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Em ato em SP, Darth Vader faz sucesso: 'Não faço arminha, não sou tonto'

O artista espanhol Carlos Lopez Perez posa para a foto vestido de Darth Vader, durante manifestação pró-Bolsonaro na avenida Paulista - Tiago Dias/UOL
O artista espanhol Carlos Lopez Perez posa para a foto vestido de Darth Vader, durante manifestação pró-Bolsonaro na avenida Paulista
Imagem: Tiago Dias/UOL

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

02/05/2022 04h01

Policiais militares marcaram presença na avenida Paulista no Dia do Trabalhador. Estavam enfileirados a cada saída da extensa via, que recebeu cinco trios e uma boa aglomeração pró-Bolsonaro. Diferentemente de manifestações antes de 2020, os agentes desta vez foram abordados apenas para dar informações. É como se a farda escura tivesse sido preterida na hora dos flashes e selfies do público, que antes faziam fila para honrar os heróis das forças de segurança.

Com top e calça costurada com pequenas bandeiras do Brasil, Sandra Moretti, 53, era parada em cada esquina para ser fotografada. Ela resumiu o clima da vez: "É nosso Carnaval". Isso caso você não cruzasse com alguém famoso daquele universo. "Sabe aquela médica japonesa? Tirei foto com ela", comentava um homem com a camisa da seleção brasileira para um amigo que havia acabado de encontrar. Referia-se à Nise Yamaguchi, oncologista que aconselha Jair Bolsonaro e um dos personagens centrais durante a pandemia, defensora da cloroquina no tratamento contra a covid-19.

Os muitos varais, onde foram penduradas bandeiras do Brasil e outras com o rosto de Jair Bolsonaro, além de camisetas amarelas em que dois revólveres apareciam como um emblema, foram o cenário mais procurado, notou o vendedor Marcos Rodrigues, 36. "Mas as vendas mesmo estão ruins", reclamava à reportagem. Há anos ele trabalha vendendo bandeiras, conforme a ocasião pede. Conta que cogitou ir ao ato das centrais de sindicais que teria a presença de Lula, evento que acontecia simultaneamente na Praça Charles Miller, mas preferiu a Paulista, na altura da Praça do Ciclista. "A gente precisa escolher, às vezes a gente vai na do Lula e está ruim também."

A poucos metros dali, o som de percussão era forte. Eram membros da Aliança Jovem Conservador que cantavam palavras de ordem e sacudiam as maiores bandeiras do protesto. Na quase total ausência do pixuleco de Lula e de infláveis de larga escala, o amarelo da bandeira de dois metros era avistada ao longe e virou point para fotos. Uma jovem grávida fez questão de transformar a bandeira em fundo para os cliques nas redes sociais. Agachado, o marido beijava o barrigão marcado por duas mãos nas cores verde e amarelo.

Em um dos trios, enquanto os discursos eram feitos em tom grave, em defesa de Daniel Silveira e atacando o Supremo Tribunal Federal, um homem com uma cabeça de boneco sorridente acenava. Era, segundo os organizadores, o Bolsoneco. Ao seu lado, um homem com chapéu de Gandalf, personagem de "O Senhor dos Anéis", também ganhava a atenção das câmeras. Personagens assim, como o "Zé da Havan" e Batman, davam o tom de fantasia e multiverso na manifestação.

Ex-pastor José Carlos tirou o ar de fantasia com imagens polêmicas sobre aborto - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Ex-pastor José Carlos tirou o ar de fantasia com imagens polêmicas sobre aborto
Imagem: Tiago Dias/UOL

Imagens fortes

Coube ao ex-pastor José Carlos, 60, subtrair o clima carnavalesco da avenida. Ele chamava atenção ao levar pendurado no próprio corpo dois cartazes alarmistas sobre comunismo. Na mão, segurava um anteparo de canos emendados, onde afixou um cartaz plastificado de 1 metro de altura. No totem, não havia fantasia nem meias palavras: o banner estendido de comprido reunia imagens bastante gráficas de supostos fetos abortados.

Ele reconhece que as fotos podem causar ojeriza, como já aconteceu naquela mesma avenida Paulista em 2021. "Me pediram para sair da frente do trio", contou. "Mas esse ano pediram para eu subir. Eu fui." Durante a breve conversa com a reportagem, as placas foram fotografadas dezenas de vezes pelos manifestantes.

José Carlos conta que foi "convidado a sair da igreja" em 2010, quando passou a exibir nas vias públicas de Jequié (BA) as imagens grotescas que procura na internet e imprime. Com o passar do tempo, incluiu nos cartazes ilustrações que retratam Jesus em poses eróticas. Segundo ele, "obras cristofóbicas". "A gente precisa lutar contra a ideologia de gênero", defende.

Ele afirmou ter ciência do choque que as imagens geram. É uma tática. "É justamente para impactar. Uma imagem vale mais que mil palavras", disse, enquanto era interrompido por duas mulheres: "Podemos tirar uma foto?". Ele permite, orgulhoso. Para ele, aquele é o seu "ministério". "Já rodei o Brasil inteiro, 17 estados, sempre sozinho. Levei 30 horas pra vir aqui hoje e já contabilizei pelo menos 10 vidas salvas, de gente que viu as imagens e fez outra escolha." E repete as palavras que mais circulam em faixas e cartazes a sua volta: "É uma manifestação em defesa da vida, da família e do evangelho de Jesus. Eu preciso ter liberdade religiosa."

Beckembauer da Silva Santos abre as asas e a bandeira do Brasil para expressar sua arte -- "e cidadania", complementa - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Beckembauer da Silva Santos abre as asas e a bandeira do Brasil para expressar sua arte -- "e cidadania", complementa
Imagem: Tiago Dias/UOL

Um arcanjo entre nós

Enquanto o trio mais próximo tocava uma versão de "Baile de Favela", do MC João, com o verso alterado "As mina de direita são as top mais bela / Enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela", o artista Beckembauer da Silva Santos, 44, abria as asas e a bandeira do Brasil.

Há anos ele é performer de estátua viva em muitas regiões de São Paulo. Neste domingo, escolheu um personagem para agradar: o arcanjo Rafael. "Simboliza a liberdade e a paz", explicou. Além da roupa branca e as asas grandes grudadas nas costas, ele ostentava a bandeira para exercer sua arte — "e cidadania", complementa.

"Olha só, eu sou brasileiro, eu li a Constituição, eu vejo que tem coisa errada. Ser artista é ter opinião própria e nosso presidente da República tem razão", afirmou.

O artista espanhol Carlos Lopez Perez, 61, que atendia a uma fila de bolsonaristas vestido até a cabeça de Darth Vader, jogava em outro time.

"Me falaram que ia ser manifestação do PT, mas cheguei aqui e [vi que] era do Bolsonaro", disse, deixando claro que o vilão intergaláctico estava apolítico naquela festa. "Não voto em nenhum dos dois, não tenho cidadania aqui." O que não o impede de comentar, quase sussurrando, tal qual o personagem de Star Wars, qual seria sua escolha caso votasse no Brasil: "No Lula". "Falaram que o Daniel Silveira vinha, pensei: 'será que ele vai aparecer com tornozeleira?'".

Eram 16h e Darth Vader havia acumulado R$ 200. Muitos faziam a foto, mas não deixavam o trocado. Por sua vez, ele não topou qualquer registro. "Às vezes pedem para fazer arminha com a mão e eu respondo: 'não, porque não sou tonto'", ria. "Eles me xingam e vão embora."

Se já não são mais tão prestigiados para as selfies como antes, os policiais — que foram lembrados no discurso de Lula, no Pacaembu, por um tropeço nas palavras no sábado (30) — pelo menos receberam um caloroso cumprimento, encerrada a manifestação. Um grupo de evangélicos até parou para ler pequenos trechos da Bíblia, parabenizando-os pela segurança da região. Deixaram a avenida com uma despedida: "A paz do Senhor".