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Grupo do Facebook cria enciclopédia de 'anúncios absurdos' da internet

Galinha com colete sinalizador é hit em grupo de vendas absurdas - Reprodução
Galinha com colete sinalizador é hit em grupo de vendas absurdas Imagem: Reprodução

Giacomo Vicenzo

Colaboração para o TAB

22/01/2021 04h00

Por que a galinha atravessou a rua? Em algum momento da vida, você já deve ter escutado essa indagação dotada de algum sentido quase filosófico. Bem, seja lá qual for o motivo que fez o galináceo cruzar a via, sabe-se que hoje já há quem tenha deixado essa grande questão de lado e está preocupado, mesmo, com a sinalização de segurança da ave. É o que dá a entender o anúncio de colete refletivo dedicado ao animal que circula na internet.

Para quem não tem uma granja ou um aviário, esse anúncio beira o absurdo — e a circunstância cômica desse e de outros produtos foram estopins que deram vida a uma verdadeira 'enciclopédia' dos anúncios mais absurdos da internet (e também de fora dela). Assim nasceu, no Facebook, o grupo "Vendas de coisas Absurdas 2.0".

A comunidade reúne mais de 56 mil membros dispostos a revelar os anúncios que impactam seus feeds nas redes sociais e os bugs mais doidos dos algoritmos — ou desejos mais obscuros? —, que trazem ofertas totalmente fora dos interesses do perfil do usuário.

"Quanto mais absurdo for, mais chama a atenção. Isso fortalece o marketing e, consequentemente, aumenta as compras. Muitas pessoas clicam nesses anúncios só pela curiosidade e a estranheza que eles causam", comenta a recifense e criadora do grupo Ane Aline da Silva,25, estudante de gastronomia.

Silva criou o grupo no fim do ano de 2019 e tem visto ele crescer de forma rápida. "A comunidade cresceu muito. Os membros são agradáveis uns com os outros. É um grupo em que você pode falar qualquer coisa aleatória sobre uma postagem e ainda assim fará sentido, porque será engraçado", comenta a criadora.

Ane Aline da Silva, criadora do grupo "Vendas de coisas Absurdas 2.0" - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ane Aline da Silva, criadora do grupo "Vendas de coisas Absurdas 2.0"
Imagem: Arquivo Pessoal

Anúncios falsos e reais

Anúncios de pacto com forças malignas que prometem fortunas, marretas anti-retrocesso, cartas de baralho em versão gigante e em miniatura, máscaras de malha e óculos de sol furados. Rolar a barra de navegação do grupo é garantia de encontrar muitas propagandas curiosas, sempre com legendas cômicas dos membros, que encarnam o papel de vendedores e fingem realmente estar comercializando os produtos.

"O 'nonsense' (humor sem sentido), além de ser engraçado, é relaxante. Sem mencionar que ultimamente temos dado de cara com esse tipo de anúncio quase que diariamente nas nossas redes sociais", comenta Silva.

O uruguaianense William Candido, 32, ilustrador e auxiliar de eletricista que ajuda na administração da comunidade, resume a ideia do grupo: "É uma enciclopédia engraçada de anúncios", comenta.

Mas além do caráter excepcional dos produtos, para Candido, a criatividade dos membros também é essencial. "Além dos produtos bizarros, as legendas que as pessoas colocam, como se realmente estivessem fazendo um anúncio em vez de apenas postar a imagem, é uma coisa que eu gosto e que dá muita graça ao conteúdo".

A reunião de objetos curiosos também dá espaço para alguns membros que realmente têm produtos esquisitos para vender, por mais curiosos que sejam. "Já vi mais de uma vez relatos de pessoas nos comentários dizendo que possuíam alguns itens", revela Candido.

No entanto, o moderador explica que, apesar de parecer coisa de outro mundo para alguns, muitos produtos têm utilidade prática real. "Como as marretas anti-retrocesso que aparecem com os preços na casa dos quatro dígitos. Se for pesquisar, verá que é uma ferramenta que inibe a faísca, e é cara por conta da liga com que é produzida."

No grupo, também é possível encontrar anúncios fora da internet, com faixas ou placas engraçadas, com mensagens de duplo sentido e outros que são literalmente inventados pelos membros para animar ainda mais a brincadeira.

"Essa é uma segunda versão do grupo. A anterior foi derrubada pelo Facebook — por conta dos anúncios que a própria rede social divulgava para os nossos membros, que repassam para nós e postamos. Geralmente, eram de conotação sexual e ridícula, como uma cueca de elefante", lembra a criadora do grupo.

Produtos absurdos fazem a alegria do grupo - Reprodução/ Facebook - Reprodução/ Facebook
Produtos absurdos fazem a alegria do grupo
Imagem: Reprodução/ Facebook

Deu a louca no algoritmo?

Para todos que têm o costume de usar as redes sociais, não é incomum receber, pelo menos uma vez, algum anúncio que parece não fazer muito sentido ao rolar o feed.

Se o gerente da 'lojinha da internet' fosse o algoritmo, poderíamos dizer que ele realmente ficou maluco? TAB questionou o Facebook do porquê isso pode acontecer. A empresa revelou que, na verdade, não existe um fator único que determine isso — e sim uma junção de vários deles.

"Leva-se em conta o comportamento do usuário na rede, o padrão de pesquisas, gênero, faixa etária, interesses, informações declaradas e o objetivo do próprio anunciante", explicou o Facebook, que também fez questão de explicar que é possível bloquear certos anúncios, sites externos e que anúncios pagos (que são identificados com a palavra "patrocinado") são sugeridos e criados pelos anunciantes de forma anônima, sem ter acesso à identidade dos usuários impactados por eles no feed.

A empresa também alegou que, ao contrário do que diz o mito, o Facebook não está nos espionando ou ouvindo o que falamos próximo ao smartphone. Para explicar grandes coincidências nos anúncios, eles citam seu sofisticado sistema de rastreamento de padrões de comportamento, "que acaba provocando essa impressão."

Mini baralho anunciado no grupo - Reprodução - Reprodução
Mini baralho anunciado no grupo
Imagem: Reprodução

O segredo do sucesso

"Já vi muita coisa absurda, acho que compartilhar esses anúncios faz com que o Facebook sugira ainda mais disso no feed. Os posts patrocinados mais esquisitos que vejo, geralmente, são de lojas internacionais. Recebo ofertas totalmente fora do meu padrão de busca. Já vi pedra de vesícula à venda e aparatos sexuais bem excêntricos", revela o paulistano Julio Pedro de Sousa,32, coordenador de compras na área de recursos hospitalares e que faz parte do grupo há pouco mais de um ano.

Quanto mais Sousa interagia com esse tipo de anúncio, mais deles recebia em suas redes sociais. De acordo com o Facebook, esse é um padrão da rede, que acaba 'entendendo', que o usuário pode estar realmente interessado naquele tipo de produto.

"Esses recursos são baseados em inteligência artificial. Em média, as campanhas publicitárias circulam de quatro a sete dias nas redes sociais, coletando dados para que essa tecnologia aprenda e comece a distribuir os anúncios de forma mais precisa para os usuários que de fato são potenciais compradores", explica o consultor de marketing digital Émerson Bergamaschi, que trabalha na área de geração de tráfego digital para empresas.

"Imagine que vai fazer uma viagem para um hotel fazenda e se programou para um passeio a cavalo. É comum que passe alguns minutos pesquisando e navegando por páginas que ensinam sobre o tema. Automaticamente, o algoritmo te marcará como uma pessoa que tem interesse em equinos. A partir disso, provavelmente você será impactado por todos os tipos de anúncios criados para usuários que têm esse perfil de interesse", exemplifica o consultor de marketing digital.

Grupo cria laços e tem lógicas de emprego

Atualmente, o Facebook tem 145 milhões de usuários ativos mensais no Brasil. Destes, mais de 120 milhões participaram de grupos na rede sobre os mais diversos tópicos, de acordo com levantamento feito pela empresa e cedido ao TAB.

Para Silva, que criou o grupo das vendas absurdas, a lógica dos grupos serviu para que fizesse laços de amizade com outros usuários, que hoje 'trabalham' como administradores da comunidade que ela criou.

"Ultimamente, minhas relações têm se iniciado em redes sociais, com pessoas de outros estados. A maior parte dos moderadores são pessoas que conheci em outro grupo do qual eu fazia parte", comenta Silva."Minha interação no grupos tem essa abordagem humorística. Quando estou de mau humor, aviso aos outros administradores que vou sumir por uns tempos. Costumamos avisar quando precisamos de uma espécie de folga. Levamos o grupo como se fosse um trabalho não remunerado", explica ela.

Para Candido, que também é administrador do grupo, essa e outras comunidades se tornaram um espaço para socializar, ainda que de forma digital. "Não tenho outras redes sociais, somente o Facebook. Passo no mínimo uma hora durante a semana dedicado ao grupo e, nos finais de semana, fico mais tempo."

O coordenador de compras, Sousa, conhece a criadora do grupo há mais de três anos somente pelas redes sociais — e revela como a comunidade o ajuda a aliviar as pressões diárias.

"Uso o Facebook só para os grupos, então acabo passando quatro a seis horas por dia ali. Por trabalhar na área da saúde, essa pandemia de covid-19 tem exigido muito esforço, principalmente psicológico. Aproveito esse ambiente cômico para deixar as coisas mais leves, falar de coisas diferentes, simplesmente rir ou fazer amizades, como a da Ane, que nasceu de interações em outros grupos de humor."