Sala para destruir objetos vira negócio e passatempo na periferia de SP
Em um quarto à meia-luz repousam televisores, monitores de computador, cafeteiras, uma máquina de lavar e outras bugigangas que um dia provavelmente fizeram algum lar feliz. Longe de ser um bazar de itens usados ou assistência técnica, o espaço decorado com tapumes pichados não tem nenhuma pretensão de fazer com que esses itens voltem a funcionar.
Qualquer objeto que entre aqui está destinado ao fim derradeiro, encontrado a golpes de bastão de beisebol, pés de cabra e pesados martelos. O cômodo repleto de entulhos, vidros quebrados e pneus remete a filmes apocalípticos. Palavras como "corrupção", "ex-mulher", "ex-marido" e "trabalho", escritas no topo das paredes, têm como objetivo instigar a força da pancada dos carrascos.
Uma garrafa de uísque vazia, colocada sobre um barril de metal, explode em centenas de pedaços com a força do impacto do taco de beisebol. Quem faz a demonstração é Vanderlei Alves, 42, proprietário do estabelecimento, que deixa claro o intuito do negócio. "Aqui tudo é para quebrar. Pagou, quebrou", diz.
Foi junto do irmão Vitor Alves que Vanderlei inaugurou, há pouco mais de um mês, o espaço batizado de Rage Room CT, em Cidade Tiradentes, periferia do extremo leste de São Paulo. "A ideia original não é nossa. Esse tipo de negócio já existe fora do Brasil, nos Estados Unidos e Japão. Acompanho os vídeos desses espaços pela internet", explica ao TAB.
Esse é um dos poucos — senão o único — estabelecimento em São Paulo que conta com a irritabilidade dos clientes para prosperar. Pelo menos, os problemas são adquiridos fora do local para que a raiva seja descontada no ato de estraçalhar os objetos "à venda".
"Abrir esse negócio durante a pandemia tem a ver com o estresse que estamos vivendo, principalmente na periferia, onde estamos ainda mais tensos e com mais problemas. Em vez de você quebrar algo na sua casa, sujar e ter prejuízo, pode vir aqui, aliviar a raiva sem quebrar nada seu e sem precisar limpar a bagunça depois", defende Vanderlei.
Com uma grande marreta na mão, o transportador escolar Ari Matos, 44, experimentou na prática o sabor da destruição e fez um monitor de tubo em pedaços. Matos bateu com força na tela, que se estilhaçou, fazendo o barulho de uma pequena explosão. Essa não é a primeira vez que o transportador quebra algo. "Já quebrei a televisão em casa depois de derrota do meu time", revela.
Na Rage Room, a ideia de destruir é um lazer. "Me senti como se estivesse dentro de um videogame nesse cenário. Vale a pena para aliviar o estresse", diz ao TAB.
Quebra-quebra sustentável
Matos não gastou mais do que R$ 30, além de alguma raiva incontida, para participar. O preço para quebrar tudo na Rage Room é de R$ 10, e os itens escolhidos para quebrar também variam entre R$ 1 e R$ 70, sendo os mais caros geralmente eletroeletrônicos como televisores ou eletrodomésticos maiores, como máquinas de lavar e telas de plasma.
Os mais baratos são garrafas de vidro, vendidas em combos fechados de 20 unidades, ou pequenos brinquedos quebrados. Se o problema for pessoal com algum item da sua casa, também é possível levá-lo até o espaço e acertar as contas sem culpa ou julgamentos por R$ 20.
Reunir pilhas de itens para serem quebrados é uma atividade que tem colaborado com o meio-ambiente de acordo com o Vanderlei — que firmou parceria com catadores locais, que recolhem eletrônicos e outros objetos espalhados pelo bairro e vendem diretamente para ele.
"Pago cerca de R$ 5 por item. Depois que são quebrados, os catadores podem vir pegar os restos deles que interessam e vender para o ferro-velho", explica. O que sobra de entulho serve para ambientação do cenário e outra parte é descartada com a operação Cata-Bagulho da prefeitura, ou levada até algum Ecoponto para descarte apropriado. "Sempre que estou andando pelo bairro, fico de olho. Às vezes acho alguma televisão velha jogada pelas esquinas, pego e trago para cá", comenta Vitor, sócio e irmão de Vanderlei.
O espaço também aceita doações. Se é preciso fazer uma mudança em casa e jogar móveis fora ou descartar algum eletrônico quebrado, para Vanderlei isso é matéria-prima.
Inovador, promissor e acessível
Com ticket médio de R$ 25, uma das preocupações de Vanderlei é que o seu negócio seja acessível. O espaço fica próximo de sua casa, e uma das principais dificuldades foi alugar uma sala que comportasse uma ideia assim inusitada. "Tudo que procurei antes era muito arrumadinho, o pessoal ficava com medo de alugar para eu fazer isso", comenta ele.
Como acontece em toda periferia, o pessoal se ajuda. A vizinha tinha o espaço, sem nenhum acabamento. "Ela queria alugar, mas não poderia abrir um salão de comércio aqui. Então, uniu o útil para mim ao agradável para ela", diz.
Vanderlei se define como um empreendedor sazonal. Já apostou em diversos ramos de negócio e seu último emprego registrado foi em 2008, em uma loja de material de construções. Ele estudou até o penúltimo semestre de um curso superior de logística empresarial e, atualmente, divide seu tempo gerenciando o novo espaço com o trabalho de marketing digital, que faz para alguns comércios locais de Cidade Tiradentes.
Os clientes de seu espaço estão crescendo. De acordo com ele, a média é de 10 frequentadores por semana na Rage Room, que lhe rendem um faturamento mensal de R$ 3.000. Mas os planos de expansão são ambiciosos. "Dentro de um ano, a ideia é termos 16 unidades espalhadas por diversos bairros da capital", comenta.
A quem interessa a destruição?
Vanderlei definitivamente não é o tipo de cara que tem riso fácil. Ostentando um visual punk, roupas pretas e brasões do motoclube de que faz parte, ele recebe seus clientes com um clichê desafiador — "Está preparado para isso?" —, sempre com um pouco de marra e cara fechada.
Quebrar itens na juventude também era um passatempo para ele, que revelou já ter quebrado algumas garrafas na rua por diversão com os amigos, mas com a maturidade e consciência ambiental alcançadas, afirma que isso é coisa do passado.
Talvez pela experiência vivida, o público mais frequente em seu negócio o surpreendeu no início. "Quando a gente pensa em quebrar, pensamos em uma atividade mais ligada ao público masculino, mas as mulheres são as que mais procuram o espaço. De cada dez clientes, pelo menos sete são mulheres", diz ao TAB.
Para a influenciadora digital e dançarina Juliana dos Santos Andrade, 25, que participou de uma sessão no Rage Room CT, a ideia é representativa. "Existem poucos espaços como esse. As referências que tenho são de outros países, e voltados para pessoas ricas. Ter algo assim na periferia é muito representativo. Acho que as mulheres procuram mais porque às vezes reprimem o que sentem. Particularmente, adoro quebrar coisas."
Entre os pedidos de itens para destruir, se destaca um feito por uma cliente, que de acordo com Vanderlei, prefere sempre a discrição. Vai sozinha ao espaço e não permite fotos ou vídeos para divulgação. "Ela me pediu para montar um escritório completo para quebrar. Computador, mesa, teclado, mouse e monitor", explica o proprietário.
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