Mercado de Blu-Ray reaparece de forma tímida com filmes de nicho no Brasil
Desde que conheceu a pandemia, o brasileiro tem modificado forçadamente seu modo de viver. Isso também passa pelo consumo de arte e entretenimento, por meio de lives, serviços de streaming e até mesmo pela redescoberta do cinema drive-in. Até mesmo um nem tão velho conhecido voltou à tona em tempos de isolamento social: o Blu-Ray.
A mídia de alta definição, também chamada de BD, nunca vingou por aqui. Desde sua chegada ao país, em 2007, o blu-ray veio acompanhado da promessa de trazer uma experiência de som e imagem superiores ao DVD. A ideia foi cumprida, é verdade, mas para poucos: os custos com o aparelho e os discos sempre foram altos. A realidade não mudou, mas o mercado de home video tem outro tipo de consumidor em vista.
O momento agora é de as empresas independentes trabalharem em filmes de nicho. Ao menos é o que acredita o Thiago de André, doutor em meios e processos audiovisuais pela USP (Universidade de São Paulo). Ele explica que a indústria de blu-ray não é tão lucrativa, mas o terreno está pronto àqueles que voltarem o olhar para públicos específicos.
"Quem procura mídia física está preocupado com experiência de qualidade mais alta. Não só no sentido da alta resolução, mas de um filme que realmente, vamos dizer assim, te coloque para pensar, faça sentir uma coisa bastante intensa. Alguns desses filmes são mais antigos e não foram feitos no contexto dos grandes estúdios norte-americanos. Isso abre espaço para distribuidoras menores", afirma ao TAB.
Para quem compensa?
De André argumenta que os grandes estúdios não têm interesse de explorar esse segmento como na década passada. Entre abril e maio de 2020, apenas seis títulos foram colocados à venda em BD no mercado brasileiro: "Star Wars: A Ascensão Skywalker" e "Frozen 2" (Disney), "1917" (Universal), "Jumanji: Próxima Fase" e "Bad Boys para Sempre" (Sony Pictures) e "Maria e João - O Conto das Bruxas" (Imagem Filmes). Os preços vão de R$ 39,90 a R$ 69,90, basicamente os mesmos de dez anos atrás.
Um título em BD tem tiragem média de mil cópias no Brasil. "Vale a pena recuperar um filme de um grande diretor ou uma obra consolidada. Mas dificilmente as obras serão distribuídas pelas grandes, porque elas estão interessadas em um volume só conseguem com novos lançamentos. No máximo relançam 'Star Wars'."
A indústria de DVD e blu-ray está em declínio em todo o mundo. De acordo com o relatório da MPAA (Motion Picture Association of America), as vendas globais dessas mídias caíram pela metade em cinco anos, chegando a US$ 13,1 bilhões em 2018. Na contramão desse movimento, a assinatura de serviços de streaming de vídeo ultrapassou a de TV a cabo nesse período.
De olho nos clássicos
Esse cenário não assusta o curador da Versátil Home Video, Fernando Brito, responsável pela seleção de filmes da distribuidora. Ele diz que pensava em voltar a trabalhar com a venda de blu-ray antes mesmo do início da pandemia. Os planos não foram interrompidos e a empresa negociou os direitos de três filmes do diretor cult de terror John Carpenter: "A Bruma Assassina" (1980), "O enigma de outro mundo" (1982) e "Christine, o carro assassino" (1983).
Clássicos do cinema dos anos 1940 a 1980 e obras menos conhecidas da grande audiência são o foco da companhia. Nessa curta retomada foram anunciados 11 títulos em BD, entre eles obras de Stanley Kubrick, Brian de Palma e David Lynch. Os anúncios são feitos com muito suspense nas redes sociais.
Além dos longas-metragens, são incluídos horas de extras, cards dos filmes e pôsteres. Uma das estratégias da Versátil é iniciar a pré-venda antecipada, oferecendo descontos de até R$ 20 por item para fisgar a clientela. O valor de uma caixa de filmes pode chegar a R$ 139,90.
Em conversa com o TAB, o curador de filmes diz que o seu cliente tem de 40 anos para cima, uma vez que a geração millennial não criou uma relação com a mídia física. "É um público pequeno, mas muito ativo nas redes sociais. Às vezes compra mais de um filme para dar de presente para alguém. Tem aqueles que compram várias cópias pra vender no Mercado Livre a preços exorbitantes", conta, aos risos.
A Versátil aposta no retorno do blu-ray e anunciou filmes já para 2021, talvez um reflexo do crescimento de 20% em vendas nos últimos meses. Filmes brasileiros estão no radar para 2021. "A experiência de se consumir superficialmente está nos streamings e torrents. É de se pensar que o blu-ray pode não ter decolado no Brasil, e acho que nunca vai decolar nas proporções do DVD. Por outro lado, criou-se uma base de pessoas cinéfilas que são o mercado de hoje", diz o especialista.
Estratégia quase forçada
O fechamento das salas de cinema da Reserva Cultural em São Paulo e Niterói (RJ) acelerou a volta da loja online da Imovision, que pertence ao mesmo grupo. A distribuidora independente retomou a comercialização de filmes com a tentativa de amenizar a crise financeira, destaca o fundador das duas empresas, o francês Jean-Thomas Bernardini, radicado no Brasil há mais de 40 anos.
Com um filme em blu-ray lançado por mês, o destaque tem sido para as produções nacionais. Os premiados "Hoje eu quero voltar sozinho" (2014) e "Aquarius" (2016) estão entre os mais vendidos — curiosamente, ambos estão disponíveis na Netflix.
Num segundo momento, Bernardini pode trocar a cautela pela ousadia e investir em produtos mais arrojados, como coleções baseadas no catálogo da Imovision. "Não podemos entrar com tudo em um mercado depois de tanto tempo. Tínhamos que dialogar com os cinéfilos, ver o que eles gostariam e aí propor nossas ideias. Temos que tomar cuidado para não lançar qualquer coisa", destaca ele, que já registrou "algum lucro" com a comercialização de blu-rays.
Aparelhos em falta
O que pode impedir o pequeno avanço dessa mídia física no Brasil não é a pirataria, o streaming de vídeo, muito menos os filmes baixados, mas a suspensão da produção de aparelhos.
As poucas opções disponíveis no mercado variam entre R$ 300 e R$ 2.000. Por isso, a comunidade cinéfila fez uma petição online para pedir a volta da fabricação desses players. Até o momento, mais de 3.100 assinaturas foram coletadas. Nenhuma empresa tem planos de produzir novamente o tocador no país. As alternativas são videogames como PlayStation e Xbox, que possuem leitor de BD.
"Existe um grupo que quer consumir esses discos e está percebendo que parar de fazer esses aparelhos é jogar uma pá de cal nas mídias e antever que isso pode levar ao seu desaparecimento do mercado", diz De André. "Se o blu-ray aumentar um pouquinho sua participação de mercado, sua presença deve continuar durando. Mas se permanecer estável, na hora em que os cinemas reabrirem, talvez uma parte do público sedento por ver filmes volte a frequentar as salas de cinema."
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