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'Aqui tá normal': sem cancelamentos, bares do Russo seguem em paz no Rio

Bar do Russo de Marcelo Geronimo, no Centro do Rio - Zô Guimaraes/UOL
Bar do Russo de Marcelo Geronimo, no Centro do Rio
Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Elisa Soupin

Colaboração para o TAB, do Rio

13/03/2022 04h00

Um assunto sério cujos desdobramentos vêm flertando com o ridículo: em retaliação aos ataques de Putin à Ucrânia, houve quem decidisse que retirar esfrogonofe e moscow mule do cardápio era medida coerente e, na onda de "crime e castigo", sobrou até para Dostoiévski. A vodca também virou bebida non grata.

Os boicotes desenfreados merecidamente viraram piada, e um gaiato comentou no Twitter sobre a imensa quantidade de bares que correm o risco de cancelamento no Rio.

E, na quinta-feira (10), em uma tarde de calor e sol típicos de cartão postal carioca, o TAB seguiu uma peregrinação de Bar do Russo em Bar do Russo para saber como andam os movimentos dos botecos em meio à onda de boicote à Rússia.

Para deixar claro, não se tratam de franquias: o Rio de Janeiro realmente coleciona estabelecimentos batizados como "Bar do Russo".

'Tá tendo isso, é?'

A primeira parada é em um Bar do Russo no Centro do Rio de Janeiro. O Russo que dá nome ao bar, no caso, é paraibano. Se chama Marcelo Jerônimo, tem 42 anos de idade e 8 anos de bar. A pele cheia de sardas e o cabelo claro lhe renderam a alcunha.

"Apelido é assim, a gente não escolhe, né. O cliente ia chamando de russo, e aí pegou", conta ele, que tem um ar misterioso, meio de espião russo de filme americano. Fala pouco, baixo, e olha desconfiado para a reportagem enquanto anda no bar, que também é um movimentado restaurante self-service pela hora do almoço. No cardápio, não há estrogonofe — nada a ver com guerra ou boicote, só não tem mesmo.

Bar do Russo de Marcelo Geronimo, no Centro do Rio - Zô Guimaraes/UOL - Zô Guimaraes/UOL
Bar do Russo de Marcelo Geronimo, no Centro do Rio
Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Marcelo está sabendo da guerra, mas só assim, bem por alto. Sobre os frequentadores do bar, não se sabe o nível de conhecimento do cenário político internacional, mas, caso acompanhem o conflito, separam bem Putin do Russo do bar.

"Tá tendo isso, é?", pergunta sobre os cancelamentos. "Aqui, não teve nada disso não, o movimento continua normal. Normal não, né, normal da pandemia. Porque antes, como tem a Embratel aqui perto, o movimento era muito maior. Como muita gente ainda está trabalhando de casa, caiu muito", lamenta.

O Russo do frango assado

O primeiro Bar do Russo está a salvo. A reportagem, parte, então para o Méier, na Zona Norte, onde um segundo Bar do Russo anuncia ter, garantidamente, "o melhor frango assado do bairro".

Lá, o Russo em questão se trata do cearense Francisco Antônio, 45, que não é loiro, mas garante que já foi. "Olha, eu cheguei aqui no Rio 1994 e era loirinho, aí chamavam de russo. Depois, o cabelo foi escurecendo", conta ele. Desde 2012 mantém seu bar, que vende frango assado, grande e pequeno, e costela. Também tem yakisoba no cardápio.

A guerra trouxe impacto para os negócios? "Nenhum", resume.

"Eu estou sabendo da guerra sim, mas como eu trabalho muito, não tô acompanhando muito não, não tenho nem que te falar. Mas nenhum consumidor falou nada de guerra, nem fez crítica nem nada", garante.

Sobre os tais cancelamentos, soube de um caso: "Olha, eu ouvi falar da vodka que é a mais consumida no Brasil e que os jovens pararam de comprar, mas não sei se é verdade", diz ele, que veste uma camisa escrita USA. Mera coincidência, zero orientação política.

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Bar do Russo de Francisco Antonio, o russo do frango em Sampaio
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Sua história com um russo original, aliás, é curiosa. "Tinha um russo de verdade que sempre passava aqui e ficava olhando, encarando. Um dia perguntei e ele, que veio pro Brasil casar com uma brasileira, falou que o nome do bar chamou a atenção, porque ele achou que tinha achado um conterrâneo", conta Francisco.

Conterrâneos não são, mas amigos se tornaram. É que o casamento do russo com a brasileira não deu certo e ele acabou alugando o apartamento do Russo cearense. Foi o mais perto da Rússia a que Francisco já chegou.

"Ele era muito gente boa, agora está em São Paulo. Mas, olha, não me preocupo com essa coisa da guerra impactar no bar não, nada a ver", diz ele. Mais um Bar do Russo em paz.

O 'russinho'

A terceira parada de TAB é no Depósito do Russo, em Piedade, outro bairro da Zona Norte. Lá, a reportagem encontra André Carlos, 34, filho do Russo cujo apelido dá nome ao bar. Pai e filho são cariocas. André trabalha ali há 17 anos, e o depósito existe no local há mais de 60. Ele garante que o conflito na Rússia, do qual ele não sabe muito, não fez nem cosquinha nos negócios.

"Tô por fora, vou ser bem sincero, só tô sabendo que tá tendo a guerra, mas ninguém falou nada da gente. Aliás, até teve uns dois que outro dia sentaram ali e estavam debatendo sobre a guerra, mas só entre eles. Ninguém reclamou nem comentou, até porque, né, é ridículo, não tem nada a ver", conta ele, que tem uma mecha loira no cabelo, que na verdade, é um sinal de nascença, herança genética "russa" do pai.

Por lá, a venda de vodka segue como sempre foi, estável, mas longe de ser o carro-chefe. "A coisa que mais vende é cerveja, depois cigarro. Cachaça também vende mais do que vodka", conta ele, que segue seguro e incancelável em meio aos boicotes.

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Bar do Russo de Andre Carlos, o Russinho
Imagem: Zô Guimaraes/UOL

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Bar do Russo de Andre Carlos, o Russinho
Imagem: Zô Guimaraes/UOL

'Estrogonofe é russo?'

A última parada de TAB é em um Bar do Russo em Botafogo, na Zona Sul. Lá, naquele fim de tarde quente, em caixas de som tocam músicas de bandas como REM, Guns'n'Roses e 4 Non Blondes em volume bem alto. Só clássicos. É que o Russo dono do estabelecimento, o cearense Ricardo Alves, 60, adora rock e conta que já foi DJ.

O apelido veio pela aparência, pele clara, sardas, cabelos aloirados. "Todo branco vira russo, né?", diverte-se.

Sobre a guerra, os cancelamentos e todo o debate, sua fala é breve. "Eu chego às 7h e saio às 0h, só sei da guerra o que ouvi comentarem. Esse negócio de cancelar, é a primeira vez que estou ouvindo isso. Estrogonofe é russo? Não sabia não", diz ele.

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Bar do Russo de Ricardo Alves, em Botafogo
Imagem: Zô Guimaraes/UOL

Os negócios seguem normais. "Não fez diferença alguma, nosso medo é só de que as coisas aumentem, que fique tudo mais caro ainda. Nesse bar, já ganhei dinheiro, já perdi dinheiro, e agora, com a pandemia, tô perdendo. Mas eu fico por amor ao bar, pelas pessoas e pela cachaça", resume.

"Ele não consegue trabalhar sem beber", diz uma cliente com cara de cativa. O próprio confirma: "Tem dias que saio doidão mesmo, mas esse negócio de deixar de vir no bar porque chama bar do Russo não to vendo não". Tudo em harmonia nos botecos russos cariocas.