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Silêncio, área vip e aglomeração marcam passagem da tocha olímpica no Japão

A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão) - Rodrigo Sicuro/UOL
A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão)
Imagem: Rodrigo Sicuro/UOL

Juliana Sayuri

Colaboração para o TAB, de Toyohashi (Japão)

10/04/2021 04h00

Os entusiastas de silent parties (as baladas sem som onde todos vibram e dançam cada um no seu quadrado) se surpreenderiam com a passagem da tocha dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Em plena primavera pandêmica, com 2,87 milhões de mortos por covid-19 mundo afora (4 mil deles nas últimas 24 horas no Brasil), a tocha passou pela cidade portuária de Toyohashi, na província de Aichi, na terça-feira (6). Foi uma festa silenciosa: todos vestindo máscaras, manifestações limitadas a singelos aplausos num trajeto de cerca de 2,5 quilômetros percorrido em quase 40 minutos. Silenciosos.

O relógio marcava 8 horas da manhã, 11°C e tempo nublado quando as pessoas começaram a se aglomerar diante do centro infantil Kodomo Miraikan Kokoniko, ponto de partida para o revezamento da tocha no centro da cidade. De máscara, cerca de 50 pessoas estavam à espera do pontapé inicial do revezamento -- entre eles, muitos superidosos (os que já passaram dos 80), que pareciam à vontade vestindo tênis New Balance das antigas ou sandálias Crocs, munidos de cybershots e câmeras analógicas.

Às 8h10, porém, quando um furgão oficial da Tóquio-2020 embicou e parou no Kokoniko, a pequena patota se multiplicou rapidamente na quadra: 100, 150, 200 pessoas, era possível arriscar a olho nu.

Confusão organizada

Além dos superidosos, aglutinaram-se adolescentes, casais de namorados, famílias inteiras, fotógrafos. Entre os transeuntes, que buscavam um lugar ao sol perto do cordão de isolamento organizado com cones de trânsito laranja para mirar seus smartphones, jovens a bordo de bicicletas e madames levando cachorros em carrinhos de bebê.

A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão) - Rodrigo Sicuro/UOL - Rodrigo Sicuro/UOL
A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão)
Imagem: Rodrigo Sicuro/UOL

Uma aglomeração sui generis: apesar de não ter distanciamento de 2 metros minimamente possível, todos ficaram em silêncio ou conversando baixinho apenas com o amigo ao lado. Oficiais uniformizados do governo mostravam cartazes indicando a obrigatoriedade do uso de máscara para estar ali; outros, vestindo terno, andavam pela quadra, ida e volta, lembrando, no alto-falante, das diretrizes para conter o coronavírus. Não foi preciso lembrar aos presentes, mas acrescento aqui que nas ruas do centro não é permitido fumar. Notei uns três espirros e uns poucos narizes para fora da máscara, o que talvez não seja tão alarmante para uma cidade que desde o início da pandemia, no ano passado, registrou cerca de mil casos e 30 mortes.

Às 9h07 chegaram os ônibus oficiais que fariam a escolta da tocha. No minuto seguinte, passaram caminhões da Coca-Cola, um dos maiores patrocinadores da Olimpíada, embalados num jingle que lembrou a clássica campanha "o Natal vem vindo, vem vindo o Natal".

Às 9h10, conforme o cronograma, a ex-patinadora artística japonesa Akiko Suzuki começou a correr com a tocha. Sorridente e trotando, vestindo o traje branco da Tóquio-2020, Suzuki levou segundos para sair do Kokoniko, passar pela rua, virar a esquina e deixar o público para trás: ninguém se mexeu.

Na última vez que a tocha olímpica cruzou um país (20 quilômetros Brasil adentro rumo ao Rio), multidões corriam junto à tocha em clima de festa, organizadores gingavam e policiais dançavam, todos vibrando como se tivessem vontade de gritar "gol".

Desta vez, Suzuki passou e, no seu lastro, o público ficou segundos onde estava, batendo palminhas super simples, sem nenhum alarde. Um fim de festa: a maioria se dispersou e voltou ao fluxo da vida cotidiana. As duas garotas que estavam esperando sentadas desde o início entraram no café da esquina, o garoto que parou de bicicleta voltou a pedalar na outra direção, o chef que vestia luvas de sushiman voltou para o sushibar das redondezas, a hostess voltou ao hotel, o operário uniformizado da NTT (a operadora de internet) voltou os olhos ao smartphone, o senhor que reclamou o tempo todo por não conseguir enxergar nada bateu uma foto e foi embora. Nenhum pio, no máximo um "legal, né?"

Área vip

Entre 9h10 e 9h47, 14 pessoas, famosos e anônimos, carregaram a tocha no trajeto na cidade — como as pessoas não estavam se movimentando para acompanhar o fluxo, cada ponto do percurso teve pequenas aglomerações. À frente dos carregadores estava sempre o furgão da Tóquio-2020, onde se posicionaram um fotógrafo e cameraman — vista privilegiada necessária, pois o evento, como todas as outras paradas da flama ao longo do arquipélago, foi filmado para a organização olímpica e para transmissão via YouTube, já que autoridades divulgaram o trajeto mas pediram para o público não sair de casa e assistir pelo link da NHK.

O cordão de isolamento criou um tipo de área vip: dentro dela, ficaram blindadas as personalidades que carregariam a tocha, integrantes da organização olímpica e policiais (de gravata, cassetetes e armas de fogo visíveis, o que não é exatamente habitual na cidade de quase 400 mil habitantes); fora do cordão ficaram todos os outros.

Atrás dos carregadores estava uma escolta com dois carros adesivados da Tóquio-2020 e dois ônibus. Ao lado, o cordão policial. Ao alto, um helicóptero. Quem carrega a tocha não é obrigado a usar máscaras.

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A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão)
Imagem: Rodrigo Sicuro/UOL

A cada troca do revezamento, como sempre, um carregador passou apenas a chama acesa a outro, e não os exemplares especialmente projetados no formato da flor de cerejeira. A flama, portanto, passou pelas alamedas largas perto da estação de trem, virou à esquerda na ponte Rainbow e seguiu até o estádio de atletismo, que fica num belo parque arborizado que agrega campo de beisebol, museu de arte e a prefeitura de Toyohashi.

Às 9h44, a chama chegou à pista de atletismo. A atriz japonesa Rena Matsui, uma estrela do J-pop nacional nascida na cidade, levou o estandarte pelos últimos 3 minutos e 21 segundos. Enquanto Matsui trotava na pista azul e uma banda marcial tocava à sua espera, as pessoas assistiam da grade.

De repente, acabou. Duas brasileiras conseguiram chegar no parque no finzinho do evento, a tempo apenas de verem as tochas serem guardadas e o Toyocky, o mascote da cidade (e não da Tóquio-2020), dar um tchau para a plateia. "Povo animado, né? Esperava mais, mas por causa do corona não teve tanta gente", disse uma delas, que reside há 20 anos no Japão.

Sob o lema "esperança ilumina nosso caminho", a tocha olímpica partiu de Fukushima no dia 25 de março e cruzará as 47 províncias japonesas até chegar a Tóquio, que receberá os Jogos Olímpicos a partir de 23 de julho. Depois dessa passagem por Aichi, passará pelas províncias de Mie, Wakayma e Nara e, no dia 13 de abril, iluminará Osaka.

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A passagem da tocha olímpica por Toyohashi (Japão)
Imagem: Rodrigo Sicuro/UOL

Autoridades de Osaka, entretanto, pediram para a tocha desviar da rota e não passar por lá. O revezamento será realizado em parques, sem público.

Ponto turístico com 2,6 milhões de habitantes (muito maior que a diminuta Toyohashi), Osaka deve ser a primeira parada a realmente pôr à prova a habilidade dos organizadores olímpicos para realizar o ritual do revezamento diante das restrições para conter a pandemia. Antes uma festa silenciosa (e sem sal), do que um festival de efeitos colaterais com explosão de casos de covid-19.