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Hollywood e o 'soft power' americano: para que ainda serve o Oscar

Lady Gaga no Oscar 2019 - Mike Segar/Reuters
Lady Gaga no Oscar 2019 Imagem: Mike Segar/Reuters

Letícia Naísa

Do TAB

08/02/2020 04h00

O Oscar está para os cinéfilos como o Superbowl está para os fãs de futebol americano. É a Copa do Mundo da sétima arte, o Brasileirão dos intelectuais do entretenimento. A cerimônia de 2020, que acontece neste domingo (9), é a 92° edição da premiação. Desde 1929 a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos entrega estatuetas para as melhores produções do ano.

Com tanto tempo de história, o Oscar se tornou a premiação mais importante da indústria cinematográfica. O valor de uma estatueta é de cerca de US$ 500, mas o prestígio e o valor de mercado que ela impõe ao vencedor, bem, têm um preço maior ainda. Apesar de ser um prêmio feito por e para a indústria norte-americana, hoje todo mundo quer um Oscar. E às vezes batalha por ele.

Então tem gente que faz filme pensando no Oscar? Mais ou menos. Via de regra, tecnicamente, não existe uma fórmula muito bem estabelecida para ganhar. Mas os filmes vencedores seguem certo padrão. "A maioria deles tem as maiores estrelas, os maiores diretores e produtores por trás", diz ao TAB Steven Richter, diretor, cineasta e fundador da AIC (Academia Internacional de Cinema). Outro diferencial dos filmes vencedores é o sucesso de bilheteria, que é medido pela popularidade. Diferentemente do que acontece nos festivais de Cannes, Berlim ou Veneza, quanto mais popular o filme, mais buzz gerado em torno dele, mais destaque ele tem na premiação americana. Mas tudo isso depende do timing.

Mas então todo filme que chega ao Oscar é bom? Estatueta como selo de qualidade não existe. Pelo menos, não necessariamente. "Os filmes têm apelo popular", diz Ritcher. "Mas eles são, geralmente, um reflexo do espírito de sua época", completa. As obras indicadas refletem questões que estão na agenda cotidiana, como a violência em "Coringa", a desigualdade social em "Parasita". Para o grande público, um filme ganhador do Oscar é uma medida importante para decidir se vale a pena ou não assistí-lo. "Não significa que seja um grande filme sempre", diz Rubens Rewald, cineasta e professor de roteiro na Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo). Mais do que medir a qualidade de uma peça, o Oscar agrega valor ao título e a quem o produz.

Tudo gira em torno da grana? Além de ser uma festa que movimenta várias camadas (de fofocas sobre celebridades e glamour à indústria da moda), "o Oscar é o momento, é a indústria, o aqui/agora. Daqui um ano ou dois, já passou", explica Rubens Rewald. "Para os profissionais envolvidos, eles passam a fazer parte de uma espécie de clube", diz. Quem ganha um Oscar passa a valer mais no mercado. Em torno disso há até a expressão "maldição do Oscar", que se refere a atores e atrizes que passam a valer tanto que ninguém consegue mais pagar seus salários. Em outros casos, ser indicado ao prêmio é suficiente para render bons frutos, como é o caso do diretor Fernando Meirelles, que, depois de ser indicado por "Cidade de Deus" (o filme teve outras três indicações), recebeu muitos convites para atuar fora do Brasil.

E nós com isso? Meirelles é, inclusive, um dos dois brasileiros de destaque na edição do Oscar de 2020 por "Dois Papas", co-produzido com a Netflix. A Academia passou a reconhecer e premiar filmes estrangeiros a partir de 1957. O primeiro longa-metragem brasileiro a ser nomeado ao Oscar foi "O Pagador de Promessas", em 1963 (o filme levou a Palma de Ouro em Cannes no ano anterior). Desde então, a nomeação que todo mundo sempre lembra quando se fala de cinema nacional no Oscar é de Fernanda Montenegro por "Central do Brasil" (em 1999). Injustiçada, perdeu o prêmio, mas ficou com a glória: foi a primeira atriz latino-mericana a concorrer ao Oscar de melhor atriz na história. Em 2020, outra latino-americana está sob os holofotes da estatueta de ouro: Petra Costa.

O Oscar é machista? Apesar de ter seu filme concorrendo a Melhor Documentário, Petra Costa não foi indicada ao prêmio de Melhor Diretor. Por mais um ano, nenhuma diretora concorre, nem mesmo Greta Gerwig, à frente de "Adoráveis Mulheres", que concorre a Melhor Filme. Ao longo da história do Oscar, apenas cinco diretoras foram nomeadas. A falta de diversidade na premiação é uma questão levantada com frequência, principalmente a partir da explosão do movimento #MeToo e do Time's Up.

E racista? Levou quase 90 anos para o Oscar premiar um filme feito por um diretor negro. O fato aconteceu em 2014 e o filme em questão foi "12 Anos de Escravidão". Quando se deram conta disso, ativistas e profissionais negros da indústria cinematográfica passaram a questionar a falta de representatividade no Oscar por meio da #OscarSoWhite. Em 2016, o diretor Spike Lee chegou a declarar boicote ao Oscar. Pouco a pouco e muito lentamente, a indústria vem tentando se reinventar. A edição de 2019 bateu recorde em matéria de diversidade: premiou sete profissionais negros e 15 mulheres, ao todo.

Mas e o PT? Bom, voltando ao Brasil, o PT está lá, documentado no filme de Petra Costa, "Democracia em Vertigem", que narra o período do impeachment da presidente Dilma Rousseff até a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro. Sim, o documentário é aquele filme de que o Pedro Bial não gostou. Mas, gostando ou não, ela concorre a melhor documentário e pode trazer uma estatueta para casa (apesar da disputa acirrada contra "Honeyland", um dos melhores filmes a que Fernando Meirelles assistiu nos últimos dez anos, disse ele ao programa "Roda Viva" recentemente).

Por que ele foi indicado? Fla x Flu político à parte, "Democracia em Vertigem" é um exemplo claro do que falamos no começo: é um filme que reflete o atual contexto político. "É um documentário que tem a chancela da Netflix, então ele circulou o mundo e teve uma repercussão muito grande nos EUA por conta do momento semelhante com a direita neoliberal no poder, contestação de fake news e um processo de impeachment", explica Rewald. "Independentemente do valor do filme, isso ajudou muito nessa escalada." Se o filme de Petra Costa levar a melhor, o cinema nacional — desprezado e atacado pelo governo — ganha tração, acredita Rewald.