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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uso da máquina tem mais força que minuta para tornar Bolsonaro inelegível

A minuta golpista incluída na ação contra Bolsonaro foi encontrada na casa de Anderson Torres. Foto: Tom Costa/MJSP  - A minuta golpista incluída na ação contra Bolsonaro foi encontrada na casa de Anderson Torres. Foto: Tom Costa/MJSP
A minuta golpista incluída na ação contra Bolsonaro foi encontrada na casa de Anderson Torres. Foto: Tom Costa/MJSP Imagem: A minuta golpista incluída na ação contra Bolsonaro foi encontrada na casa de Anderson Torres. Foto: Tom Costa/MJSP

Colunista do UOL

16/02/2023 04h01

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A minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em Brasília, foi incluída pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nos autos de um processo que investiga Jair Bolsonaro (PL) por ataques ao sistema eleitoral promovidos durante uma reunião com embaixadores no Palácio do Alvorada em julho do ano passado.

Na ocasião, o então presidente desenhou sua estratégia para contestar o resultado eleitoral. Como pegava mal dizer, com todas as letras, que pretendia dar um golpe, ele mudou o sujeito ativo da frase e inventou que estava prestes a ser golpeado. A estratégia visava lançar desconfianças para além das quatro linhas nacionais.

O resto é história: Bolsonaro perdeu a disputa, ameaçou espernear, seguiu instigando a revolta popular até que ela explodiu em 8 de janeiro.

Antes disso, porém, seu ex-ministro deixou à vista da polícia um documento que dizia como Bolsonaro poderia impedir a posse do adversário. A minuta previa uma intervenção no TSE, com a instalação de aliados no colegiado para apurar uma falsa suspeição e abuso de poder, e a decretação do estado de defesa, que manteria Bolsonaro na Presidência por tempo indeterminado.

Em meio às investigações, um senador da base aliada contou ter sido coagido a participar de um plano para grampear o presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Até o hacker de Araraquara, pivô da Vaza Jato, diz ter sido escalado para a missão.

Bolsonaro já confessou em voz alta que passou os dois últimos meses do mandato fritando a cuca para elaborar um plano infalível para seguir onde estava. Atacava a democracia dizendo que buscava um jeito de preservá-la.

Em perspectiva, as peças que hoje estão nas mãos das autoridades formam um mosaico com os planos A, B, C e D para o golpe de Bolsonaro.

A inclusão da minuta em um processo que já o colocava na mira pode resultar na perda de direitos políticos do ex-presidente, tornando-o inelegível para disputar as próximas eleições.

Mas a expectativa tem um problema de fundo: ao menos o plano desenhado na minuta golpista não saiu do papel.

É possível dizer, portanto, que, caso condenado, e fiquem provadas as ligações entre o capitão e o plano apreendido com seu ex-ministro, Bolsonaro seria punido por um desejo?

Se este era o plano A, ele não funcionou. Talvez porque tenha faltado apoio à empreitada e em algum momento foi abortado.

Na ação que pediu a inclusão da minuta na investigação contra Bolsonaro, o PDT argumentou, por meio de seus advogados, que o papel encontrado na casa de Anderson Torres era o "embrião gestado com pretensão a golpe de Estado".

A pretensão é clara e não exime Bolsonaro de responsabilidades por insuflar a revolta popular, esta sim concretizada no momento em que a turba golpista quebrou a primeira vidraça na invasão das sedes dos Três Poderes.

Se o plano B (ou C ou D, não se sabe) era levar o presidente Lula, já empossado, a convocar os militares para tomar as rédeas do comando numa ação de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) para conter os danos que parte deles alimentou, a ideia também ficou no caminho, embora tenha provocado estragos e uma série de processos contra os baderneiros. As digitais de Bolsonaro são óbvias. Podem e devem ser alvo da Justiça.

Mas onde entraria a minuta?

Em dezembro do ano passado, o então presidente do Peru, Pedro Castillo, foi destituído e preso após uma tentativa frustrada de dissolver o Congresso e formar um governo de emergência nacional. O golpe foi desenhado e anunciado visando a instituição de um estado de exceção.

Os deputados peruanos sacaram o cheiro da encrenca, ignoraram a ordem e votaram pela saída do presidente. Castillo segue detido desde então.

Algo parecido poderia ter acontecido no Brasil enquanto Bolsonaro estava na cadeira presidencial, mas o caso brasileiro tem algumas particularidades.

A começar pelo fato de que Bolsonaro alavancou seu golpe na base do envenenamento, e não de uma paulada, como Castillo tentou fazer no Peru.

Ele pode dizer, em sua defesa, que no fim das contas entregou o cargo (não a faixa) e não deu o passo seguinte ao plano descrito na minuta. Pode alegar também que ninguém deve ser condenado por sonhos e pensamento.

A minuta, afinal, deu em nada, embora diga tudo.

O mesmo não se pode dizer do uso recorrente da máquina pública, com gastos de cartão corporativo e oferta de crédito fácil de bancos públicos em pleno período eleitoral, para obter vantagem na disputa. Nem dos inúmeros discursos e postagens que colocavam em dúvida, sem base nos fatos, a lisura do processo eleitoral.