Na porta do Consulado da China, ala católica reza por reabertura de igrejas
![Membros do Centro Dom Bosco rezam em frente ao Consulado da China no Brasil, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro - Reprodução/ YouTube](https://conteudo.imguol.com.br/c/tab/c1/2021/04/05/membros-do-centro-dom-bosco-rezam-em-frente-ao-consulado-da-china-no-brasil-no-bairro-de-botafogo-no-rio-de-janeiro-1617640320059_v2_900x506.jpg)
"Salve Maria santíssima!", "Viva nosso pai São Dom Bosco!", "Viva São Francisco Xavier!". As frases de saudação eram respondidas em coro, com efusivos "Salve!" e "Viva!", por um grupo de pessoas reunidas do outro lado da rua onde fica a sede do Consulado da China no Brasil, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
Na noite daquela terça-feira, 30 de março, eles colocaram uma imagem grande de Nossa Senhora de Fátima na calçada e ficaram em torno dela. Um homem, ao lado da estátua, segurava uma cruz com um Cristo afixado. E assim, ali, rezaram o rosário por mais de uma hora, pedindo aos santos que convertessem os chineses ao catolicismo e livrassem os brasileiros da "besta comunista" que, segundo eles, assola o mundo, sobretudo o Brasil.
A reza, transmitida ao vivo no YouTube e acompanhada por mais de 500 pessoas, faz parte de um movimento organizado por católicos conservadores contrários ao fechamento temporário de igrejas no Brasil -- devido às medidas de contenção da pandemia -- e propagadores de um discurso ideológico anti-China.
"Há alguns anos, a China assumiu o protagonismo na propagação dos erros da Rússia pelo mundo. Com a crise ocasionada pela covid, o papel da China como propagadora desse mal se tornou ainda mais evidente", dizia Pedro Affonseca, antes de começar a oração. "Por outro lado, fica cada vez mais claro que o papel de guardar a fé católica no mundo caberá ao Brasil."
Na transmissão daquela noite, alguns homens apareciam diante da câmera, todos sem máscara, incluindo Affonseca, que vestia terno e gravata. Uma chuva forte desabou sobre três deles nos dez primeiros minutos do rosário e os deixou ensopados. Dos outros participantes só ouvíamos as vozes.
Rogai por nós
Pedro Luiz Oliveira de Affonseca, 34, é presidente do Centro Dom Bosco, associação de católicos leigos que já judicializou diversas ações em defesa de valores conservadores. Em 2020, por exemplo, eles foram autores do pedido que levou a Justiça do Rio de Janeiro a censurar o especial de Natal do programa "Porta dos Fundos" -- e também conseguiram na Justiça de São Paulo proibir a ONG Católicas pelo Direito de Decidir de usar "católicas" no nome.
Foi Affonseca que conduziu a reza em frente ao Consulado da China. "Pelo povo brasileiro e pelo povo chinês, dois povos muito sofridos", disse. "O povo chinês talvez ainda mais, porque, sob uma aparência de progresso econômico, vive na maior das misérias que é a espiritual, porque não pode professar livremente a fé católica."
Na China há aproximadamente 12 milhões de católicos, mas a maioria pertence à Associação Patriótica, uma Igreja Católica criada há mais de 60 anos e controlada pelo governo chinês.
Com o início da pandemia do coronavírus no ano passado, o Centro Dom Bosco passou a encabeçar discussões contra as medidas de estados e cidades do país que decidiram fechar igrejas e limitar cultos religiosos a fim de evitar aglomerações. Uma série de vídeos e lives vem sendo publicada nos perfis da associação nas redes sociais, criticando dioceses que cumprem essas normas, e, mais recentemente, endossando revelia à Campanha da Fraternidade de 2021, cujo texto assinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repreende a "negação da ciência" e a "cultura de violência" contra mulheres, negros, indígenas e a população LGBTQI+.
Essas "ameaças sempre presentes", segundo o presidente do Dom Bosco, estão diretamente ligadas a uma possível ditadura que o Partido Comunista Chinês tenta difundir pelo mundo. "Nada mais natural que essa potência [econômica] tente difundir os seus erros pelo mundo e subjugar as demais nações, através de todas as frentes e expedientes possíveis e imagináveis", acredita.
Que recorremos a vós
A pandemia, como fez com o mundo inteiro, atingiu em cheio a Igreja Católica. E os números provam. Somente no Brasil, de acordo com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), até o início de março mais de 1400 padres brasileiros foram infectados com o vírus, e 65 deles morreram.
Apesar do contragosto de grupos como o Centro Dom Bosco, recrudescer as regras de funcionamento das igrejas católicas, desde o início da pandemia, no ano passado, é uma decisão que vem de longe e de cima. De Roma.
Mais recentemente, em fevereiro, o Vaticano publicou uma nota para orientar bispos sobre as formas de celebração dos ritos do período pascal, frisando a necessidade de seguir regras sanitárias. A pandemia "trouxe muitas mudanças também na forma usual de celebrar a liturgia", escreveram o cardeal Robert Sarah e o arcebispo Arthur Roche, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
Além de estimular as celebrações de missas virtuais, o Vaticano também abriu mão de rituais como o lava-pés, que ocorria tradicionalmente na quinta-feira da Semana Santa. A Igreja sabe que essas decisões "nem sempre foram facilmente aceitas por parte dos pastores e fiéis leigos", segundo a própria nota --- como é o caso dos integrantes do Centro Dom Bosco. No entanto, deixou bem claro que a preocupação maior é o "respeito pelo bem comum e a saúde pública".
Para Pedro Affonseca, no entanto, passar a Semana Santa com igreja fechada "é uma verdadeira aberração, uma ofensa gravíssima a Deus e a negação de um direito natural dos fiéis". Como mercados e farmácias, o templo religioso é essencial, defende ele, porque nele é feito "o culto verdadeiro ao Deus Verdadeiro". "Não há como fazer isso de maneira exclusivamente virtual."
A cruzada
Acostumados a se resguardar de atividades na Semana Santa, principalmente a partir da quinta-feira, neste ano os integrantes do Centro Dom Bosco decidiram desfiar um rosário na porta do consulado chinês porque a causa era grande.
Naquela noite, foram 150 ave-marias e 15 pai-nossos, intercalados por listas de súplicas. Eles pediram a Deus que olhasse pelos representantes da Igreja no mundo, pelos católicos na China e também pelos brasileiros. Incluíram na conta as pessoas em situação de rua, pessoas que passam fome, os presidiários, os desempregados e os doentes. "Para que possam unir esse sofrimento à cruz de nosso senhor Jesus Cristo, e que esse sofrimento seja instrumento de sua conversão", pedia o líder, enquanto rezava.
Pediram ainda por todos "que estão nos erros do protestantismo, do anglicanismo, da igreja ortodoxa e em todo tipo de seita". Rogaram pelos governantes, pelos juristas e pelo poder Judiciário - "em especial, os 11 ministros do STF, pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes e pela a conversão de todos à fé católica", frisou Affonseca.
"Ao invés de ser um instrumento nas mãos de Deus, para que a virtude cardeal da justiça reine no Brasil, o STF acaba por ser um instrumento nas mãos de Satanás, para a difusão dos maiores males em nossa nação", explicou, depois, em entrevista. "Por conta disso, nós devemos rezar e fazer penitência em ordem à conversão dos Ministros da Suprema Corte à Fé Católica, além de denunciar e combater publicamente os seus gravíssimos erros."
Com a rua já bem mais vazia e a chuva cessada, o grupo encerrou o rosário. Affonseca aproveitou o restinho de tempo para falar com quem assistia à live sobre o Centro Dom Bosco, os cursos oferecidos pela associação e para incentivar outras pessoas a iniciarem o que ele chama de cruzada de fé contra a ditadura comunista. Basta que rezem o rosário, não importa o tamanho do grupo que formem, explicou.
"Assim, a partir do Brasil, esse bastião católico do mundo, a China também seja católica", disse. "Amém", respondeu uma mulher.
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