Topo

Brasil Para Maiores #1: Frota, o ex-galã que mudou o pornô BR para sempre

Marie Declercq e Tiago Dias

Do TAB

10/03/2023 04h00

No episódio de estreia do podcast "Brasil Para Maiores", os repórteres do TAB Marie Declercq e Tiago Dias visitam este capítulo caótico do entretenimento brasileiro, iniciado quando Alexandre Frota, ex-galã e bad boy da TV, assinou um polêmico contrato com a Brasileirinhas, uma das principais produtoras de filmes adultos do país. O episódio pode ser ouvido acima, no YouTube do UOL e em todas as plataformas de áudio.

Frota é atualmente conhecido por sua barulhenta passagem pela política institucional. Virou destaque nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff e por causa das declarações ofensivas contra opositores. Em 2018, foi eleito deputado federal apoiando o então presidente Jair Bolsonaro — que logo virou um grande desafeto.

Mas sua carreira começa nos anos 1980 e sempre foi marcada por controvérsias. No Rio, estrelou peças polêmicas como "Blue Jeans", fez ensaios nus na "G Magazine" nos anos 1990, e em 2001 traçou um renascimento ao participar do "Casa dos Artistas", o primeiro reality show brasileiro transmitido no SBT.

A decisão de entrar no pornô foi motivada pelas inúmeras dívidas que tinha acumulado. Frota fez uma romaria pelas principais produtoras adultas do país para ver quem dava mais pelo seu passe. Ele pedia nada mais, nada menos que R$ 500 mil e um apartamento como pagamento.

Quem cobriu o valor foi a Brasileirinhas, na época comandada pelo empresário Luis Alvarenga. Com a entrada do bad boy no pornô, inaugurou-se um novo gênero que só o Brasil foi capaz de ter: o pornô de celebridades, estrelado por famosos decadentes e subcelebridades que recorriam à indústria para pagar as contas ou voltar ao estrelato.

Foi assim que, entre 2004 e 2009, a pornografia saiu da invisibilidade e virou papo nas mesas de bares e pauta dos programas de fofoca na TV. Para quem trabalhava no pornô, a entrada das celebridades como Frota, Rita Cadillac e Gretchen injetou dinheiro na indústria e ajudou muitos atores e atrizes do segmento a aumentarem os valores dos cachês.

Você pode ouvir o podcast "Brasil para Maiores" em plataformas como Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music e YouTube.

Abaixo, você confere a íntegra do roteiro do episódio 1.

Brasil para Maiores - Episódio 1: Um bad boy bate à porta

AVISO: Este programa contém linguagem forte, descrição de cenas explícitas e pode não ser adequado para todos os públicos. Não ouça ao lado de crianças.

[Alexandre Frota na CPMI das Fake News]
Vem de dentro do palácio os três personagens que vieram das redes bolsonaristas...

Tiago Dias: Você já deve ter ouvido essa voz por aí.

[Alexandre Frota na CPMI das Fake News]
E quem coordena? Carlos Bolsonaro, direto do Rio de Janeiro, coordena...

Tiago Dias: Caso você não reconheça pelo sotaque, esse cara que tá falando é o Alexandre Frota. Ele era deputado federal e tava numa sessão da CPMI das Fake News em 2019 em Brasília.

Ele tava denunciando a disseminação de notícias falsas comandada por aliados de Jair Bolsonaro, presidente da República na época.

Essa CPMI das Fake News foi uma máquina de memes, mas o que importa pra gente é esse bate-boca entre Frota e Eduardo Bolsonaro, o 03, seu antigo aliado.

[Alexandre Frota e Eduardo Bolsonaro na CPMI das Fake News]
Eduardo Bolsonaro: O senhor era menos promíscuo quando só fazia filme pornô. Hoje em dia, essa promiscuidade, nós do Brasil inteiro...
Frota: É, você assistia muito, né?
Eduardo: Nem um pouco
Frota: Eu sei que você gosta... Eu sei que você gosta
Eduardo: Aproveite seu momento, aproveite seus momentos, depois de quatro anos...
Presidente da Câmara: Vamos manter o nível do debate, com tranquilidade, com a paz, que é importante
Eduardo: É o nível do nosso parlamento, né, senhor presidente, é o nível do nosso parlamento. Alexandre Frota falando sobre fake news

Tiago Dias: A entrada do Frota na política já renderia um podcast inteiro, mas a nossa história é sobre um momento muito específico da carreira do então deputado, que é sempre lembrado por seus desafetos.

[Áudio da Globonews]
Cristina Lobo: Os políticos tradicionais perderam a eleição, mas vieram pastores, majores, comandantes.
Merval Pereira: Ator pornô
Cristina Lobo: A gente não sabe...

Tiago Dias: um momento tão controverso que constrangia até os comentaristas políticos mais sérios.

[áudio da GloboNews]
Merval: Um ator pornô, um ator pornô que foi eleito...
Heraldo Pereira: Nós teremos muito ainda para analisar.

Marie Declercq: Alexandre Frota foi eleito deputado federal por São Paulo em 2018. Mesmo pegando carona nas pautas ultraconservadoras do bolsonarismo, o passado controverso do ator não foi uma questão. Pelo contrário, o Frota achava que até ajudava.

[Áudio de entrevista de Alexandre Frota ao programa "Pânico", da Jovem Pan]
A câmara dos deputados federais é a verdadeira pornografia. É lá dentro que estão os verdadeiros cafetões, atores pornôs e as principais atrizes pornográficas estão lá dentro, entendeu, dentro daquela câmara lá, porque aquela câmara lá não é fácil.

Marie Declercq: Convenhamos: taí um cara que tem propriedade sobre o assunto.

Em 2004, quinze anos antes dessa pequena baixaria em Brasília, o Frota tava em outra cruzada: sem saber, ele tava inventando um novo gênero na pornografia brasileira.

[Áudio da GloboNews]
Merval Pereira: Ator pornô...

Marie Declercq: Frota inventou isso quando fechou um contrato para fazer pornô. E isso fez história porque... nunca antes na história desse país uma celebridade havia gravado um filme de sexo explícito — e olha que estamos falando do país da pornochanchada.

O Alexandre Frota não é lembrado por esse trabalho à toa. Ele basicamente inaugurou um novo filão que unia a paixão do brasileiro pela sacanagem e o culto às celebridades.

Tiago Dias: Foi um tempo em que impérios foram construídos com pompa e luxo — e que se desmancharam no ar pouco depois. Período de cachês gordos e faturamento alto que viraram pó — em alguns casos, literalmente.

Tramas da vida real que nem os roteiros mais bizarros escritos nesse ramo ousaram inventar. E as histórias da época revelam muito mais sobre o Brasil do que julgavam as vãs notinhas de fofoca.

[Márcia Imperator]
É muito burro quem fala: "não, ela gravou porque ela gostava de transar na frente dos outros, porque é puta, porque gosta de meter". Não, gente, eu gravei por causa da grana e eu não me arrependo, olha...

[Tony Tigrão]
Meu pai que ligava para os produtores "ó, meu filho". Meu pai era tipo meu empresário.

[Vivi Brunieri]
A primeira cena foi algo horrível, que eu não desejo pra ninguém, Mesmo bebendo, né, antes da gravação.

[Stanlay Miranda]
Perdi casa em Alphaville, Fazenda, haras, carro, tudo o que você achar...

[Alexandre Frota]
Opa, você pagando o que eu quero, eu vou fazer um filme pornô.

[Roy Di Paul]
É... ou alguém vai ser preso ou essas pessoas vão se arrepender muito depois, né?

Marie Declercq: A partir dali, o Brasil nunca mais seria o mesmo. Eu sou a Marie Declercq.

Tiago Dias: Eu sou o Tiago Dias. E esse é o podcast "Brasil para Maiores".

Marie Declercq: Uma reportagem em áudio do UOL TAB que resgata a explosão da pornografia brasileira e o surgimento do pornô de celebridades, um gênero só nosso.

Tiago Dias: Uma época cheia de polêmicas que fez o pornô virar papo nas mesas de bar, invadir programas de auditório e banquinhas de DVD pirata. Enfim, influenciou toda uma geração. Quem viveu, sabe. E quem não viveu, vai conhecer agora.

Episódio 1: Um Bad Boy bate à porta

O Alexandre Frota é só uma ponta do iceberg de um período com várias reviravoltas e personagens, famosos ou não. A gente vai falar de todos eles nessa série, mas toda história maluca tem um começo. E pra contar ela não teve como, a gente precisa partir do Frota.

Marie Declercq: Tudo começa em 2004.

Mesmo sob os holofotes, o Frota tava endividado, devendo pensão alimentícia do filho e enfrentando um problema sério de dependência química.

Ele decidiu, então, se leiloar. Mais especificamente, leiloar o corpo.

O Frota foi bater na porta das principais produtoras de filmes adultos pra ver quem dava mais pra ter um ex-global estrelando nas produções.

Na Brasileirinhas, uma das principais produtoras de filmes pornô, Frota foi atendido por um homem de semblante sério, que poderia ser um empresário de qualquer outro ramo. Era Luiz Alvarenga, o dono da Brasileirinhas. O Luiz não costumava falar muito com atores e atrizes da produtora, mas estava lá, abrindo a porta e fazendo sala para o Frota.

[Entrevista de Alexandre Frota ao podcast "Mais que 8 Minutos"]
Quando eu cheguei lá, na Vila Mariana, quando eu cheguei lá, sentei na cara dele e falei assim: 'ó, Luiz, pouco papo, eu quero fazer filme pornô.' Ele ficou olhando pra minha cara e falou assim: 'Tu não vai fazer filme pornô, cara, tu não consegue fazer, é muito difícil pra você fazer'. Aí ele quis falar que eu vim da globo, eu falei: 'meu irmão, esquece isso, eu quero fazer, você pagando o que eu quero, eu vou fazer o filme pornô.'

Tiago Dias: Realmente, na época, pro Frota, não era uma coisa tão absurda assim pensar em fazer pornô.

Ele fez um cálculo: já tinha brigado com meio mundo da TV, era viciado em sexo, tinha acabado de posar nu na "G Magazine", então por que não ganhar dinheiro transando?

Nesse cálculo do Frota entrou também uma reflexão: para ele, o corpo era o seu principal instrumento de trabalho, não só atuando.

O Frota estrelou várias novelas da Globo, mas um exemplo claro dessa fama de sex symbol foi já no início da carreira, estrelando a peça "Blue Jeans", de Wolf Maia.

Foi um bafafá só, porque, imagina, a peça reunia jovens exalando testosterona no palco, sem camisa, tratando de temas polêmicos como prostituição masculina. Isso no comecinho dos anos 80.

Marie Declercq: Aqui vale até uma breve menção aqui que Guilherme de Pádua, condenado pela assassinato de Daniela Perez, também participou de uma das montagens de "Blue Jeans", mas isso em outra época, já no fim dos anos 80, quando o Frota já não fazia mais parte. Mas essa é outra história, deixa baixo.

Tiago Dias: Nesse começo de carreira, o Frota tinha fama de ser o "garoto", entre aspas, de alguns figurões do teatro e da moda. Ele contou que nunca se incomodou com a fama e que chegou, sim, a ganhar um carro de um diretor.

Acabou cheirando o presente, como ele faria algumas vezes na vida. Ele fala disso numa entrevista ao Rafinha Bastos em 2021.

[Entrevista Alexandre Frota ao podcast "Mais que 8 Minutos"]
Frota: Porra, namorei todo mundo que eu quis namorar. Eu tive uma fase muito forte nas drogas, gastei muito dinheiro com droga, perdi...
Rafinha Bastos: Neste momento aí?
Frota: Nesses momentos. Momentos, né. Cheirei apartamento, cheirei carro, cheirei casamento e fui embora.

Marie Declercq: Não, não, pera aí, pera aí. A gente não pode esquecer que o Frota foi protagonista de um dos maiores eventos do Brasil: o casamento dele com Claudia Raia.

Tiago Dias: Verdade, parou o Rio de Janeiro, a igreja da Candelária. Foi um bafo.

[Claudia Raia falando do casamento com Alexandre Frota no "Fantástico"]
Amo o Alexandre, estou casando com ele por amor e acredito muito que a gente nunca mais vai se separar. Porque eu sei que Deus me fez pra ele e ele pra mim.

Tiago Dias: Durou dois anos.

Marie Declercq: Os anos 80 se foram, mas o Frota sempre deu um jeito de se manter sob os holofotes. Foi uma carreira delirante, que não dá pra resumir aqui. A gente vai pular os anos 90 e cair direto em 2001, quando ele virou o grande protagonista da "Casa dos Artistas", o primeiro reality show que estreou no SBT.

["Casa dos Artistas" - Alexandre Frota e Mari Alexandre conversam com Silvio Santos]
Silvio Santos: Boa noite, senhoras e senhores, estamos iniciando mais um programa 'Casa dos Artistas'. Bem, cadê o Alexandre Frota?
Alexandre Frota: Tô aqui, Silvio.
Mari Alexandre: Se as pessoas quiserem votar no Frota para ele ir, eu acho que eu agradeço muito. Porque quando a gente não faz alguma coisa que ele quer, acontece isso, ele gosta de fazer a gente chorar.
Frota: Eu tratei você como uma pata que tu é.
Silvio Santos: Ih, meu deus do céu
Mari: Tudo bem, eu posso ser pata, mas não sou tão mal educada como você.
Frota: Morô, não vai ficar com essa marra pro meu lado, não, entendeu?
Silvio Santos: Alexandre...
Mari: É bom que as pessoas enxerguem isso, Silvio.
Frota: É, enxerga mesmo, eu sou assim, entendeu? Tenho tolerância zero pra você, entendeu?
Silvio Santos: Alexandre e Mari, é melhor vocês pararem com essa briga. Parem com a briga...

Marie Declercq: O Frota até entrou nas novelas do SBT logo em seguida, mas arrumava muita confusão no set. Quatro anos depois, ele se dedicaria a um outro tipo de atuação — tão consumida quanto as novelas, mas que ninguém admite assistir.

O primeiro contrato que ele fechou com a Brasileirinhas foi de meio milhão de reais e um apartamento em Moema, bairro nobre de São Paulo, que, na época, valia algo entre 200 mil reais. Juntando tudo isso, daria hoje uns R$ 2 milhões e meio. Na sua autobiografia, o Frota contou onde foi parar esse flat. Adivinha só?

[Entrevista de Frota ao podcast "Mais que 8 Minutos"]
Cheirei apartamento, cheirei carro, cheirei casamento e fui embora

Tiago Dias: Semanas depois, ele tava na Praia da Ferradura, em Búzios, no Rio de Janeiro, numa casa que a Brasileirinhas alugou para gravar o primeiro filme, "Obsessão".

O Frota contracenou com nada mais, nada menos que dez atrizes, todas escolhidas a dedo por ele, numa espécie de cardápio humano.

É importante dizer que as mulheres sempre foram as protagonistas nesses filmes, não os homens. Elas sempre estiveram em maior número, ganhavam os maiores cachês e eram as que mais trabalhavam. O rosto delas era o centro das atenções, tava nas cenas, capas e cartazes das produções.

Mas o Frota foi uma exceção. Por ser um nome reconhecido fora do pornô, ele roubou a cena, tanto no cachê quanto no protagonismo dos filmes.

Antes da chegada desse porta-estandarte, os filmes eram lançados dentro do próprio circuito pornô, em locadoras de vídeo com sessão de autógrafos ou em inferninhos.

Mas, com o bad boy, as festas de lançamento passaram a ser luxuosas, com presença de paparazzi e repórteres. Para o lançamento do primeiro filme do Frota, escolheram uma famosa casa de música eletrônica em São Paulo, a Lov.E, que nem existe mais.

Pra Brasileirinhas, a aposta deu muito certo. Os filmes do Frota venderam milhões de cópias. Saíram que nem água nas locadoras e foram pauta diária de programas de fofoca da época. Tipo o "TV Fama":

[Áudio do programa "TV Fama"]
Nelson Rubens: Veja agora! Atenção bofe de elite, Alexandre Frota fez outro filme pornô, agora baseado no 007. É a pistola de ouro.

Marie Declercq: Com o sucesso, o Frota voltou a morar e viver bem. E o apartamento, dado como parte do cachê, vivia lotado de mulheres e novos amigos da indústria.

Olhando para trás, é muito doido de pensar que esse gênero do pornô de celebridades só existiu no Brasil, mas também, onde mais isso aconteceria, né?

O mercado pornô, antes super marginalizado, virou pop. E o tanto de venda e repercussão acendeu o alerta para outras celebridades que não estavam com a bola toda.

Logo depois da estreia do Frota, outro nome de peso fechou contrato com a Brasileirinhas: Rita Cadillac.

E veja bem, quase em seguida, o Brasil passou perto de um AVC coletivo quando Gretchen, a rainha do rebolado e hoje rainha dos memes, lançou um filme pela produtora em 2006.

Tiago Dias: Aí, meus caros, era a brecha que o sistema queria. Frota abriu um precedente pra uma classe inteira de subcelebridades ganhar uma grana de verdade, voltar à mídia e dar aquele up na carreira.

Entre 2004 e 2009, a Brasileirinhas fechou contrato com Mateus Carrieri, Regininha Poltergeist, Vivi Fernandez, Marcos Oliver e Marcia Imperator. Também passaram por lá Thammy Gretchen, Leila Lopes e todo tipo de estrela e subcelebridade que só as profundezas do entretenimento brasileiro seriam capazes de produzir.

É sério, tinha ex-paquita, ex-ator mirim, ex-BBB, ex-namorada de jogador de futebol... Enfim, ex-tudo.

A Brasileirinhas reinou na indústria, disparou na concorrência e tinha um elenco mais estrelado que novela da Record.

A chegada dos famosos despertou a curiosidade de todo mundo.

Pros jovens que tão ouvindo essa história: um contexto.

Nos anos 2000, era preciso fazer todo um corre para assistir um filme pornô: você tinha que sair de casa, ir num lugar chamado locadora pra alugar uma fita ou um DVD. Pra piorar, os filmes ficavam dentro de uma salinha mais... reservada. Bem diferente do que rola hoje, onde as cenas estão a um clique de distância.

O burburinho foi geral - e quem nunca tinha assistido a um filme pornô deu seus pulos para perder o cabaço cinematográfico e assistir momentos marcantes como esse aqui:

[Áudio de Frota em filme da Brasileirinhas]
O negócio é comer cu e buceta e ainda vamos dizer veremos. Vem aí, Natália Lemos

Marie Declercq: Cara, eu não conhecia o Frota antes dele fazer pornô. Nunca tinha ouvido falar desse cara na minha vida. Eu não tinha a menor ideia.

Tiago: Passado, não acredito nisso.

Marie: E é muito doido, né, porque antes de eu escrever sobre pornografia e sequer sonhar em escrever sobre pornografia, quando eu era adolescente, eu vi um filme dele escondido e tal na casa de uma amiga... E é isso, foi minha porta de entrada pro mundo do pornô. O Frota. Foi a minha maconha do pornô.

Tiago: Eu já tinha tido contato com o pornô, porque era sensação na casa dos amigos, assim, e todo mundo sabia onde os pais escondiam os VHS no guarda-roupa. E aí rolavam aquelas sessões, né? Mas foi um choque quando Frota, Rita e Gretchen passaram a gravar também. Era o comentário nas escolas. Tinha até cópias de filme que passava de mão em mão na galera.

Marie: Sempre de cópia pirata, né?

Tiago: Ah, sim, sempre.

Marie: Mas é muito doido, né? Por que será que a gente ficava tão obcecado de ver essa galera transando?

Tiago: Cara, eu acho que o lance é de a gente saber quem são eles. E a gente ter a chance de ver eles fazendo a coisa mais íntima que existe que é sexo.

Marie: A gente era adolescente nos anos 2000 e vimos tudo isso na frente da televisão e dava risada quando o "Pânico na TV" ia atrás dessas celebridades com todo tipo de piada bem chorumenta que você pode imaginar.

Mas, quando a gente decidiu contar essa história em 2023, foi o maior banho de água fria, porque NINGUÉM quis falar com a gente.

Ficamos um tempão atrás do Frota, mandamos mensagem fofa pelo WhatsApp, mas só recebemos um singelo "não" do assessor dele. Isso foi em 2022, quando o Frota tava no meio da campanha política pra tentar se eleger deputado estadual pelo PSDB em São Paulo. Ele não foi eleito.

Como ele não quis falar com a gente, eu e o Tiago viramos praticamente um acervo vivo do Alexandre Frota. O Tiago leu as duas biografias do cara e a gente viu todas as entrevistas que ele deu sobre o assunto. A sorte é que, até 2021, quando ele ainda era deputado, o Frota falou muito sobre essa era do pornô.

Tiago: Bom, o Frota não foi o único a negar entrevista pra gente. A Gretchen nem respondeu nossos pedidos. Ela tem até a fama de bloquear qualquer jornalista que pede pra ela falar sobre essa fase.

Simbolicamente, a Gretchen já tinha enterrado esse passado em um programa do Fábio Porchat em 2016.

Marie: Já deu o recado, né?

[Gretchen no programa do Porchat]
Fabio Porchat: A gente quer enterrar assuntos que as pessoas não aguentam mais... quer enterrar mais algum assunto?
Gretchen: Ai, quero.
Porchat: Qual outro assunto você quer enterrar?
Gretchen: Filme.
Porchat: Filme.
Gretchen: Pronto.
Porchat: Todos os filmes ou só os proibidos?
Gretchen: Só os proibidos.
Porchat: Posso fazer uma pergunta indiscreta?
Gretchen: Não.
Porchat: Tá bom.
Gretchen: Me incomoda, porque é uma coisa que eu não tenho mais que falar, já falei na época e acabou. Passado é passado

Tiago Dias: Marcos Oliver, do "Teste de Fidelidade", leu nosso pedido no Instagram e apenas respondeu: "Não me interessa, ok?"

O Thammy, filho da Gretchen, negou os pedidos via assessor.

O ator Mateus Carrieri sequer respondeu nosso pedido.

Assim como a Gretchen, o Mateus nunca mais falou sobre os filmes. O incômodo fica evidente nessa conversa com Sérgio Mallandro em 2021 — mas, calma, Sergio Mallandro nunca fez pornô.

Marie Declercq: Nossa, será que alguém chegou a ter essa ideia?

[Entrevista de Mateus Carrieri para Sérgio Mallandro]

Mateus Carrieri: Os filmes a gente não fala mais porque isso me deu muito problema na época.
Sérgio Mallandro: Porra, como não vai falar? Tem uma lista aqui dos filmes.
Mateus: Tá, mas não vai falar, não. Vamos falar das peças de teatro, tanta coisa mais legal.
Sérgio: Você ficou arrependido dos filmes pornográficos que fez?
Mateus: Todo mundo faz besteira na vida, a gente dimensiona errado.
Sérgio: Porque você fez esses filmes, foi por causa de grana? O Frota esteve aqui, a Rita Cadillac disse que esses filmes não existem mais na sua vida.
Mateus: Então, tem coisas que a gente não gosta de ficar falando.

Marie Declercq: As celebridades não são as únicas que deram esse assunto por encerrado.

Muita gente que trabalhava nesse mercado nos anos 2000 também não topou dar entrevista. A gente tá falando de diretores, assessores de imprensa, atores e atrizes profissionais da área. Muitos mudaram totalmente de profissão — e fogem do passado como se ele pudesse manchar o presente.

Mas o que tanto aconteceu entre 2004 e 2009 pra toda essa gente não querer falar sobre o assunto? Bom, é pra descobrir isso que a gente fez esse podcast. E, se muitos não quiseram falar, outros tantos quiseram e ajudaram a gente a desvendar esse caminho.

Por ser criador desse subgênero, o Frota tirou proveito da nova profissão até onde podia. Foi protagonista de 19 filmes de sexo explícito, transou com dezenas de atrizes pornô, ganhou muita grana e planejou até filmar em outro país.

Ele parou em 2009, quando a fase das celebridades já tinha praticamente acabado e as produtoras ficaram sem dinheiro, porque estavam enfrentando a pirataria na internet. Passado tudo isso, ele mesmo entrou na onda de falar mal daquele trabalho. Na autobiografia dele, o Frota avaliou que aquela fase foi, abre aspas, "um tiro de 45 na carreira". Pesado.

Isso sem contar os problemas pessoais que rolaram. Na mesma autobiografia, o Frota conta que a família ficou super magoada por ter feito alguns filmes sem camisinha e que, certa vez, um amigo pediu para que ele não fosse num aniversário de criança por causa dos filmes.

E a gente foi ouvir quem trabalhava nos bastidores. Muitos deles disseram que a personalidade do Frota também não ajudava e que ele era muito chato.

Imagina, né? Um ex-global, super famoso, cheio de regras e não-me-toques, entrando numa indústria super marginalizada. O Gugu Di Capri, por exemplo, maquiador de muitas produções pornôs na época, lembrou até de uma exigência do astro:

[Gugu Di Capri]
Gugu: Por exemplo, não podia gravar muito o bumbum dele, não entendo o porquê. Era uma das exigências para o diretor, não focar lá.
Tiago: Ele pediu para o diretor, é isso?
Gugu: É, no bumbum não podia, não chegar muito próximo do 'edy' dele, né? O ruim dele, que eu não gostava, é que ele sempre preferia gravar à noite, né? A gente tinha que parar de madrugada, amanhecer o dia, então era cansativo, né? Trabalhar à noite. Não entendo por que essa preferência dele.

Tiago Dias: Mas, pra ser justo, teve uma pessoa que disse ter tido uma ótima experiência com ele no set.

[Bianca Soares]
O Frota sempre foi muito louco por mim, ele sempre foi muito a pronta-entrega para fazer qualquer coisa para ficar perto de mim, isso eu não posso esconder.

Tiago Dias: Quem tá falando aí é a Bianca Soares. Ela é modelo e jornalista, e fez história no entretenimento brasileiro em 2004 como a primeira mulher trans a participar de um reality show. Foi na quarta edição da "Casa dos Artistas" no SBT, o mesmo programa que devolveu o Frota ao estrelato.

Na época, a estratégia de Silvio Santos era esconder a identidade de gênero da modelo dos outros participantes e só revelar depois como uma grande "surpresa".

[Bianca Soares na "Casa dos Artistas"]
Bom, gente, eu estou aqui, porque eu tenho muitas revelações pra fazer pra vocês. Eu deixei pra vocês, mas vocês não descobriram. Gente, eu sou uma transexual.
[participantes riem e discutem]
Bianca: Eu sou uma travesti.

Tiago Dias: É... Tem mil camadas de problematizações aí, mas isso a gente vai falar em outro episódio.

A Bianca estreou na Brasileirinhas em 2004, no filme "A Boneca da Casa", dirigido pelo próprio Frota. Dois anos depois, ela fez uma cena com ele no filme "Garoto de Programa".

Bianca contou pra gente que a polêmica da cena entre ela e o Frota foi calculada. E histórica. Se ainda hoje as pessoas têm problemas ao imaginar uma cena de sexo do Frota, essa figura ultramasculinizada, com uma mulher trans, você imagina em 2005, quando nem existia a palavra "transfobia" no nosso vocabulário.

Quando o Frota ainda falava abertamente sobre a fase pornô, ele não era assim muito elegante pra falar das atrizes com quem ele contracenou. E, com a Bianca, não foi diferente.

[Entrevista de Frota a Sérgio Mallandro]
Sérgio: Era a Bianca?
Frota: Ficou curioso, hein?
Sérgio: Não, não, eu vi, pô, eu me lembro. Eu vi, porra. E vem cá, onde anda essa Bianca? Nunca mais viu?
Frota: Não sei, cara. Nunca mais vi a Bianca, nunca mais comi.
Sérgio: Será que ela votou em tu? Será que ela votou em você?
Frota: Porra, se ela não votou, perdeu uma oportunidade. Eu arregacei ela bem.

O Frota também trocou farpas com a Rita Cadillac, que fez par com ele em "Puro Desejo", segundo filme dele na Brasileirinhas:

[Alexandre Frota em entrevista a Danilo Gentili]
Danilo Gentili: Você já fez um filme com travesti e está confirmando que o maior erro foi com a Rita Cadillac.
Frota: Foi, sabe por quê? Parecia que estava pegando minha avó.
Danilo: Ela não tira a dentadura na hora do...
Frota: E botou no copo, né?

Rita, apesar da saia justa, tinha uma visão muito clara do Frota:

[Rita Cadillac em entrevista ao "Vênus Podcast"]
Pode ser que hoje ele esteja até um pouco mais sereno. Não acredito, porque ele é doido de porrada desde que nasceu, eu acho. E ele fala umas besteiras que ele não tem a necessidade de falar, né? Eu acho que ele agride às vezes até para poder esconder a intimidade dele.

Marie Declercq: Dá pra dizer que a fase pornô do ex-galã, regada a ecstasy e cocaína, é só uma das polêmicas que ele foi colecionando ao longo dos anos. Puxando a capivara, ele tem acusações de agressão contra mulheres, um monte de falas problemáticas e duvidosas.

Fato é: a personalidade polêmica e essa pose de bad boy, querendo ou não, fazem parte de um carisma caótico e torto. E foi assim até a entrada dele na política, quando de repente ele virou um garoto-propaganda dos bons costumes. Tipo em 2017, quando ele entrou na cruzada moral contra exposições em museus brasileiros.

[Alexandre Frota no Masp]
Foi aqui ontem que foi feita aquela vagabundagem, aquela calhordice que colocaram quatro crianças aqui e um homem nu tocando, e chamam isso de arte.

Marie Declercq: Não sabemos dizer se Frota é sincero ou oportunista nas suas escolhas, ou se é uma mistura dos dois. Mas o bad boy tem passado por um rebranding intenso desde que rompeu com a base bolsonarista em 2019.

É uma mudança tão drástica que até a aparência dele mudou. Não estamos falando do fato do cara estar mais velho, não, mas sim dos dentes ultra brancos, camisa social, cabelo grisalho bem aparado. Até o sotaque carioca ficou mais contido.

Inclusive, né, Tiago, você chegou a ver ele durante a pandemia, né? Esse rebranding aí dele...

Tiago Dias: Pois é, cara, ele coordenou batidas policiais em festas clandestinas durante a fase aguda durante a pandemia, né. E ele sempre aparecia com o uniforme fardado. Quase como um guardião. Como se fosse o BOPE dos bons costumes pandêmicos.

[Alexandre Frota, durante batida policial]
São 20 voluntários, esses voluntários eles compram os ingressos ou eles estão dentro de grupos de festas, que é muito difícil, são infiltrados e eles soltam um endereço da festa uma hora antes.

Marie Declercq: Imagina, né, levar um sermão... nessa altura da vida, você leva um sermão do Alexandre Frota. Complicado, né? Hora de repensar tudo.

Voltando pra fase do pornô, o pessoal da indústria conta que ele saiu brigado com todo mundo em 2009. O Clayton Nunes, atual dono da Brasileirinhas, resume bem essa fase:

[Clayton Nunes]
O Frota é completamente lelé da cuca, velho.

Marie Declercq: Mas o Clayton reconhece: foi o Frota quem iniciou aquela insana era de ouro da pornografia nos anos 2000.

[Clayton Nunes]
Clayton: E ele revolucionou, tirou da marginalidade, né? O pornô virou um... Deu um glamour pro pornô, né? Se existe o OnlyFans, hoje, com celebridades lá dentro, todo mundo tem que tirar o chapéu para o Frota. Não tem segredo.
Marie: Ele que inventou essa fase, assim...
Clayton: É o Frota, ele é diferenciado. Ele é o cara. Não tem o que falar, gênio. É gênio. Tanto que o cara está aí. O cara é o deputado mais votado e tudo mais. É completamente lelé da cuca e genial.

Marie: Tá, o Frota foi o mais votado em 2018. Só que o rompimento do Frota com o Bolsonaro não deu certo. Ele não foi eleito em 2022 para deputado estadual. Durante a campanha, o Frota tentou uma aproximação com o PT, que não vingou.

Ele começou 2023 sem um novo cargo político e com o mesmo problema que fez ele bater na porta da Brasileirinhas lá em 2004: dívidas. O Frota entrou na justiça com um pedido de "insolvência", ou seja, falência.

Mesmo o Frota não querendo falar com a gente, é inegável que ele é um personagem importante pra esse capítulo da pornografia brasileira - ele virou um ícone do entretenimento da época, acumulando fãs e haters.

Tiago Dias: Ao longo dessa série, a gente vai tentar entender o que nos faz, ao mesmo tempo, amar e odiar a pornografia e quem trabalha com ela. E tentar responder quem tem direito a uma vida diferente após o pornô e quem tá fadado a seguir com o estigma que a profissão carrega.

Essa fase das celebridades foi amplamente noticiada, mas a gente percebeu ao longo da pesquisa que tinha algo muito além do que a mídia costumava retratar.

Marie Declercq: O que não faltam são piadas e suposições. Muita gente acredita que o clima nos bastidores era de uma orgia sem fim, mas pouca gente conhece por dentro a realidade nos sets de gravação - e a gente foi ouvir algumas delas.

A história do pornô do Brasil não foi muito documentada e, quando foi, não teve a contribuição de quem ajudou a construí-la. Só que pra fazer isso a gente vai precisar montar uma colcha de retalhos.

O primeiro fio que vai costurar essa história a gente tirou da Bianca Soares:

[Bianca Soares]
O começo das brasileirinhas, eu não sei se você conhece a história 'As Brasileirinhas'. As Brasileirinhas era uma Kombi. O Viagra que todo mundo chamava de Viagra, uma Kombizinha azul que pegava as travestis, as brasileirinhas mesmo, raíz. Pegava as travestis aqui e ia gravar num sítio em Atibaia.

Marie: É pegando carona na kombi Viagra que, no próximo episódio, a gente vai mergulhar no universo da Brasileirinhas, a principal produtora de filmes pornográficos do país.

Uma empresa que começou no centro de São Paulo como um pequeno negócio de família e que nos anos 2000 faturou milhões brincando com o tesão e a moral do brasileiro.

O podcast "Brasil para Maiores" tem apresentação, roteiro e pesquisa de Marie Declercq e Tiago Dias. O roteiro também foi feito por Fernando Cespedes que adaptou o projeto para podcast. O desenho de som e a montagem são do João Pedro Pinheiro. A produção é da Marie Declercq, da Natália Mota e do Tiago Dias. O design é do Marcos Antonio Alves de Lima Júnior. A direção de arte é da Gisele Pungan e do René Cardillo. A coordenação é da Juliana Carpanez e da Olívia Fraga. O podcast é um produto de UOL Prime, com coordenação de Diego Assis e Leonardo Rodrigues. O projeto também conta com Alexandre Gimenez e Antoine Morel, gerentes de conteúdo, e Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

Agradecimentos à Bianca Soares, ao Gugu Di Capri e ao Clayton Nunes.

Este episódio usou áudios da TV Senado, da GloboNews, da Rádio Jovem Pan, do podcast Mais que 8 Minutos, da TV Globo, do SBT, da RedeTV!, da Brasileirinhas, da Record TV, do podcast Papagaio Falante, da TV Band, do Venus Podcast e do UOL; e trilhas da Biblioteca Nacional e do Epidemic Sound.