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Brasil Para Maiores #2: Da Kombi 'viagra' à era das celebridades: a saga da Brasileirinhas

Marie Declercq e Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

16/03/2023 04h00

No segundo episódio do podcast "Brasil Para Maiores", você vai conhecer em detalhes a história da Brasileirinhas, uma das produtoras de filmes pornôs mais populares do país. O episódio pode ser ouvido acima, no YouTube do UOL e em todas as plataformas de áudio.

Antes da entrada de Alexandre Frota e outras celebridades para seu casting de atores e atrizes, a Brasileirinhas já era conhecida pelos filmes de sexo hardcore e outros selos que produziam filmes com mulheres trans e travestis, além de títulos com cenas de bestialismo.

Nos anos 2000, a Brasileirinhas desbancou toda a concorrência ao apostar em filmes com famosos. Contratou um diretor "de cinema", investiu em roteiros mais ambiciosos e vendeu DVD que nem água em todas as locadoras do Brasil.

Para reconstituir a formação de uma das maiores produtoras do país, os repórteres Marie Declercq e Tiago Dias conversaram com Clayton Nunes, atual dono da Brasileirinhas, e passaram um dia na Casa das Brasileirinhas, onde era gravado e produzido o reality show que exibia 24 horas de sexo explícito até o final de 2022.

Você pode ouvir o podcast "Brasil para Maiores" em plataformas como Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music e YouTube.

Confira abaixo o roteiro do episódio 2 na íntegra:

Brasil Para Maiores - Episódio 2: Made in Brazil

Aviso: este programa contém linguagem forte, descrição de cenas explícitas e pode não ser adequado para todos os públicos. Não ouça ao lado de crianças.

[MARIE DECLERCQ E TIAGO DIAS CONVERSAM DENTRO DE UM CARRO]

Tiago Dias: É... Eu acho que é aqui mesmo.
Marie Declercq: Será que é aqui, amigo?
Tiago Dias: Não tem número, mas...
Marie Declercq: Não, eu acho que é ali mesmo... Moço, você pode parar aqui, por favor? Obrigada. Vamos?

Marie Declercq: Esse áudio marca a nossa chegada em um quadrante bem peculiar do universo da pornografia brasileira. Ele fica a mais ou menos uma hora de São Paulo, dentro de um condomínio de luxo em Cotia, na Região Metropolitana.

[MARIE DECLERCQ ENVIANDO ÁUDIO PELO WHATSAPP]
Oi, Gil, tudo bem? A gente tá aqui fora já.

Marie Declercq: É uma mansão escondida por um portão e árvores altas que têm uma função dupla de abafar o que acontece lá dentro e espantar a curiosidade dos vizinhos. Ali, a discrição é uma questão de sobrevivência.

[MARIE E TIAGO CONVERSANDO COM GIL BENDAZON NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Marie Declercq: Já aconteceu de reclamarem?
Gil Bendazon: Já... já...
Tiago Dias: Mas o quê, por causa de barulho? Ou porque viram alguma coisa?
Gil Bendazon: Barulho. Ver, ninguém vê. Tá vendo? O cercado, muro...Se você subir no muro, você tá invadindo a minha privacidade.
Marie Declercq e Tiago Dias: Sim.
Gil Bendazon: Agora, se eu tiver fazendo alguma coisa e dá para você ver, aí é atentado ao pudor.
Tiago Dias: É... é... tem isso.

Tiago Dias: Esse cara que tá falando com a gente é o Gil Bendazon, um homem de 40 e poucos anos, ruivo, que anda sempre de uniforme: calça jeans e camiseta preta, e sabe tudo que acontece na casa, o tempo todo. Foi ele quem nos recebeu e levou a gente pra conhecer a Casa das Brasileirinhas. Nesse universo paralelo, um reality show é transmitido 24 horas por dia pela produtora Brasileirinhas. Ou pelo menos, era...

Marie Declercq: Nem a gente, nem o Gil imaginávamos que aqueles eram os últimos suspiros da casa. Poucos meses depois da nossa visita, em novembro de 2022, o reality foi suspenso pela produtora, e a casa, devolvida. Pois é, você vai ver neste episódio que as crises são uma constante na Brasileirinhas e na vida de todo mundo que trabalha no mercado pornô. A gente vai contar como essa produtora, que nasceu de uma Kombi azul em São Paulo, lááá nos anos 90, sobreviveu a muitas dessas crises fazendo apostas altas: do pornô de celebridades à era da internet.

Tiago Dias: O reality show Casa da Brasileirinhas foi uma dessas apostas. Durante dez anos, casas discretas e fora do meio, como essa que a gente visitou, serviram de cenário para todo o conteúdo adulto produzido pela Brasileirinhas. E foi esse BBB do pornô que fez a Brasileirinhas atravessar toda uma maré de azar, que afundou outras produtoras pelo caminho.

Eu sou o Tiago Dias. E eu sou a Marie Declercq e esse é o "Brasil Para Maiores". Uma reportagem em áudio do UOL TAB que resgata a explosão da pornografia brasileira e o surgimento do pornô de celebridades.

Episódio 2 - Made in Brazil

Tiago Dias: A gente contou no primeiro episódio que o Frota foi o pioneiro do pornô de celebridades. E quem apostou de verdade nessa jogada foi a Brasileirinhas. A aposta foi alta. Em 2004, a produtora já era uma empresa grande no segmento, e investiu não só no cachê do Frota, mas também na produção dos filmes. Tinha que ser bonito, faraônico, algo digno de Hollywood. Olhando pra trás, parecia óbvio que a entrada do Frota daria um retorno milionário pra Brasileirinhas, mas até então ninguém tinha feito isso. Entre ganhos, perdas e tropeços, a Brasileirinhas deixou os concorrentes pra trás com esse novo segmento com famosos e criou um império nos anos 2000.

Marie Declercq: Claro, esse império foi ficando menor por causa das crises que a pornografia sofreu nas últimas décadas, mas a produtora foi uma das poucas que conseguiu sobreviver e muito disso por causa do que acontecia do outro lado dos portões da mansão que eu e o Tiago Dias visitamos.

[MARIE DECLERCQ E TIAGO DIAS SÃO APRESENTADOS PARA BELINHA BARACHO NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Gustavo, assistente de direção: Gente, licencinha, essa aqui é a Belinha, essa aqui é a Marie, esse aqui é o Tiago.
Belinha Baracho: Oi! Tudo bem?

Marie Declercq (no estúdio): Assim que chegamos, o Gil levou a gente pra cozinha e lá conhecemos rapidamente a Belinha Baracho, atriz veterana que tava gravando no dia da nossa visita. E essa visita à mansão da Brasileirinhas demorou para acontecer. Quando mandei mensagem pro Gil, que é o cara que recebeu a gente, ele me cortou rapidinho porque odeia aparecer.

Tiago Dias (no estúdio): E também tem uma desconfiança com a imprensa, que é um lance bem comum entre pessoal que trampa no pornô.

Marie Declercq: É, não só no pornô, amigo. Quem trampa com sexo em geral é meio desconfiado com imprensa por causa de muitas reportagens tirando sarro.

Tiago Dias. É, mas a gente é chato e insistente. Só rolou porque a gente prometeu que só gravaria a voz dele, sem câmera.

Marie Declercq: Aquela era a quarta ou quinta casa desde que o reality estreou. O motivo de tanta mudança era para evitar chamar atenção dos cidadãos de bem de Cotia. Anos atrás, quando eu fui escrever a minha primeira matéria sobre a produtora, eu cheguei a conhecer outra casa que eles tavam instalados, mas nada se compara a essa que a gente foi. O reality serviu como um ritual de iniciação das atrizes que querem entrar nesse universo. Enquanto ele tava no ar, era tipo uma "Malhação" do pornô brasileiro.

Tiago Dias: Uma "Malhação" misturada com "BBB": quatro atrizes competem por mês, cada uma morando na casa durante sete dias. Nesse período, rolam várias atividades, como por exemplo sair procurando pintos de borracha pela casa e, claro, gravar cenas de sexo. No final, os espectadores escolhem uma ganhadora entre as quatro, que fica com o título de Miss Brasileirinhas do mês. Tem faixa de miss e tudo. Durante dez anos de funcionamento, eles só pararam uma vez, durante a pandemia em 2020.

Marie Declercq: Desde quando a Brasileirinhas trocou de comando, os filmes deixaram de ser super produzidos, com vários cenários, equipe grande e troca de figurino, e toda a produção de conteúdo da empresa ficou centrada na casa. Nos últimos meses de funcionamento, o Gil nos mostrou que tudo que era transmitido ao vivo ia pra ilha de edição, onde ele editava tudo na velocidade da luz e transformava em cena pra subir na plataforma de streaming. Um esquema bem linha de montagem. Por trás de toda a operação da Casa das Brasileirinhas desde 2012, o Gil é um dos diretores pornôs mais respeitados e longevos do Brasil. Ele foi o único diretor brasileiro que levou pra casa um AVN, o Oscar do Pornô, de melhor filme estrangeiro com o filme "Big Wet Brazilian Asses". É o nosso "Central do Brasil", né?

Tiago Dias: Bom, a ilha de edição onde o Gil ficava era o coração do reality. Era um cômodo separado da casa. Foi só chegar perto que deu pra ouvir o barulho dos computadores a todo vapor. O lugar tinha um clima típico de escritório. Tinha uma foto da equipe na festa de fim de ano pendurada no quadro de aviso. Na mesma ilha de edição, a gente conheceu o Gustavo, assistente de direção do Gil. Ele tava debruçado na frente de um dos computadores, usando um boné com o logo da Brasileirinhas:

[GUSTAVO, ASSISTENTE DE DIREÇÃO, EXPLICA GRAVAÇÃO]
Gustavo: Aqui é a principal. Aqui é onde ficam as outras, que eles clicam onde querem ver. Mas o foco sempre vai ser onde ela está. Ela tem que estar sempre em frente às câmeras. Sempre, sempre, sempre. Então já começou a cena, qual a cena de hoje? Como ela é famosa, ela está há muitos anos na indústria já, é "Transando com meu fã no camarim". Ela está lá se maquiando, o fã chega, "eu sou seu fã" e aí começa a xavecar e aí eles transam. Só vou tirar o áudio porque ela dá uns gritos, para vocês não se assustarem.
Tiago Dias: Não, não, deixa com áudio mesmo.
Marie Declercq: E está ao vivíssimo agora.
Gustavo: Ao vivo, eles estão agora no site.
Tiago Dias: Essa é a câmera do Gil?
Gustavo: Essa é a do Gil, isso.
Marie Declercq: Por isso ele gosta de gravar sozinho, né? Porque ele fica sozinho no quarto com eles, movendo a câmera, né?
Gustavo: É... E é até mais tranquilo para a atriz e o ator também. Um exemplo, olha, das quatro horas é eu que gravo sozinho. Aí ele fica aqui, ele monitora por aqui. E eu gravo o ator e a atriz.

Marie Declercq (no estúdio): Aliás, falando em equipe, nos bastidores das produções o Gil é o único heterossexual. Tirando os atores que visitam a casa em certos dias, todos os homens que trabalham na casa são gays. O Gil contou que não foi uma escolha proposital. E pensando aqui, faz sentido né? Deve dar bem menos dor de cabeça. E o Gil é poucas ideia: tolerância zero com romance e pegação fora das câmeras.

[GIL BENDAZON DÁ ENTREVISTA NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Tiago Dias: Já teve esse problema no passado?
Gil Bendazon: Já, já. Infelizmente já. Então eu já não tenho esse problema. É trabalho. Quer fazer alguma coisa? Da porta pra fora você faz o que quiser. Aqui dentro... aqui dentro se eu pegar é rua. Eles sabem.

Marie Declercq: É isso mesmo. O sexo na casa só é permitido na frente das câmeras e com um ator contratado. Tem uma exceção: uma vez por mês o programa sorteava um assinante para ter um dia de ator pornô. Era uma prova de fogo, porque óbvio que 99% dos caras que foram, brocharam. E quem tava assistindo na transmissão, adorava.

[GIL BENDAZON DÁ ENTREVISTA NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Tiago Dias: Eu já fiquei sabendo que é uma loucura, né? Porque não é garantia que vai conseguir gravar... Todo mundo brocha.
Gil Bendazon: Mas o legal é ele brochar, não funcionar... [Risos] Até pro assinante...
Marie Declercq: Sim, os caras não querem ver... os caras querem ver o cara brochar.

Marie Declercq: A regra máxima do reality é que a atriz deve ser filmada em todos os momentos. Assim, inclusive no banheiro, dormindo e almoçando. O Gil contou pra gente um pouco dessa rotina.

[GIL BENDAZON DÁ ENTREVISTA NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Gil Bendazon Ah, aí eles estão lá, reclamam muito pra mim aqui. "Ah, a menina não está ativa", não sei o que lá... Aí eu falo "pô, a mulher é um ser humano, também." O cara...
Tiago Dias: Ela almoça, né?
Gil Bendazon: O cara não fica cinquenta horas de pau duro. A mulher não fica de perna aberta vinte e quatro horas por dia...
Tiago Dias Mas essa é a graça, também, né?
Gil Bendazon Aí tem os horários, tem tudo. Tem menina que é mais agitada, tem menina que é menos agitada, tá? Tem menina que acaba uma atividade, ela começa a dançar, brincar, conversar com outra... Mas é um trabalho. Então tem hora que ela está parada, ela está deitada, ela tá ouvindo música, ela está dormindo. No celular... hoje em dia é celular.
Marie Declercq: E eles reclamam que não filma no banheiro, elas fazendo xixi ou?
Gil Bendazon: Não, tem câmera no banheiro, também...
Marie Declercq: Tem?
Gil Bendazon: Tem, tem

Tiago Dias: Tem um detalhe bem importante que a gente não explicou direito sobre o Gil. Apesar de ser um cara bem conhecido no mercado, ele odeia mostrar o rosto. Mas como ele tá sempre passando na frente das câmeras para gravar as cenas, ele achou uma solução. Gil usa uma balaclava, deixando à mostra somente os olhos azuis. É assim que ele ficou conhecido como o "ninja do pornô".

[ENTREVISTA COM GIL BENDAZON NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Gil Bendazon: A ideia? A ideia veio do Big Brother, cara, dos ninjas, sabe aqueles ninjas? Lembra? Acho que o primeiro "Big Brother" já tinha, né? Os ninjas. Eles entravam e ali você sabe, eram artistas que entravam, alguns... O Boni entrou várias vezes, fantasiado, e ninguém sabia quem era quem. Falei, vou fazer um ninja, só que não branco, preto. Usava antes uma roupa toda preta, toda. Era uma calça, meia, luva, entrava com tudo.
Tiago Dias: Só o olho.
Gil Bendazon Só o olho.


Marie Declercq: Olhando pras pequenas telas da ilha de edição que a gente viu o real tamanho da Casa das Brasileirinhas: piscina, academia, área de lazer, jardim, churrasqueira e quartos e salas suficientes para abrigar três bacanais romanos ao mesmo tempo.

Tiago Dias: Enquanto eu observava toda aquela operação, com o Gil indo pra lá e pra cá, sempre com um cigarro na mão, lembrei da entrevista que a gente fez com a Bianca Soares sobre os primórdios da Brasileirinhas - quanto tudo era mato, ou melhor, tudo era kombi. A Bianca, como a gente disse no episódio anterior, saiu da Casa dos Artistas direto pra Brasileirinhas.

[ÁUDIO DE WHATSAPP DA MODELO E JORNALISTA BIANCA SOARES]
As Brasileirinhas era uma Kombi. O Viagra que todo mundo chamava de Viagra, uma Kombizinha azul que pegava as travestis, as brasileirinhas mesmo, raíz. Pegava as travestis aqui e ia gravar num sítio em Atibaia. Que tem uma história muito grande.

Marie Declercq: Na década de 90, cada esquina do Brasil tinha uma locadora pra chamar de sua. A Brasileirinhas foi fundada pelo dono de uma dessas, o Luis Alvarenga, junto com sua esposa. Era uma típica empresa familiar paulistana, onde até um filho do casal trabalhava na parte administrativa. Antes da época gloriosa do pornô de celebridades, a Brasileirinhas começou explorando outros subgêneros clássicos do pornô brasileiro: ela ficou conhecida por vender filmes de Carnaval. Eram orgias que faziam o surubão de Noronha parecer uma roda de tranca entre senhoras.

Tiago Dias: Mas, além do Carnaval, o que também trazia dinheiro eram os filmes gays, trans e, pasmem, de zoofilia. O mercado gringo adorava. Os filmes com mulheres trans e travestis, conhecidos como 'filme de boneca', até hoje são lembrados como um dos hits da Brasileirinhas. Era na Viagra, a tal da kombi azul da produção, que os caçadores de talentos percorriam as ruas de São Paulo em busca de novas atrizes. E se a Casa das Brasileirinhas é hoje um estágio das futuras atrizes, os filmes com travestis eram o estágio para os atores da época. Quem contou isso pra gente o Tony Tigrão. Até hoje, ele atua em filmes da produtora e vira e mexe dá as caras no reality:

[ENTREVISTA COM TONY TIGRÃO]
Se você for bom aqui aí a gente pega e te chama para fazer o hétero, né? Aí eu eu cheguei a fazer no começo também.

Tiago Dias: Já os filmes de zoofilia eram outra história. Quando você toca no assunto, ninguém admite e ninguém sabe de nada - sempre foi fulano ou sicrano que fazia. Mas fato é que nos anos 90, eles eram vendidos em fitas de VHS sob o selo "Mister Dog" e "Mister Horse", com cachorros imensos e cavalos dividindo a foto de capa com as atrizes. O próprio Tony Tigrão, trocadilhos com o nome à parte, chegou a trabalhar nos bastidores de uma gravação com animais. As filmagens também rolavam em uma casa afastada de São Paulo.

[ENTREVISTA COM TONY TIGRÃO]
Tony Tigrão: Eles gravaram filme com animal também. Mr. Dog. Inclusive eu participei de uma produção para ser assistente.
Tiago Dias: De quê? De zoofilia?
Tony Tigrão: É o diretor falou, né? "Ô Tony, a gente vai precisar de uns caras aqui pra lavar os cachorros e tal. Você não quer ficar? Eu pago uma diária pra você". Eu tava precisando. Falei "Tá bom. Eu aceito".
Marie Declercq: E foi em São Paulo que vocês gravaram?
Tony Tigrão: Era interior. Era sítio. Por incrível que pareça, cara. Tinha uma menina lá que o cachorro pegou, parece que gostou da menina, ninguém podia chegar perto da menina que ele? Era só o Cachorrão. Dogue Alemão. Os cachorro parecia uns cavalos.

Marie Declercq (no estúdio): Óbvio que falar de zoofilia é chocante, mas a Brasileirinhas nem de longe era a única produtora que fazia filmes do gênero. Pra vocês verem como é um troço tão incrustado no imaginário proibido do brasileiro, foi o José Mojica Marins, o Zé do Caixão, quem filmou a primeira cena de bestialismo do cinema brasileiro. Foi em 1985 no filme "24 horas de sexo explícito". Em uma das cenas, uma atriz fez sexo com um pastor alemão. Tudo bem que a intenção do Mojica era chocar e destruir qualquer ideia de sensualidade pro público brasileiro, mas o filme teve justamente o efeito contrário. Ele bombou e ganhou uma sequência, dobrando a aposta, com o "48 horas de sexo alucinante". Mas o Zé do Caixão não gostou muito de fazer pornô.

[ENTREVISTA COM JOSÉ MOJICA MARINS PARA O JORNAL CONTRAMÃO]
Eu fiz pornô, que tinha uma força muito grande pra sobreviver. Era uma época terrível e tinha que sobreviver. Tive a sorte de fazer um filme que ficou um ano em cartaz no Brasil direto. Aí diziam que eu era o rei do pornô, mas eu acho que nada tinha a ver. Agora, dizer que eu sou o rei do terror, não surgiu outro ainda, eu concordo.

Marie Declercq: Não tem jeito, tem questões complexas envolvidas no desejo das pessoas, mas entrar nisso agora seria desviar muito da nossa rota. A gente vai seguir contando a história da Brasileirinhas, e vamos, claro, de Kombi. Lembra que a gente disse que o Luis Alvarenga cuidava da produtora como um negócio familiar? Pois é, rolava inclusive um distanciamento grande entre ele e a família com o conteúdo que tava sendo feito ali. Por isso, quem sempre tava dentro dessa kombi era o M.Max. Era ele que cuidava de todas as etapas da produção, sempre na companhia do Ribamar, o motorista da Brasileirinhas:

[ENTREVISTA COM M.MAX]
M.Max: Isso. A gente chamava o Viagra do Ribamar. Que Ribamar era motorista da gente.
Marie Declercq: Era Viagra porque a Kombi era azulzinha??
M. Max: Era. E o Viagra tinha saído época aí. Mas as bonecas, que vamos chamar de bonecas, eu ia na Amaral Gurgel diretamente conversar com elas. Não era fácil, viu? Porque elas já achavam que era bandidagem. Tinha umas que queriam vir para cima. Mas depois que começou, elas começaram a ficar famosas, porque muitas delas se deram muito bem lá fora, no exterior, por causa das Brasileirinhas. Eu conheço umas que estão riquíssimas hoje. Por causa dos filmes que elas fizeram aqui. Foram trabalhar na Europa e lá eram super conhecidas porque os trabalhos eram vendidos lá, né? Europa e Estados Unidos, Brasileirinhas reinava.

Tiago Dias: O M.Max trabalhou mais de dez anos na Brasileirinhas como o principal diretor da produtora. Desde que ele saiu do mercado em 2010, M.Max voltou a ser o Maurício Machado e leva uma vida bem diferente. Hoje, ele é dono de uma barbearia e mora em Fortaleza, junto com o marido e a filha. Já do Ribamar, o motorista, ninguém teve mais notícia. O Maurício conheceu a Brasilerinhas no Recife em 1995, quando cruzou com um cara com pinta de gringo e uma câmera no pescoço. Era o paulistano Osmar Borges, na época diretor da produtora, que viajava pelo Nordeste à procura de atores e locações.

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Ele estava com a câmera no pescoço, câmera uma fotográfica. Uma Pentax. Lembro, como se fosse hoje. Uma Pentax K1000 totalmente analógica e ele ser assaltado. E nisso fui ajudá-lo. Porque a maioria dos moleque de rua daquele Recife, como eu trabalhava no centro da cidade, conhecia muito, muito moleque, e eu não deixei isso acontecer.

Tiago Dias: Conversa vai, conversa vem, os dois ficaram amigos. Não muito tempo depois, Osmar perguntou se Max sabia fotografar. Ele mentiu dizendo que sim e logo recebeu um convite inusitado:

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Ele falou "Olha, eu tenho um projeto que eu comecei com a empresa assim, assado lá em São Paulo. É uma área erótica. Aí eu falei "erótica ou pornográfica?". "Não, é erótica". "Não, pode ser aberto comigo até uma mente muito aberta em relação a isso". Tá aí, ele fez. "Olha, se tu conseguir um lugar pra mim instalar aqui e você vier trabalhar comigo, me dar todo apoio eu estou dentro". Eu falei "Rapaz, eu estou me separando da mulher. Não tenho problema com isso, não nenhuma. Começamos, eu desenrolei um flat, menos de um mês ele já estava aqui em Recife. Começamos o primeiro projeto. Nas praias desertas aqui que chamava Calheta, na época era deserta e começou. Ele me ensinou a fotografar.

Tiago Dias: Foi assim que a dupla passou uns dois anos viajando pelo Nordeste, procurando possíveis atores e atrizes para atuarem nos filmes:

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Nós fomos recrutar o pessoal. Fomos nas boates daqui de Recife. Foi tudo do zero, tudo do zero. Começamos a selecionar garotas, rapazes. Íamos em saunas gays para procurar rapazes e tudo mais.

Tiago Dias: Nas viagens, Max também dedicava um tempo procurando praias desertas para gravar as cenas.

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Aqui no nordeste a gente só procurava as praias porque era um. Para eles lá em São Paulo, como se gravava muito de motel. Era uma coisa inédita. Era totalmente externo, então. O pessoal começou a viajar muito na ideia do externo.

Marie Declercq: Depois de aprender tudo que podia nas viagens pelo Nordeste, Max chegou em São Paulo pronto para assumir as produções. Ele dirigiu todos os filmes, especialmente os de Carnaval e os héteros, que eram o carro-chefe da Brasileirinhas. E foi essa paixão do público pelos filmes héteros da produtora que pavimentou a estrada para a Brasileirinhas se tornar a maior produtora pornô do Brasil e, claro, pro surgimento do pornô de celebridades.

Quando os famosos chegaram a partir de 2004, a Brasileirinhas investiu pesado em produções mais caras. Foi o período em que a produtora, digamos, suavizou seu estilo. Pra quem não conhece, o estilão da Brasileirinhas é sexo hardcore, muito close na penetração, sem muita historinha. É um pornôzão hétero hard bem tradicional mesmo. Mas com o início dessa nova era no pornô, era preciso um verniz menos hardcore nas produções, justamente para deixar os famosos mais à vontade.

Pra isso, a Brasileirinhas foi atrás de um diretor chamado José Gaspar, para dar um toque mais "cinema" nos filmes. O Clayton Nunes, atual dono da Brasileirinhas, se lembra da chegada do Gaspar. Guardo o nome do Clayton, que a gente vai voltar a falar dele logo logo.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Clayton Nunes: É! Ele veio, ele veio com ideias revolucionárias, né? De pornô. De fazer meio que cinema mesmo.
Marie Declercq: É trazer o cinema pro pornô. É isso.
Clayton Nunes: É, ele tinha acabado de se formar. Um cara que tinha toda garra e toda expertise. Era bom pra caramba e fez.

Marie Declercq: A gente foi atrás do Gaspar, mas ele não topou falar com a gente sobre a passagem no pornô. Pelo Whatsapp, ele me disse até preferir deixar essa época pra lá: relembrar dela pode prejudicar o trabalho atual dele relembrar essa época. Hoje, ele trabalha no mercado de investimentos. O estilo do Gaspar não agradava todo mundo que era fã real de filme pornô, mas o Gil Bendazon concorda que a qualidade dos filmes do Gaspar realmente era ótima.

[ENTREVISTA COM GIL BENDAZON NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
Ele era um cara muito artístico. Você viu um filme dele e era muito bem produzido, tecnicamente era maravilhoso. O problema é que com a celebridade, você não via sexo explícito. O consumidor do pornô quer ver sexo, tá? Que nem eu brinco, ele quer ver pau no cu, pau na boceta, tá? Então lá você via muita arte, muita beleza, lindo.

Marie Declercq: Nessa fase, as produções ficaram mais ambiciosas. Os filmes tinham orçamento maior e locações luxuosas, que iam muito além dos quartos de motel. Não era só pensar no cenário pra transa, o José Gaspar também gravava sequências sérias para dar um ar hollywoodiano nas produções.

Tiago Dias: Um exemplo disso foi no filme estrelado por Mateus Carrieri e Rita Cadillac em 2007, "Fogosas e Furiosas", Sim, uma brincadeira com 'Velozes e Furiosos'. Até o túnel Ayrton Senna foi fechado para uma cena de racha. No filme, Mateus é um mecânico que analisa a situação do carro de Rita - e não, não é um Cadillac.

[DIÁLOGO ENTRE MATEUS CARRIERI E RITA CADILLAC NO FILME "FOGOSAS E FURIOSAS]
Mateus Carrieri: É, dona, o problema é simples, é só uma mangueira que está solta.

Tiago Dias: A câmera então foca em Rita se aproximando de Mateus.

Rita Cadillac: Não está mais...

Tiago Dias: Nessa Hollywood sacana, a onda era fazer paródia de clássicos e blockbusters. Mateus Carrieri vestiu trajes de época em "O Imperador", inspirado em "Gladiador", e encarnou Tom Cruise numa versão do filme "De Olhos Bem Fechados" chamada "Clube Privê". O "Clube Privê" começa com Mateus de smoking entrando num bar e encontrando um velho amigo pianista. O amigo fala de um lugar misterioso onde precisa entrar de olhos vendados para tocar, exatamente como no filme do Stanley Kubrick.

[DIÁLOGO EM "CLUBE PRIVÊ"]
Mateus Carrieri: Quanto mistério, hein.
Ator: Só que da última vez eles não colocaram a venda muito bem, eu nunca vi nada parecido na minha vida, nunca vi mulheres como aquelas.

Tiago Dias: Historinha, sequências de personagens caminhando por São Paulo, clima de suspense...

Marie Declercq: E sacanagem.

[TRECHO DE "CLUBE PRIVÊ"]
Mateus Carrieri: Baba nessa pica, agora punheta bem devagar..

Marie Declercq: Mas, por mais que a estrada da glória tivesse pavimentada, as pedras no caminho começaram a aparecer...

[TRECHO DE COMERCIAL CONTRA PIRATARIA EXIBIDO NOS ANOS 2000]
Narrador: O dinheiro que circula na pirataria é o mesmo que circula no crime organizado. DVD pirata é crime. Filme em DVD, só original.

Marie Declercq: O DVD se popularizou rapidinho nos anos 2000. Com essa democratização, vieram milhões de barraquinhas recheadas de cópias piratas com capas mal impressas que vendiam desde os filmes que ainda tavam em cartaz no cinema até a última novidade do pornô.

Essa invasão da pirataria emputeceu todo mundo. Imagina você andar pela rua e dar de cara com uma cópia de baixa qualidade do seu trabalho, vendida por alguns trocados, mas que te custou milhares de reais pra ser feito... É isso que o Luis Alvarenga, até então dono da Brasileirinhas, tava enfrentando nessa época.

O Alvarenga fechou um contrato em 2008 com a Band de lançar um canal por assinatura, o Sex Privê. Esse canal chegou a ser lançado e existe até hoje, mas deixou de ser comandado pela Brasileirinhas pouco tempo depois por motivos nunca revelados. A impressão que deu é que Alvarenga tava de saco cheio da pirataria e dos novos desafios que a pornografia tava trazendo e resolveu loho vender a produtora. E com isso, ele saiu de cena totalmente.

A gente tentou falar com ele algumas vezes, mas ele sumiu. E ninguém sabe direito o que ele tá fazendo. Cada um tem um palpite: abriu uma loja de motos, foi morar na gringa. Mas uma coisa a gente tem certeza: ele não saiu no prejuízo não.

Tiago Dias: Não dá pra dizer o mesmo do Maurício, o M.Max, que foi dispensado assim que a Brasileirinhas foi vendida. Na época, ele não tinha contrato que provasse o vínculo com a produtora. Depois de mais de uma década de dedicação, Max saiu com uma mão na frente e outra atrás.

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Eu passei 16 anos com o cara. Não tinha contrato, não tinha carteira assinada. O cara não me indenizou em nada. Simplesmente era a única fonte de renda que eu tinha na Brasileirinhas e simplesmente me deixou. E nessa época também fui roubado por um advogado em São Paulo e perdi meu apartamento e dois carros. Imagina a queda que eu levei. Fui procurá-lo. Ele veio dizer que estava na merda, na merda ele não tava, porque ele ficou milionário.Depois que os famosos entraram, ele ficou muito rico.

Tiago Dias: A decepção com o Alvarenga e o preconceito que o Max sofreu no mercado, justamente pelo passado no pornô, impediram ele de seguir trabalhando. Nos áudios que ele mandou para a gente, dá pra sentir uma saudade melancólica de uma época da sua vida que não volta mais.

[ENTREVISTA COM M.MAX]
Para você que não sabe foi umas das minhas melhores épocas da minha vida, entendeu? À frente do pornô. A vida que eu levava em São Paulo. Eu até hoje, 10 anos depois, eu sonho estando no set de filmagem, trabalhando.

Tiago Dias: Mas a nossa Kombi azul não dá ré. E enquanto o Max tava olhando no retrovisor, a Brasileirinhas passou a ser comandada por esse cara aqui:

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Sou Clayton Nunes. Tenho 46 anos. Sou proprietário das Brasileirinhas desde 2010. Trabalho com pornô desde 2000. 23 anos que eu trabalho com conteúdo adulto. Acompanhei todo o mercado. Acho que toda a evolução. De mídia do VHS pro DVD para o streaming. Entendo um pouco da área administrativa dessa parte de tecnologia. Sou um nerd aficcionado por pornografia. Sempre gostei.

Marie Declercq: O Clayton recebeu a gente no escritório da Brasileirinhas no centro de São Paulo, bem distante e diferente do clima bucólico da casa a gente visitou lá no começo desse episódio. O escritório fica na rua do finado Love Story, a casa de todas as casas, a boate era frequentada por policiais, bandidos, traficantes, playboys, patricinhas, garotas de programa e uma gama de gente completamente aleatória que incluía, veja só, Alexandre Frota.

Tiago Dias: Passando pela porta, demos de cara com jovens trabalhando em silêncio, naquelas bancadas comunitárias, uma vibe meio startup. Tinha até uma geladeira cheia de cerveja perto da copa. Mas foi só encontrar o Clayton, pra gente esquecer da vibe Faria Lima e lembrar que tava produzindo um podcast sobre filme pornô.

O Clayton parece que acabou de sair de uma cena do filme "Boogie Nights" do Paul Thomas Anderson. Ele sorri muito, e deixa à mostra seus dentes retos e branquíssimos. A camisa tá com uns botões abertos, ele usa uma corrente grossa em volta do pescoço, óculos estilo anos 70 e relógio grande. E sim, Ele é um baita de um nerd.

Foi ele quem percebeu que a próxima etapa da pornografia tava mesmo na internet. Ele foi um dos primeiros a desencanar de gravar filmes, pensando na venda e locação de DVDs e se dedicar a produzir conteúdo nonstop pro meio digital. O Clayton é o oposto do fundador da Brasileirinhas que mal sabia mandar um email sem a ajuda da secretária. Um cara 100% analógico.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Clayton Nunes: O Alvarenga acabou passando o bastão pra alguém que já estava na área de tecnologia, né? Ele não fez. Ele não curtia esse negócio de tecnologia. Cara, ele tinha uma secretária que acessava o computador pra ele.
Tiago Dias: O que que você enxergava, só pra entender, o que você enxergava quando você entra na Brasileirinhas, assim. Pro futuro.
Clayton Nunes: Vai ser aí. É isso aí. Vai ser streaming. Um belo dia a gente vai pegar a televisão, vai dar play e os filmes vão estar lá dentro. Não vai existir mídia física. Eu já vislumbrava isso como primórdio. Puts, cara.
Marie Declercq
: O resto da indústria também enxergava isso que você tava enxergando? Não, vai ser DVD pra sempre. É isso?
Clayton Nunes: Ninguém. Ninguém. Todo mundo foi embora. Não, vai vir um Blu-ray. Vai vir um? Puts, cara. Não vai, não vai. O negócio é outro, não vai. É vídeo na internet. "Que internet, cara, você é louco. Ninguém sabe o que é internet. Não viaja." Pô, não sei como vai ser, mas vai ser por aí. Num sei, não sou? Que vai ser, vai ser. Essa é a tecnologia. Não tem segredo.

Tiago Dias: Quando o Clayton chegou na Brasileirinhas, a fase das celebridades já tinha acabado. Ele não fez parte desse período, mas guarda os contratos em um armário trancado à chave na sua sala. É como um souvenir de uma época mágica.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Eu não participei das negociações. O contrato tá aqui, mas infelizmente eu não posso.

Tiago Dias: Nessa hora, eu apontei pro armário já amarelado, em contraste com o tom moderno do escritório.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Tiago Dias: Clayton, eu tô olhando aqui. O armário é só de famosos, né?
Clayton Nunes: Pô é o contrato sigiloso. O contrato que tem sigilo fica na minha sala e ninguém vai mexer.

Tiago Dias: Em cada gaveta, eu lia com dificuldade, alguns nomes que tão no hall da fama do pornô brasileiro.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Tiago Dias: Eu tô vendo. Agora eu bati o olho e vi Rita Cadillac.
Marie Declercq
: Gretchen, Mateus Carrieri. Esse aí a gente tá só, só
Tiago Dias: A gente tá a um passo aqui. E eu acabei de ver Zezinho. Zezinho era aquele?
Clayton Nunes: O anão. O anão do Pânico, né?
Tiago Dias: Ele entrou nessa fase.
Clayton Nunes: Ele fez também. Cara, veio todo mundo. Foi um negócio que veio todo mundo. Por isso que eu falei, saiu da margem. Pornô virou pornochanchada. Essa que é a verdade. Desmistificou. É a nova pornochanchada.

Marie Declercq: Se na época das celebridades o pornô virou a nova pornochanchada, após a Casa das Brasileirinhas o pornô virou o BBB, uma ideia concebida pelo Clayton. E como um bom startapeiro, ele se refere à Brasileirinhas não como uma produtora pornô, mas como uma empresa de tecnologia. Nesse caso, a gente pode até perfumar ainda mais e chamar a Brasileirinhas hoje de uma empresa focada em streaming erótico. Sei lá, um Netflix do sexo?

[VINHETA DA NETFLIX]

Marie Declercq: E esse "Netflix" da Brasileirinhas não tem pouca coisa não. Nesses mais de 30 anos de atividade, a produtora já lançou milhares de filmes. São tantos que ninguém soube dar um número exato.

Tiago Dias: Engraçado que, apesar da Brasileirinhas ter abraçado as novas tecnologias, em alguns momentos, ela parece ter parado na década de 90 em termos de pensamento e conteúdo. O próprio Gil Bendazon acredita que nada mudou esteticamente desde 1995. As cenas que a gente assistiu lá poderiam ter sido gravadas em qualquer época.

[GIL BENDAZON NA CASA DAS BRASILEIRINHAS]
O filme... é... ele não muda, tá? O filme pornô, ele nunca vai mudar. Ele vai mudar uma introdução, tá? Uma coisa diferente ou outra. O mercado funciona de 95 até hoje, para mim, igual. O sexo é igual. Um homem e uma mulher. O que muda é "ah, antes o cabelo era assim, a calça era puxada", mas... basicamente é igual. Não muda. O que muda é a tecnologia.

Tiago Dias: A tecnologia mudou sim, e a empresa se adaptou sob o comando de Clayton. A aposta na internet e no reality show foi o que carregou a produtora por duas décadas. A empresa diminuiu de tamanho, sem as grandes produções, mas continuou de pé. Agora, passados vinte anos da chegada do Frota, a Brasileirinhas enfrenta outra crise - mais uma vez ela se vê diante de um problema tecnológico.

Marie Declercq: Em novembro de 2022, a produtora paralisou a transmissão do programa. Clayton disse que isso aconteceu por causa de uma rescisão de contrato com a Pagseguro, empresa que faz parte do Grupo UOL e que era responsável pelo sistema de pagamento dos assinantes do site da Brasileirinhas.

Tiago Dias: Por causa disso, Clayton diz que perdeu o banco de dados de 20 mil assinantes. Ao podcast, a PagSeguro afirmou que encerrou o contrato por "ausência de interesse comercial".

Marie Declercq: A Brasileirinhas quer reaver esses milhares de assinantes porque são eles quem fazem a produtora manter o mesmo estilão há décadas. Esse pessoal é chamado carinhosamente de "punheteiros" pelo Clayton. Eles buscam a Brasileirinhas porque querem ver a estética produzidona dos filmes, com imagem em 4k, iluminação profissional, maquiagem pesada. é um público bem fiel.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Clayton Nunes: O cara que quer ver vídeo amador, vai pro XVideos e assiste. O cara que quer assistir uma produção tradicional de pornô, ele entra no Brasileirinhas e aí ele vai.
Marie Declercq: Com base no público que ele atende, Clayton diz que nunca acreditou muito nessa história de "pornografia pra mulheres" que ficou bastante popular anos atrás. Pelo contrário, ele acha que tudo isso é balela. Pra ele, pornô é coisa de homem hétero.
Clayton Nunes: É público novo. É público novo. É 26. 70% é homem. Eu acredito que é 99, mas tudo bem. O cara tá acessando do celular da mãe ou da irmã ou do computador da mãe e o analytics conta que é mulher, mas não é mulher. Não adianta, gente.
Marie Declercq: Quando teve essa fase de "ah, mulheres veem pornografia" e tal. Você nunca acreditou muito nesse papo, né? Porquê?
Clayton Nunes: Não acredito. Não acredito. Mulher quando quer sexo, ela sai na rua e faz sexo. O homem vai pra balada, gasta dinheiro e ele volta pra casa e assina o site da Brasileirinhas. Esquece, não é a mesma coisa. Não é a mesma coisa. Não adianta querer achar que mulher?não. Mulher quer sexo, ela vai na rua, ela vai no primeiro bar aqui, ela vai achar alguém interessante e vai ter sexo com o cara. Vai ficar assistindo? Mulher é diferente, né, cara? É outro bicho, pelo amor de Deus.
Marie Declercq: Não sei. Eu sou fã de pornografia. Eu acho que talvez...
Clayton Nunes: Ah, sei. Você curte assistir? Ou você curte pornografia ler?
Marie Declercq: Eu gosto de assistir pornografia. Sim, é um dos motivos que, enfim, eu escrevo sobre porngrafia há tantos anos.
Clayton Nunes: Você faz parte de uma minoria. Porque as mulheres que eu sempre converso. Elas gostam de ler. Isso existe.
Marie Declercq: Eu gosto de ambos. Eu aprecio todas as mídias envolvendo pronografia.
Clayton Nunes: A grande maioria não. A grande maioria das mulheres tem nojo da imagem do sexo, mas ela fantasia o sexo. Na minha cabeça é: o homem é visual e a mulher é imaginação. Então, a mulher quer ler o livro e imaginar aquela cena na cabeça dela. Quando ela vê aquilo, ela fala: "ah, meu. Não era assim que eu tava imaginando. Não tá muito divertido isso aqui. Não é assim que é muito legal". O homem não. Ele quer ver. Ele não imagina, ele não lê. Dificilmente o homem vai ler conto erótico. Não tem muito esse perfil. Óbvio, pra cada regra existem exceções. Mas eu digo da grande maioria porque a gente trabalha com maiorias, né?

Marie Declercq : O homem é visual. Mulher é só imaginação. Ai ai.

Essa mentalidade tão espalhada pela indústria pornô se reflete no tipo de sexo que aparece na maioria dos filmes da Brasileirinhas, que é o pornô hardcore. Que nem a gente disse: é um sexo mais pesado, com bastante tapa na cara, close fechado na penetração e sem nada de historinha. Pro espectador que não está acostumado com isso, as cenas podem ser chocantes. E costuma aparecer bastante como um argumento contra a indústria pornô.

Isso não é exclusividade da Brasileirinhas. Entre os anos 90 e 2000, outras produtoras também apostaram nesse estilo, como a Buttman e a Sexxxy. E parece que deu certo mesmo, porque o hardcore é a marca registrada do pornô brasileiro. O "pornô para mulheres" que perguntei para o Clayton foi um assunto que bombou bastante na indústria adulta por volta de 2014. Acabou virando uma espécie de nicho de mercado, com filminhos mais "românticos" que seriam, em tese, voltados pro prazer feminino. Isso é um outro papo pra discutir, porque eu não concordo com esse termo.

Só que essa negativa do Clayton de que é impossível uma mulher curtir pornô foi como um gancho para entender como é ser mulher na indústria e, principalmente, como são os homens que lideram ela. Talvez um dos maiores motivos que me fizeram escrever tantos anos sobre a indústria pornô é a possibilidade de conhecer de perto pessoas que supostamente seriam vilãs, monstros sem rosto para explorar a vida de mulheres.

Nem tudo é tão simples como a gente acha. São pessoas normais, que você encontra na fila do banco, fazendo mercado e na sala de espera de um médico. Nós fomos buscar relatos de muitas pessoas que trabalhavam na indústria na época. Muitas das celebridades, especialmente as mulheres, descrevem a passagem pela pornografia como traumática, mas nenhuma denunciou especificamente maus tratos vindo da Brasileirinhas.

Já as atrizes que não trabalham mais na indústria e seguiram com suas vidas, como é o caso da Mônica Mattos, não quiseram falar com a gente. No caso da Mônica, ela entrou com um pedido extrajudicial pra tirar os filmes dela do site da Brasileirinhas. E ela se posiciona contra a existência de pornografia atualmente nas redes sociais.

[ENTREVISTA COM CLAYTON NUNES NO ESCRITÓRIO DA BRASILEIRINHAS]
Marie Declercq: A Mônica, ela pediu pra tirar, né?
Clayton Nunes: A Mônica entrou em contato. Não sei se ela queria alguma grana ou se ela queria tirar o conteúdo. A advogada entrou em contato, não foi ela. Eu tenho ela no Instagram e era só me chamar e falar: "Ô, tira aí. Não tem mais nada a ver. Arranca esse negócio". Mas não. Entrou em contato uma advogada perguntado. E aí a gente já não tinha mais, como é que fala? A gente não tinha um conteúdo dela muito relevante. Não era tão procurado. Tá bom. Tiramos.
Marie Declercq: Não tem mais nada dela lá no site?
Clayton Nunes: Da maioria das pessoas que pediram pra tirar, gente tira.
Tiago Dias: Então é tranquilo pra vocês. Se precisar. Se alguém?
Clayton Nunes: Puts, cara. Normal, né velho. Não tem nem necessidade de manter isso lá.

Marie Declercq: Mas a pornografia não está e nunca estará alienada do mundo em que a gente vive. Então não deixou de ser esquisito, especialmente pra mim que sou mulher, ver como os homens que trabalham nesse meio lidam com a questão do gênero.Não dá pra negar que, depois de um tempo, as mulheres que trabalham na área deixam de ser vistas como pessoas, e passam a ser tratadas como um mero instrumento de trabalho.

Tiago Dias: Isso, inclusive, me lembrou do papo que tivemos com a Fabi Thompson. Ela disse que esse preconceito tá em todo lugar, inclusive nas pessoas que trabalham no mercado

[ENTREVISTA COM FABI THOMPSON]
Fabi Thompson: Mas tinha muitas pessoas que trabalhavam no pornô e condenavam aquele trabalho mesmo, não gostavam, não queriam ser vistos com a gente. Ia jantar no restaurante e a pessoa queria ficar longe de você. Acho que rolava em todos os ambientes. Mas até do pessoal que trabalha mesmo, da produção rolava muito isso. As pessoas se sentiam superiores. Tipo: "Ai nossa, essas pessoas são?" Isso rolava muito com a gente, muito mesmo.
Tiago Dias: "Essas pessoas" com as atrizes?
Fabi Thompson: É, nós, né? Os atores. Rolava demais.
Tiago Dias: Sendo que vocês eram a cara dessa indústria, né?
Fabi Thompson: Exatamente.

Tiago Dias: Tá em todo lugar, mas aqui enxergamos isso sem cortes e sem roupa. No próximo episódio, você vai conhecer uma dessas mulheres que passaram pelo pornô e não têm uma lembrança legal para contar. Da mulher que atiçou a mente de homens desde os anos 70 e que personifica a abertura sexual que o Brasil viveu nas últimas décadas. Apertem os cintos: a gente vai trocar a kombi azul por um Cadillac.

[TRECHO DA MÚSICA "É BOM PARA O MORAL"]

O podcast Brasil para Maiores tem apresentação, roteiro e pesquisa de Marie Declercq e Tiago Dias. O roteiro também foi feito por Fernando Cespedes que adaptou o projeto para podcast. O desenho de som e a montagem são do João Pedro Pinheiro. A produção é da Marie Declercq, da Natália Mota e do Tiago Dias. O design é do Marcos Antonio Alves de Lima Júnior. A direção de arte é da Gisele Pungan e do René Cardillo. A coordenação é da Juliana Carpanez e da Olívia Fraga. O podcast é um produto de UOL Prime, com coordenação de Diego Assis e Leonardo Rodrigues. O projeto também conta com Alexandre Gimenez e Antoine Morel, gerentes de conteúdo, e Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

Agradecimentos à Bianca Soares, M.Max, Clayton Nunes, Tony Tigrão e toda a equipe da Brasileirinhas. Um agradecimento especial ao Gil Bendazon que ajudou também com a captação de áudio.

Este episódio usou áudios do canal Jornal Contramão no YouTube, da Brasileirinhas, da União Brasileira de Vídeo e da Netflix; e trilhas do Epidemic Sound. // trilhas do Epidemic Sound, além da música "É Bom Para o Moral", interpretada por Rita Cadillac.