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'No Carnaval, ninguém tava de máscara': o dia depois da liberação no Rio

A maioria ainda usou máscara na terça-feira (8), na estação Botafogo do metrô, no Rio - Elisa Soupin/UOL
A maioria ainda usou máscara na terça-feira (8), na estação Botafogo do metrô, no Rio Imagem: Elisa Soupin/UOL

Elisa Soupin

Colaboração para o TAB, do Rio

09/03/2022 04h01

O dia amanhece aparentemente igual. A previsão do tempo anuncia calorão: 39ºC e sol quente. Assim que desço o elevador, vejo que algo está diferente. Nesta terça-feira (8), pela primeira vez, vejo o rosto do porteiro do prédio. Ele tem barba, um sorriso simpático e me avisa, animado: "Olha, não precisa mais usar máscara aqui dentro pra circular não, tá?". Penso que ele também nunca me viu sorrir.

O decreto do prefeito Eduardo Paes que desobrigou os cariocas do uso da máscara em ambientes fechados veio na segunda-feira (7) e começou a valer no mesmo dia. Ao ar livre, desde outubro já é permitido circular pela cidade sem máscara.

Nesta terça (8), nas ruas, assim como nos últimos meses, tudo parece "normal" — quer dizer, o "normal" com que convivemos desde 2020: tem quem não use, mas a maior parte das pessoas adere ao acessório de proteção facial, mesmo que haja aqueles que o façam à la Bolsonaro: com o nariz de fora, no queixo, pendurada na orelha ou de qualquer outra forma que não faça muito sentido nem tenha eficácia.

Dentro do MetroRio, onde o uso era de fato obrigatório, a história é diferente. Novamente, a maior parte das pessoas mantém o uso, mas há aqueles que circulam livremente de rosto à mostra, conforme permite a nova lei.

É o caso do engenheiro Tiago Fonseca, 42. Abordado próximo à estação Flamengo, ele garante que, até ontem, seguia a obrigatoriedade, mas, com a liberação, tratou de deixar a máscara em casa.

"Como foi decretado que não há mais essa necessidade, parei de usar. Não tinha ninguém usando máscara no baile privado de Carnaval, nem nos blocos clandestinos que estavam cheios, né? Acho incoerente. Por que usar no metrô, então?", questiona ele, que preferiu não ser fotografado.

"Se a lei não tivesse caído, eu estaria usando. Em ambientes muito cheios, como um show, acho que vou continuar usando. Mas está um calor insuportável também", argumenta.

A estudante Tainara Melo, 24, que também estava no metrô, faz parte do grupo que deixou a máscara em casa. Com a vacinação em dia, ela acha que o momento é propício e, além disso, nunca levou muita fé na proteção.

Tainara Melo, dentro do Metrô do Rio - Elisa Soupin/UOL - Elisa Soupin/UOL
Tainara Melo, dentro do Metrô do Rio
Imagem: Elisa Soupin/UOL

"Estou com as três doses, e nesse calor ninguém merece também! Até ontem eu usava nos lugares que mandavam, né. Mas meu filho de 4 anos pegou e eu não peguei. Acredito que estou protegida e, olha, eu não acredito muito que as máscaras protegem, essa sua [um modelo GVS] protege mais, mas essas de farmácia... Nem tanto", opina ela, que acha que o item tem mais efeito moral do que prático.

Um pouco de calor, um pouco de negacionismo

Já na Central do Brasil, enquanto esperavam na plataforma uma composição sentido zona sul, duas amigas de rostos à mostra conversavam animadas. "Tava agora mesmo falando de como é bom estar sem máscara!", diz uma delas quando a reportagem de TAB as aborda.

"Estava com saudade de mostrar o rosto, e está calor pra caramba. E acho que as pessoas só usavam porque eram obrigadas mesmo aqui no metrô. No ônibus, por exemplo, ninguém bota a máscara, né? E a gente tomou a vacina. Faz efeito, não faz? Então vamos acreditar", diz a babá Viviane Cabral, 38.

A bem da verdade, Viviane nunca foi muito fã do item de proteção facial. "Eu tive covid-19 quando trabalhava em um shopping, em 2020. Nessa época, o uso da máscara já era obrigatório, mas eu não usei. Peguei e fiquei muito mal, dor de cabeça, dor no corpo. Foi horrível. Se eu tivesse usado, talvez não tivesse pego", diz ela. Depois de sofrer com a doença, Viviane aderiu às máscaras, mas confia que, agora, três doses de vacina depois, já dê para relaxar.

A doméstica Tatiane Gonçalves, 36, amiga de Viviane, diz que não acredita mesmo no uso da máscara, usou por obrigação e explica isso com uma mistura de vários elementos, de hipocrisia a negacionismo.

Tatiane Gonçalves e Viviane Cabral, dentro do metrô, na altura da Central do Brasil, no Rio - Elisa Soupin/UOL - Elisa Soupin/UOL
Tatiane Gonçalves e Viviane Cabral, dentro do metrô, na altura da Central do Brasil, no Rio
Imagem: Elisa Soupin/UOL

"Não faz sentido ter que usar no lugar fechado e poder tirar no lugar aberto. Estou sem fora do metrô e preciso colocar pra entrar? Isso me irrita. E semana passada foi Carnaval. As pessoas beijando na boca, beijando outros lugares, mas na hora de entrar no transporte bota a máscara? Não faz sentido nenhum", opina.

Além disso, mesmo 650 mil mortes depois, Tatiane conta que sequer acredita na covid-19.

"Olha, eu até acho que teve vírus, pode ter tido gente que morreu. Mas gente que morreu de câncer, de infarto, de tudo, passou a ser contado como covid-19. Com certeza não foi esse número todo", garante, sem, no entanto, dizer a fonte dos dados dos quais afirma ter certeza.

Cada rosto, uma sentença

Fora do metrô e dentro de um shopping em Botafogo, a mesma equipe de segurança que era responsável, até alguns dias atrás, por chamar a atenção dos clientes que circulassem pelo estabelecimento sem máscara, já estava de rosto à mostra nesta terça-feira (8).

Pelo shopping, a maioria vestia a proteção, mas um grupo de três jovens, entre 18 e 20 anos, que preferiu não aparecer em fotos, contou que optou por começar a fazer valer o decreto do prefeito logo.

"Na aula, onde estava mais cheio, a gente usou. Mas aqui, que está mais vazio, não tem motivo, né? Acho que vai ser assim, a gente vai analisar quando precisar ou não, se tiver aglomeração. Mas estamos com todas as doses, então é seguro", dizem.

Embora o secretário de saúde Daniel Soranz tenha recomendado que pessoas com comorbidades, não vacinados e pacientes com imunossupressão continuem usando o item de proteção, não há nada que conste no decreto do prefeito obrigando esse público específico ao uso, deixando livre a escolha.

Dentro de uma mesma loja, era possível ver duas atendentes com resoluções diferentes. Uma tirou a máscara para trabalhar, a outra resolveu manter. As decisões pelo uso estão, agora, completamente calcadas na subjetividade de quem usa (ou não).