Embaixador sentimental: conheça Lim Ki-mo, sul-coreano doido por sertanejo
Sentado à frente de um biombo em que figuram rosas vermelhas e um pavão com a exuberante cauda eriçada, Lim Ki-mo, embaixador da Coreia do Sul no Brasil, explicava a importância da chamada "diplomacia pública" nos dias atuais. Era uma manhã de sexta-feira (29) e Ki-mo recepcionava a reportagem do TAB na embaixada sul-coreana, que fica nas proximidades do Lago Paranoá, em Brasília.
"Uma das funções da diplomacia é reunir as pessoas e encontrar formas de fazerem-nas confraternizar", disse, com a entonação serena, acrescentando em seguida, sem falsa modéstia: "Nesse sentido, o meu vídeo cantando 'Evidências' foi um bom gesto".
O "bom gesto" de Ki-mo proporcionou aos brasileiros um bem-vindo respiro numa semana de turbulências. Tudo se passou em um jantar realizado na segunda-feira (25) na Embaixada da Coreia do Sul, organizado pela Associação de Jornalistas da Área Internacional e Diplomática. Acompanhado por uma banda, Ki-mo entoou clássicos de Chitãozinho & Xororó, Raça Negra, Bruno & Marrone, Leonardo e Reginaldo Rossi. Registros de sua cantoria feitos pelos convidados espalharam-se pela internet, alçando o embaixador à fama repentina.
Sorrindo com frequência, Ki-mo avalia que o chamado "soft power" - o uso da cultura como ferramenta diplomática - pode ser bastante útil para reduzir, ao menos afetivamente, os quase 18 mil quilômetros que separam o Brasil da Coreia do Sul. Processo aliás já em curso, com o imenso sucesso do K-pop e do cinema coreano no Brasil, e da bossa nova, do samba e dos futebolistas brasileiros na península do extremo oriente.
"Graças à internet, podemos acompanhar, por meio do esporte e das produções culturais, os sentimentos de outros povos. Acredito fortemente que esse intercâmbio sentimental pode promover uma atmosfera pacífica entre as nações", sintetiza.
Minha vida cigana
Ki-mo nasceu em Busan, a metrópole portuária da Coreia do Sul, no ano de 1965, pouco mais de uma década após o fim da Guerra da Coreia. O país ainda enfrentava as repercussões econômicas do conflito com seu vizinho do Norte, o que convertera a região numa das mais empobrecidas do mundo. O sonho da maioria dos jovens na época, conta Ki-mo, consistia em ser aceito numa boa universidade e daí ingressar no serviço público, um sinônimo de estabilidade. Muitos ansiavam também por se estabelecer em algum lugar longe do caos em que se vivia na Coreia do Sul. A carreira diplomática surgia como um desejo natural.
Foi esse o caminho trilhado por Ki-mo. Ele mudou-se para Seul, a capital do país, onde concluiu mestrado e doutorado em relações internacionais e administração pública. No tempo livre entre as leituras e as provas, modulava a voz no coral da universidade e frequentava karaokês aos fins de semana.
Os sul-coreanos, em geral, gostam muito de cantar — "exceto a minha esposa!", acrescenta Ki-mo. Basta entoar "Quando eu digo que deixei de te amar, é porque eu te amo" para que a tímida embaixatriz Chun Jin-ah corra em debandada, temendo o convite para um dueto.
Em 1991, um ano antes de se casar com Jin-ah, Ki-mo foi admitido no corpo diplomático. "Foi então que começou a minha vida cigana", conta o sorridente fã confesso do grupo Raça Negra.
Serviu ao seu país nos EUA, China, Guatemala, Suíça, México, Jamaica e Argentina, até ser designado, em junho de 2021, para chefiar a embaixada no Brasil. Embora ainda esteja aprendendo a falar português, sua experiência e interesse em países latino-americanos o trouxeram para o país.
A pandemia entrava então em um de seus períodos mais críticos, o que limitava grande parte da atividade diplomática. Ki-mo resolveu dedicar-se a mergulhar na cultura local. Assim, conheceu o sertanejo e o pagode — e foi amor à primeira vista.
"O sertanejo é perfeitamente idêntico ao 'trot' coreano dos anos 1970", compara Ki-mo. Para quem não conhece, o trot é algo como o avô do K-pop: é a música brejeira e romântica coreana mesclada ao pop internacional, cuja sonoridade lembra um pouco os sucessos pós-Jovem Guarda de outro dos ídolos do embaixador, Roberto Carlos. O trot tem um rei - ou, como dizem os sul-coreanos, um imperador: o lendário Na Hoon-A, entusiasticamente recomendado ao TAB por Ki-mo.
"O sentimento e o ritmo são os mesmos do sertanejo. Ambos evocam a saudade, a fraternidade e a humanidade dos tempos passados", filosofa o embaixador.
Vizinhos na emoção
O repertório de Ki-mo - que além de "Evidências" inclui, entre outras, "Pense em mim" e "Garçom" - foi escolhido por ele próprio obedecendo a dois critérios: o seu gosto musical e a facilidade de decorar as letras. O embaixador garante que não pretende "fazer média" com os brasileiros: se as canções estão entre as mais famosas do país, a coincidência se deu porque "os sentimentos humanos são muito similares".
Ele exemplifica: vejamos como lidam os brasileiros e os sul-coreanos com a "dor de cotovelo" que tanto inspirou Reginaldo Rossi. "Ambos recorremos ao primeiro bar e choramos desconsolados: só que vocês bebem cachaça, e nós bebemos soju [bebida destilada à base de arroz]; vocês comem churrasco, enquanto nós comemos bulgogi [o "churrasco" coreano]; e vocês cantam sertanejo, e nós, o nosso trot. O resto é o mesmo!", afirma, sorrindo outra vez.
Outra possível semelhança entre Brasil e Coreia do Sul está nas recentes escolhas políticas de seus cidadãos. Em maio, assumirá a presidência da República o conservador Yoon Suk-yeol. Mais um outsider a vencer eleições pelo mundo, Yoon é crítico ao feminismo e teve como uma de suas promessas de campanha liquidar com o ministério da igualdade de gênero.
Perguntado se vê similaridades entre o novo mandatário e o presidente Bolsonaro, Ki-mo, diplomaticamente, respondeu que "prefere aguardar o início do mandato para fazer qualquer avaliação".
E quanto às eleições brasileiras? O que espera a comunidade diplomática? "Esperamos não nos envolver em questões de política interna", responde Ki-mo, com um novo sorriso com o qual parece desculpar-se pelo laconismo profissional do comentário.
Mas, após uma longa pausa, o embaixador acrescentou: "Estou com 57 anos e me dei conta que as palavras e os pensamentos às vezes tornam-se realidade. Mais do que apenas criticar, as pessoas e a sociedade precisam conversar e pensar em conjunto sobre o que elas realmente querem para o seu país."
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