entanto, ainda não zerou a lista de obrigações previstas em contrato.

A reforma do Pavilhão das Culturas Brasileiras, projetado por Oscar Niemeyer, deveria ter ficado pronta em janeiro deste ano, para a instalação do Museu do Folclore, o que não ocorreu. Barraquinhas de franquias famosas como Bacio di Latte e Oakberry, que também estavam previstas, já tomaram seus lugares, na frente do pavilhão, ainda sob tapumes.

Após concessão, parque foi invadido por logomarcas e ativações; na foto, estande expõe BMW, próximo à Praça Burle Marx - Tiago Dias - Tiago Dias
Imagem: Tiago Dias

O contrato ainda previa a reforma de uma fonte próxima à Praça Burle Marx. Não há sinal de obras, nem de água na fonte, mas um estande grande e moderno foi montado próximo ao local, onde carros da BMW são expostos. Segundo a prefeitura, foi firmado, junto à concessionária, "um termo de aditamento em vigor e outro em tramitação que solicita a extensão das contrapartidas até 2025."

"Vale ressaltar que o aditamento dos prazos não tem refletido em quaisquer prejuízos ao serviço prestado à população, que tem avaliado como positiva a gestão do parque de acordo com pesquisas realizadas por instituto independente", afirma a nota.

Na concessão, também estava previsto a instalação de decks e mobiliário nas margens dos lagos e do Córrego do Sapateiro, mas por enquanto, apenas o centro esportivo, alvo de polêmica, ganhou atenção por lá.