Em Pendências (RN), disputa eleitoral tem paredão de som e 'jingle do ódio'
Quem chega ao bar do Titico Gordo, no município de Pendências (RN), não fala de outra coisa: quem foi que deu uma cadeirada em Jessé da Ambulância e um murro em Rodrigo Barbudo? O proprietário do bar onde a briga teria acontecido titubeia. "Rapaz, é melhor deixar essa história quieta...", diz à reportagem do TAB.
Desde que um jingle com ataques ao candidato a prefeito Paulo Barreto (PT) ganhou as redes sociais, Titico — que virou "Tico" no jingle — conta que tem sido procurado para esclarecer o assunto. Como autêntico dono de bar, disputas políticas e porres de beira de balcão ele trata com panos quentes e um imodesto "deixa-disso".
Titico e seus conterrâneos estão mesmo deixando a história quieta, pelo menos publicamente. Ou tentando. O ritmo animado da propaganda, intercalado com acusações em formato de pergunta e resposta, e a fama repentina, alcançada graças às redes sociais, fizeram o jingle circular fora do âmbito regional. Entre os moradores o assunto anda à boca miúda para não criar mais problema, em um ambiente político de pavio curto.
"Todo mundo se conhece na cidade. Ninguém quer falar das histórias contadas na música porque isso faz parte da política e não queremos envolvimento para não gerar briga de um com outro", afirmou Titico, por fim. Primo distante de Paulo Barreto, diz que não vai votar nele. "Não quero ter desavenças com familiar meu. Não voto nele, mas o respeito."
Apesar da audiência que teve, a autoria da música segue anônima. Paulo Barreto, que trabalha com construção civil e carcinicultura (criação de camarão em cativeiro), nega as acusações da letra e a atribui a uma tentativa de intimidá-lo politicamente.
Ele disputa a prefeitura com outros quatro candidatos, entre eles o atual prefeito, Flaudivan Cabral (MDB). É a primeira vez que o empresário disputa um cargo eletivo na cidade. Embora pai e avô tenham sido lideranças políticas na região, Barreto não faz parte dos "influencers" locais: conhecidos como "araras" e "bacuraus", os políticos de Pendências são ligados às famílias Alves e Maias desde o bipartidarismo da ditadura militar. "A classe política se incomodou ao ver que eu estava crescendo e fez esse áudio para destruir a minha imagem", disse ao TAB. Adversários não quiseram comentar o assunto.
A disputa entre os araras e os bacuraus dura mais de 60 anos. Os araras, grupo político que foi ligado ao Arena durante a ditadura, comandaram a cidade durante 40 anos, mas perderam a eleição em 2008 para os bacuraus (ligados ao MDB). Desde então, Pendências teve eleições nos anos regulares e outra suplementar, em novembro de 2018, porque o então prefeito Fernandinho (MDB) havia sido cassado pela Justiça Eleitoral em julho por captação ilícita de recursos para a campanha. Flaudivan era presidente da Câmara Legislativa, assumiu como interino e ganhou nas urnas.
Carnaval fora de época
Com 15 mil habitantes e localizada a 195 quilômetros de Natal, Pendências é rodeada por cidades maiores, como Macau (maior produtora de sal do Brasil) e Guamaré (caracterizada pela extração e refino de petróleo).
O nome sugere encrenca, mas quem a conhece jura que o lugar é pacato. A cidade fica numa região do Rio Grande do Norte próxima ao sertão, conhecida como Vale do Açu. Nessa época do ano, o clima é muito quente, praticamente não chove. Sete dos últimos dez anos, inclusive, foram passados debaixo de sol e seca.
É durante as eleições que a cidade pega fogo. Os moradores dividem seu apoio entre bacuraus e araras. Nem no Carnaval o agito é igual.
Até no formato os dois períodos coincidem: as festas políticas e carnavalescas são caracterizadas pela disputa de paredões de som no centro da cidade. Na quinta-feira (12), Flaudivan Martins, representante dos bacuraus, encerrou a campanha com uma festa que entre os seus eleitores está sendo chamada de "verdadeiro carnaval fora de época". Passada a votação, a cidade murcha e volta à rotina pacata.
Em Pendências os moradores costumam conviver nas calçadas, na praça ou nos poucos botecos espalhados nas ruas. A cidade é a maior produtora de camarão do Brasil e produz petróleo em terra, mas o valor recebido de royalties minguou após 2012, com a diminuição da produção e do preço de petróleo.
Segundo a história oficial, o nome Pendências vem de "Independência" e surgiu pela resistência de tribos indígenas que ocupavam o território contra os colonizadores — tornando-se um "território pendente" para os portugueses. Para os moradores, contudo, o nome está mais perto de significar um lugar parado no tempo, esquecido de andar para a frente.
As personalidades citadas no jingle evitam falar sobre as acusações. Afirmam apenas que o autor misterioso extrapolou os limites da ética, desenterrando "boatos antigos". A reportagem de TAB ainda percorreu a cidade e tentou conversar com funcionários de bar, restaurantes, transeuntes. Todos que não são envolvidos diretamente na campanha política evitam falar, por medo de serem colocados no meio das desavenças.
Como a cidade é pequena, a opção de muitos comerciantes de se omitir na política é estratégia de sobrevivência. Eles não querem ser atribuídos a um grupo ou outro para não prejudicar os negócios.
Agenor Maxuíba foi envolvido diretamente e falou. O ex-agricultor de 82 anos contou que não esperava ver seu nome citado na letra, "por ser um mero eleitor que não se envolve mais com política". "Eu vivo a minha vida tranquila aqui em Pendências há mais de 45 anos. Paulo Barreto não era nem vivo quando vim para cá. Aqui é uma cidade tranquila, e não tinha pra que fazer isso durante as eleições. Não quero comentar se é verdade ou mentira."
Apesar da surpresa, Maxuíba achou graça e não ficou chateado com a música. A filha dele, no entanto, teve reação diferente. Moradora de Rio Branco, no Acre, ela recebeu o jingle através de amigos e se surpreendeu quando escutou o nome do pai. Achou desrespeitoso. Dona Mariquinha, esposa do ex-agricultor, completou: "Ninguém procurou a gente pra perguntar de história nenhuma".
O famigerado Jessé da Ambulância preferiu o silêncio. Na véspera da eleição, todo mundo teme esquentar ainda mais o clima político. Ainda é fresca na memória de alguns a imagem de grupos políticos intimidando eleitores com armas de fogo.
Paulo Barreto disse que vai esperar a eleição de domingo (15) para judicializar o caso por calúnia e difamação. A pergunta que ninguém se esquiva de responder, no entanto, podia estar na música. Quem foi que colocou Pendências no cenário político nacional? Um jingle dedo-em-riste.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.