'O que é cafona hoje?': Restaurante suspenso no Rio serve a 50m de altura

"Aqui só sobe se estiver animado!", soltou o locutor ao microfone, recebendo como resposta gritinhos eufóricos das 24 pessoas ao redor da mesa. "Vocês estão super-agitados, hein? E olha que nem beberam ainda!", brincou.
Presos com cinto de segurança em poltronas giratórias, os comensais sacam os iPhones enquanto a estrutura de quase 71 m² se prepara para ser erguida por um guindaste, ao som de trap, sertanejo e funk. Pagaram R$ 316 por cabeça para ficarem pendurados a 50 metros de altura, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Em seguida, o locutor decretou, como num programa de auditório: "Atenção, guindaste. Pode subir!"
Com garçons dançarinos, coreografias, chamados constantes à plateia e "um chef que consegue cozinhar, dançar e cantar ao mesmo tempo", a animação é sagrada para o "MasterChef Brasil nas Nuvens". De janeiro a abril, o guindaste do empreendimento da marca do reality show sobe seis vezes ao dia.
O valor do ingresso chega a R$ 622 no jantar. Os pratos são preparados em solo e servidos por uma equipe com trânsito livre no centro vazado da mesa, mesmo time que embala os participantes com dancinhas de "Coração cachorro" e outros hits de TikTok.
Como num parque de diversões, a mesa é erguida com expectativa e frases de motivação ao microfone, o que fez alguns participantes mal prestarem atenção no que já havia sido servido. Uma vez atingida a altura máxima, a estrutura gira para dar vista panorâmica à plateia.
A empolgação já começa no chão, no lounge amadeirado que serve de esquenta para o show da mesa suspensa e abriga diversos quiosques, de bebidas a sorvetes. No domingo de Carnaval, as caixas de som tocavam marchinhas e uma banda preparava-se para empolgar a manhã. Só nesse período, são três as refeições suspensas servidas (café da manhã, brunch e almoço), além de coquetel, "sunset" e jantar no restante do dia. Chegada a "hora do embarque", os participantes são conduzidos por um fotógrafo profissional até a mesa e, antes e depois de se sentarem, têm seus retratos feitos por uma equipe que vende os registros à parte, ao fim do programa.
Preparados para o clique
Mulheres maquiadas, usando joias, homens de camisa polo, jovens em roupas leves por causa do calor: o público é formado por casais "a fim de aventura" e amigos que curtem uma "experiência fora do comum", como definiu Matheus Ramalho, 31, e Yuri Mello, 26.
Os dois amigos tinham vindo comemorar uma conquista e se diziam empolgados com a possibilidade de comer a 50 metros de altura pela singularidade da atividade. "Não é só uma refeição na Lagoa, mas uma experiência muito única, que coloca a gente para fazer o que não fazemos todo dia", justificou Mello. "É uma aventura", completou Ramalho, que elencou a vista como outro grande atrativo.
Para os curiosos em solo, a motivação pode soar confusa ou digna de chacota - com preços altos e impedindo o trânsito comum de pedestres na Lagoa, o restaurante suspenso tornou-se alvo de críticas. A jornalista e escritora Cora Rónai, há anos moradora da Lagoa, surpreendeu-se ao dar de cara com a estrutura despontando no rumo de sua sacada.
Ela afirmou que não houve consulta aos moradores e que o evento impede o acesso a um importante espaço de lazer da Lagoa — que é tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 2000 —, sem prestar esclarecimentos sobre possíveis contrapartidas. A mesma reclamação foi feita pelo ramo carioca do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), que ainda alega que o guindaste exerce pressão sobre uma área aterrada diversas vezes, por isso, frágil.
Em nota, a Secretaria de Ordem Pública e a Secretaria de Governo e Integridade Pública afirmaram que foi concedido o alvará de autorização transitória para o empreendimento. Mesmo impedindo a passagem regular de pedestres e ciclistas, o local escolhido foi aprovado pelo Iphan em consulta prévia. Ainda de acordo com os órgãos, houve pagamento de taxa de uso de área pública, de acordo com o decreto municipal n. 49.462/2021, que define a utilização de áreas públicas para eventos privados. Um certificado do Corpo de Bombeiros atestando a segurança do local também foi emitido, informaram as secretarias.
'Soco no olho'
Além do transtorno público, Rónai mirou a ideia de se comer pendurado: "não entendo como podem achar que fazer uma refeição amarrado numa cadeira, sem poder sair do lugar, é uma 'experiência inusitada', quando na verdade é apenas ridículo". Ela lembrou que, sem saber do que se tratava, foi convidada para um almoço-surpresa do tipo no passado e só soube que seria içada momentos antes de se sentar, quando já não podia recusar. De cara com a mesa flutuante todos os dias, ela define o vislumbre involuntário como "soco no olho".
Ao ouvir as críticas, Mello rebateu, cobrando que é preciso provar antes de criticar. "A internet é terra de ninguém e quem diz ser cafona tem que vir aqui e experimentar antes." Concordando, Ramalho preferiu uma abordagem mais inquisidora: "o que é cafona hoje em dia, afinal?" Ele, no entanto, está de acordo com a reclamação sobre obstruir a passagem.
São comuns casais comemorando datas que consideram importantes. Do outro lado da mesa, uma dupla comemorava 23 anos de casamento, fato que rendeu homenagens ao microfone e palmas dos outros participantes. Com pose de durão, o marido no entanto não escondia o desconforto, uma vez içado, enviando áudios ao celular: "Fulano, tô aqui em cima comendo e com um medo doido..." Enquanto comiam, foram surpreendidos por um drone que levanta voo aos poucos e atingia o nível exato das cadeiras. Uma a uma, as pessoas foram convidadas a girarem seus assentos em direção ao equipamento e fazer poses para fotos e vídeos. Ao longo da refeição, o clima misturou uma dose de parque de diversões e ponto turístico com o tratamento agitado oferecido em cruzeiros.
O cardápio, que é sempre surpresa, incluiu uma tábua de queijos individual acompanhada de pão, croissant, presunto de parma, salada de frutas e pão de queijo. Há opções de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, mas os participantes preferiram champagne, brindando e fazendo fotos enquanto eram suspensos. Na altura máxima, o chef preparou torradas com salmão cru e creme azedo, finalizando a refeição com um bolinho de chocolate, geléia e pain perdu, a rabanada à francesa. Em 40 minutos, a mesa já tinha subido e descido.
Bastou pisar em solo para que as fotos e vídeos profissionais fossem oferecidos. Em diversos tablets, funcionários mostravam o resultado dos cliques e quem quisesse comprar algum teria que desembolsar R$ 30 por imagem ou, no caso de ter amado intensamente a experiência, até R$ 1.249 pelo pack completo e editado.
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