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Neto tenta desde agosto saber onde avó, vítima da covid-19, foi enterrada

Em 2020, Hewertton Avelar perdeu os avós maternos em um espaço de dez dias por causa da covid-19. Mais de sete meses depois, Avelar segue sem saber onde a avó foi enterrada em Paranaguá (PR) - Carine Wallauer/UOL
Em 2020, Hewertton Avelar perdeu os avós maternos em um espaço de dez dias por causa da covid-19. Mais de sete meses depois, Avelar segue sem saber onde a avó foi enterrada em Paranaguá (PR)
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Marie Declercq

Do TAB

01/04/2021 04h01

A história da família de Hewertton Avelar, 32, é parecida com a de centenas de milhares no Brasil desde que a pandemia da covid-19 se alastrou pelo país. Em agosto de 2020, o analista de sistemas de Curitiba (PR) perdeu os avós, Jesus e João Soares de Proença, para a covid-19. Tudo aconteceu em um intervalo de dez dias. Com a perda dupla, veio o luto silencioso causado pela pandemia, com um detalhe agonizante: após mais de sete meses da morte da avó, Avelar não sabe onde ela foi enterrada.

Jesus Soares de Proença faleceu em 10 de agosto de 2020, aos 69 anos, no município de Paranaguá (PR), a 91,7km de Curitiba. Ela foi enterrada no Cemitério Municipal Nossa Senhora do Carmo no dia seguinte. Na ocasião, a falta de conhecimento da família referente aos procedimentos funerários e informações desencontradas impediram que acompanhassem o enterro da matriarca, e até hoje ninguém sabe a localização exata do túmulo de Jesus. Tudo que sabem é o nome do cemitério em que ela está.

"Não temos sequer um lugar físico para homenagear minha avó", conta Avelar ao TAB, por videochamada. Ao fundo, é possível escutar os sons de Alice, filha de sete meses de Avelar com a enfermeira Natália de Brito Pavowski, 32, nascida dois dias depois da morte de João, em Curitiba (PR). Alice, conta Avelar, foi o único conforto e luz depois da perda dos avós.

"Quase toda a minha vida foi passada ao lado da minha avó", afirma. "É difícil a gente perder alguém tão próximo e querido e sei que nesse ponto minha história vai parecer com a de muita gente mas, quando perdi minha avó, também perdi uma segunda mãe. E ninguém conseguiu se despedir."

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Hewertton Avelar
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Túmulo sem nome

A família estava em Curitiba quando recebeu a notícia da morte de Jesus, que estava internada havia duas semanas na UTI do Hospital Regional do Litoral. A mãe, a tia e o primo de Avelar pegaram a estrada — são duas horas de carro para chegar até Paranaguá —, mas no hospital foram impedidos de reconhecer o corpo de Jesus.

"O médico explicou tudo o que aconteceu com ela, mas foi bem enfático de que não poderíamos ver o corpo de maneira alguma", confirma o engenheiro Vinicius Roberto de Proença Santos, 26, o neto que acompanhou os procedimentos no hospital.

A medida adotada no Hospital Regional do Litoral vai de encontro às recomendações da Secretaria de Saúde do Paraná, que permite que um familiar reconheça o corpo em dois momentos: no hospital, na acomodação do corpo na embalagem impermeável e, em um segundo momento, na funerária. Deve-se usar máscara e manter distância do corpo o tempo inteiro. Segundo o documento disponibilizado no site oficial da secretaria, o procedimento só não é feito quando o familiar pertence ao grupo de risco.

Além da impossibilidade de reconhecer o corpo, não foi possível pedir seu traslado para o Cemitério Vertical de Curitiba, onde a família dispõe de um jazigo, por conta de uma medida que proibia o enterro de pessoas que morreram de covid-19 na capital paranaense. O decreto foi assinado no dia 9 de abril de 2020 pelo prefeito Rafael Greca. Hoje, o traslado é permitido entre estados e municípios, não podendo passar 24 horas da ocorrência de óbito.

O processo perdurou madrugada adentro na funerária indicada pelo plano funerário pago pelos avós. Como não tinham passado por nenhuma experiência parecida, conta Santos, a família foi embora de Paranaguá por recomendação da própria empresa que cuidou do enterro.

Mesmo sendo direito da família acompanhar o enterro durante 20 minutos, a família não entrou no Cemitério Municipal Nossa Senhora do Carmo e também não recebeu nenhum tipo de informação sobre a gaveta em que o corpo de Jesus foi colocado. "Nós fizemos a nossa parte, quem deve informar a gaveta onde está a senhora Jesus é a própria administração do Cemitério Municipal", afirma Sandra do Dorinho, dona da Funerária Nossa Senhora do Rocio Dorinho, que cuidou do enterro.

Perda dupla

No dia 20 de agosto, dez dias após a morte da esposa, João Soares de Proença morreu de covid-19 em Curitiba, aos 82 anos. Ao contrário do que aconteceu com a esposa, João foi reconhecido no hospital, a família teve direito a um enterro curto com um número limitado de pessoas e seu copo foi enterrado no jazigo indicado pelo plano funerário.

"O que me pega muito é que a minha avó não soube que ele foi internado, e quando ele estava internado ele não soube que ela havia falecido", relata Avelar. "Na certidão de óbito, constou como viúvo. Ele morreu viúvo sem saber."

No jazigo já pago no Cemitério Vertical da capital paranaense, ainda existe um espaço vazio para que Jesus, sua esposa, possa ocupar. O prazo para a exumação do corpo, segundo a prefeitura de Paranaguá, é de dois anos.

Dúvida que não vai embora

A burocracia persiste de forma kafkiana: sete meses se passaram e ninguém da família sabe ao certo a quem recorrer para descobrir a localização de Jesus. O TAB entrou em contato com o Hospital Regional do Litoral, a prefeitura de Paranaguá, a secretaria municipal do Meio Ambiente (responsável pela parte funerária no município) e a administração do cemitério. Nenhuma instituição conseguiu informar a localização da gaveta onde Jesus está enterrada.

"Parece que minha avó foi enterrada como uma indigente", lamenta Santos, que ainda disse que a demora no envio da Certidão de Óbito correta gerou problemas para as filhas de Jesus — que tinham de entregar o documento para o Exército, a fim de cessar a pensão que a mãe recebia em vida. "O Exército chegou a ameaçar que ia indiciar as duas por falsidade, então elas tiveram que entregar a certidão errada para não dar mais confusão."

Dorinho, dona da funerária, disse que a demora do envio do documento e os eventos de 2020, no começo da pandemia, ainda eram novidade para ela e para a cidade. "A demora do envio da certidão se deve ao cartório, que também digitou as informações erradas", justifica-se.

Após o contato do TAB, Dorinho se ofereceu a ir pessoalmente ao cemitério para descobrir a localização de Jesus. Após muita insistência, o TAB conversou com a administração do cemitério por e-mail (os telefones estão quebrados, sem previsão de conserto) — que aconselhou a família a solicitar um requerimento de localização à prefeitura. A assessoria da Prefeitura, no entanto, disse que a responsabilidade de identificação é da alçada do cemitério.

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Em homenagem aos avós, Avelar fez duas tatuagens. O pião de madeira é para seu avô, João, que trabalhava como carpinteiro. Já as orquídeas, representam a avó, Jesus
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Homenagem marcada na pele

Pelo fato de a morte da avó ter ocorrido no começo da pandemia, quando ainda não havia tanta informação sobre o vírus, Avelar acredita que o descaso é consequência do despreparo do município em lidar com a crise gerada pela covid-19. "Foi um caos o que aconteceu com minha avó", lamenta.

Enquanto a localização não chega, Avelar homenageou os avós na própria pele. No antebraço, tatuou um pião, objeto que remete ao avô, que era carpinteiro. Já a avó ganhou orquídeas, flores que adorava cultivar quando estava viva.

Avelar já tem planos para o que fazer assim que estiver imunizado. Vai ao cemitério de Paranaguá deixar flores no jazigo onde está sua avó. "Sabemos que ela está no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, mas isso não é o suficiente. É algo muito vago. Quero um espaço físico onde eu possa homenageá-la."