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'2022 não teve mamadeira de piroca': a disputa dos presidenciáveis na web

Candidatos à Presidência no debate de 28 de agosto, organizado poUOL, em parceria com Band, Folha de S.Paulo e TV Cultura - Miguel Schincariol/AFP
Candidatos à Presidência no debate de 28 de agosto, organizado poUOL, em parceria com Band, Folha de S.Paulo e TV Cultura Imagem: Miguel Schincariol/AFP

Do TAB, em São Paulo

24/09/2022 04h01

"De repente 13", postou o perfil @LulaOficial às 7h20 de 19 de setembro. A 13 dias das eleições, a mensagem abriu a manhã do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que horas depois se encontraria com oito ex-presidenciáveis num hotel em São Paulo.

O candidato fez o que se faz numa campanha: conversou com os companheiros, discursou, posou para fotos. Transmitido ao vivo nos seus perfis oficiais, o encontro ainda rendeu registro no Instagram e no Twitter com as arrobas dos aliados, três hashtags e a legenda "dia alegre" — um trabalho que aconteceu depois, nos bastidores.

Três profissionais têm acesso às contas do ex-presidente: o fotógrafo Ricardo Stuckert cuida do Instagram e do YouTube; o assessor José Crispiniano e a estrategista digital Brunna Rosa, do Facebook e do Twitter. Stuckert e Brunna (que não cobre a agenda de Lula) dividem-se no TikTok e no Kwai, segundo uma das integrantes da equipe. Eles seriam os principais "adms" da campanha.

O "adm" não é apenas um indivíduo, mas uma entidade, diz Isis Vasques, diretora-executiva da agência Ecco, de São Paulo. Para representar a "persona" de um político, uma marca ou um BBB na internet, "é preciso incorporar o 'tom de voz' do cliente nos posts".

Ao menos quatro tipos de profissionais participam do gerenciamento de redes sociais, no geral: um estrategista traça a estratégia maior, considerando os alvos do cliente; um redator escreve os posts; a arte edita fotos e vídeos; e um gestor administra as interações no dia a dia, dá likes, responde comentários etc. O gestor ou outro profissional fica de olho nos números para avaliar o impulsionamento de publicações — os nomes dos cargos podem mudar de agência para agência, mas os pilares são essencialmente esses. "O 'adm' precisa ouvir a voz dos seguidores e interagir."

Na campanha, os candidatos têm viajado o Brasil para divulgar suas propostas, e é improvável que eles parem para escrever uma longa legenda no Instagram ou para responder a alguém com uma série de emojis no Twitter. É a #equipe quem faz isso, às vezes sem precisar da aprovação do cliente.

A agência de Isis atendeu por muito tempo um senador do Pará, cuja assessoria aprovava previamente os posts, mas não as interações. Com o tempo, conta ela, o cliente tende a confiar e dar mais autonomia aos gestores.

Identificar o tal "tom de voz" é essencial para galgar autonomia. "É uma imersão na personalidade do candidato. É simpático ou durão, formal ou informal, popular ou mais intelectual?", exemplifica a especialista. "E é preciso um mix entre o estilo do candidato e a linguagem própria de cada rede social, sem querer ser engraçadão ou 'tio do pavê' onde não é para ser."

Janones & Carluxo

"Lula, não existe isso de ser maior na rede social ou na realidade. Porque a realidade é a rede social", disse o deputado federal André Janones (Avante-MG) num encontro para discutir a estratégia digital do ex-presidente, segundo o parlamentar mineiro relatou num "spaces" no Twitter, na noite de 16 de agosto.

Desde que embarcou na campanha digital de Lula, Janones já protagonizou barraco com o ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP) e confrontou o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), a quem se referiu como "miliciano", com uma linguagem muito mais direta e agressiva que a da campanha oficial. "Janones virou o Carluxo de Lula", sintetizou Pablo Ortellado, professor da USP, ao UOL no dia 25 de agosto.

Carluxo é uma referência ao filho 02 do presidente Jair Bolsonaro (PL). É atribuída a ele a estratégia de campanha digital que ajudou a eleger o pai, em outubro de 2018, e a estrutura do "gabinete do ódio", um departamento dentro da Presidência que disseminaria fake news e ataques virtuais a adversários, autoridades e instituições. Ante as críticas à inclusão do vereador do Rio na comitiva à Rússia, em fevereiro de 2022, Bolsonaro justificou: "Ele mexe nas nossas redes sociais prestando informações a todos do Brasil. Se vocês analisarem o conteúdo que postamos no Facebook, Twitter e Telegram, grande parte passa pelo crivo dele".

Entre os presidenciáveis, Bolsonaro lidera no Instagram (21,4 milhões de seguidores), Facebook (14 milhões), Twitter (8,9 milhões), YouTube (3,8 milhões) e TikTok (2,7 milhões). "A extrema direita nada de braçada na internet" é um lamento comum de campanhas progressistas.

O algoritmo ajuda, visto que discursos controversos e até violentos alavancam alto engajamento. Recentemente, o Twitter identificou que posts de direita têm mais alcance; de acordo com a investigação Facebook Papers, o Facebook também tende a destacar posts com polarizações e mentiras; e, segundo recente estudo do NetLab, da UFRJ, o YouTube privilegia vídeos pró-Bolsonaro.

O "tom de voz" é outro fator. "Tabajara Futebol Clube diz por que não quer Neymar em seu time", publicou o perfil @jairbolsonaro, ironizando um post da revista Veja, que dizia que a jornalista Gabriela Prioli não queria o presidente em seu programa na CNN Brasil, ao passo que Lula, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) privilegiam posts um tanto institucionais, destacando discurso oficial e fotos das campanhas.

Lula acenou a Anitta e Juliette, fenômenos digitais que declararam voto ao petista. Para Juliette, o "adm" postou um emoji de lula e um de cacto, símbolo do fandom da vencedora do Big Brother Brasil 2021. "Junto com vocês, precisamos pedir voto nos grupos de zap, [...] na internet. Vamos enfrentar a máquina de mentiras", também postou, dias depois, em 1º de setembro.

A campanha de Ciro não quis comentar o assunto "adm", por considerá-lo "estratégico". Um dos sinais do "tom de voz" do candidato é o vocativo "gente boa", expressão que os perfis oficiais têm usado com frequência, na tentativa da construção da persona "Cirão da massa". Entre a "gente boa" não está o perfil satírico @jairmearrependi, que fez um filtro ("Prefiro Lula"), ironizando a campanha do pedetista ("Prefiro Ciro"). "Onde vai parar a roubalheira?", publicou o "adm" de Ciro, em 16 de setembro. Após o post, o filtro lulista viralizou e o PDT acionou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) alegando que a ação está "usurpando a identidade gráfica e o slogan" da campanha.

Já Tebet conta com o marqueteiro Felipe Soutello, que já fez campanhas para FHC, Bruno Covas e José Serra, do PSDB, e o consultor Tiago Pierre, que também participou de campanhas tucanas, de Andrea Matarazzo (2020) e Ricardo Tripoli (2018). No dia 19, o perfil @simonetebet publicou um trecho dos erros de gravação, um momento mais descontraído. Num deles, um produtor diz que o usuário "Fábio" mandou mensagem dizendo que a senadora era muito "braba". "Isso é elogio?", ela perguntou, o que faz lembrar o meme "é fã ou hater?", de Anitta — e emendou: "Oi, Fábio. Sou mesmo".

24h non-stop

Embora a linguagem almejada seja mais imediata e casual, a responsabilidade para os "adms" é muito maior, assinala Isis Vasques, da agência Ecco. Demanda, segundo a especialista, um time mais sênior e sempre ético para dialogar com "haters e lovers", "trabalhando 24 horas, non-stop".

"Hoje, a mídia social é o mainstream. Muitas campanhas e candidatos pensam primeiro na mídia social, e depois nas outras, na TV. Ainda que seja um candidato a vereador, é fundamental", diz. Navegar nesse universo sem espalhar fake news e discurso de ódio, idem. "Há 'dark campaigns', empresas contratadas para disseminar fake news."

De Salvador, a especialista Nina Santos, pesquisadora do INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital) e coordenadora acadêmica da iniciativa Desinformante, que investiga desinformação, considera que a discussão sobre fake news avançou de 2018 para cá.

A "biblioteca" de Carlos Bolsonaro - Reporudção - Reporudção
Carlos Bolsonaro, a quem é atribuída a estratégia digital que ajudou a levar o pai à Presidência
Imagem: Reporudção

"Isso muda estratégias de campanha. Até agora, 2022 não teve 'mamadeira de piroca' 2.0, por exemplo. Há, sim, mentiras e falhas, mas é diferente: saímos do combate a fake news no varejo para o atacado, isto é, de desmentir, tentando enxugar gelo, a discutir regras para as redes", diz. No campo das fake news, acrescenta ela, a novidade é a enxurrada de desinformação sobre a segurança das urnas eletrônicas.

Para Nina, a extrema direita continua navegando melhor na internet (não só no Brasil), mas campanhas de outras vertentes vêm correndo atrás do prejuízo, já cientes do potencial das redes. "Mas, apesar dos esforços das campanhas, muitas vezes um movimento mais orgânico e uma linguagem diferente tem mais repercussão que a estrutura oficial de campanha. Vai muito além do comitê", diz.

"No fim, é o esforço de fazer profissional, mas para não parecer profissional", define. Vale para todos: a ideia de transmitir uma tentativa de espontaneidade na internet, a busca de uma linguagem franca, de momento, quando tudo, na verdade, é estrategicamente pensado.