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Brasileirinhas: bastidores da época em que famosos transaram por dinheiro

Arte UOL/Brasileirinhas
Imagem: Arte UOL/Brasileirinhas

Do TAB, em São Paulo

09/03/2023 04h00

Era 2004 quando Alexandre Frota bateu à porta de um escritório na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, com nada na mão e uma ideia na cabeça: estrelar os filmes da Brasileirinhas, uma das principais produtoras eróticas do país.

Endividado, devendo pensão alimentícia e sem ter onde morar, o ator e futuro deputado federal foi recebido pelo dono da produtora, Luis Alvarenga. O homem sério, como um empresário de qualquer ramo, riu ao ouvir a proposta.

Era impensável vislumbrar um ex-galã global fazendo pornô. Mas Frota insistiu. Queria R$ 500 mil e um apartamento como cachê. Duas semanas depois, estava em uma casa em Búzios (RJ) filmando "Obsessão", em que contracena com dez atrizes escolhidas a dedo.

Quem aderiu ao segmento logo depois foi outro nome de peso: Rita Cadillac, que estrelou "Sedução". A imprensa foi à loucura. Ao ver Frota e Cadillac transando —inclusive entre si— nas telas, o país testemunhava o início de uma nova era, que se estenderia por cinco anos e transformaria nossa cultura pop. Estava inaugurado o pornô de celebridades.

Detalhes dessa história bem brasileira e de muitas outras poderão ser ouvidos no podcast "Brasil para Maiores", produzido pelo TAB. O programa contará, em sete episódios, os bastidores dos tempos de ouro do pornô brasileiro e de seus protagonistas. Ouça abaixo a estreia, em primeira mão.

Mas, se você curte spoilers, continue a leitura aqui

Eles deram a bunda a tapa - Arte UOL/Reprodução - Arte UOL/Reprodução
Imagem: Arte UOL/Reprodução

Os filmes de Frota e Rita na Brasileirinhas venderam milhões de cópias e tiraram o antes "sujo" e "marginal" cinema adulto das salinhas escondidas nas locadoras. O sucesso foi instantâneo e criou um efeito dominó. Em questão de meses, o pornô atraiu de ex-paquita a ex-ator mirim. De ex-BBB a ex-namorada de jogador de futebol.

Bastava uma celebridade —ou subcelebridade— aparecer algumas vezes na TV, ou bolar uma aparição pública polêmica, que já cumpria o requisito.

O cachê milionário de Gretchen

No auge do fenômeno, que durou entre 2004 e 2009, o elenco da Brasileirinhas passou a receber famosos que viviam momentos de baixa na carreira e precisavam fazer o salário subir.

A produtora só confirma o que pagou a Frota, mas não nega que a remuneração mais polpuda foi a de Gretchen. Estima-se que, por um único filme, a rainha do rebolado embolsou R$ 1,5 milhão —quase R$ 4 milhões, corrigidos pela inflação—, equivalente a um prêmio do "Big Brother Brasil" nos anos 2000.

"A gente entra pela grana. Não me arrependi", admite ao podcast Marcia Imperator, musa do quadro Teste de Fidelidade do programa de João Kléber na RedeTV!, contratada da Brasileirinhas por dois anos.

Mateus Carrieri divulga o filme "O Imperador" - Divulgação - Divulgação
Mateus Carrieri divulga o filme "O Imperador"
Imagem: Divulgação

Grandes estrelas, grandes produções

Além de excitar —e escandalizar— parte da sociedade brasileira, a entrada de famosos na pornografia mudou a rotina de atrizes, atores e funcionários que faziam as engrenagens dessa indústria girar.

Foi nessa época que os cenários ficaram mais ambiciosos, e os figurinos, mais elaborados. Filmes da Brasileirinhas passaram a exibir verniz cinematográfico com plano-sequência, diálogos e tudo a que se tinha direito em um longa-metragem tradicional.

A ideia de Alvarenga era gerar uma produção de "alto padrão": mais leve, com menos cenas de penetração e mais "historinha". Com isso em mente, contratou José Gaspar, um estudante de cinema com talento para dirigir celebridades e criar versões picantes de títulos de Hollywood.

O resultado não agradou o fã mais "raiz" de cinema adulto, mas o dinheiro jorrou.

"Ele [Gaspar] veio com ideias revolucionárias de pornô. De fazer meio que cinema, mesmo. Tinha acabado de se formar. Um cara que tinha toda a garra e toda a expertise. Era bom pra caramba e fez", diz ao podcast Clayton Nunes, atual dono da Brasileirinhas.

Bumbum proibido de Frota

Por ser o criador informal deste subgênero, Frota tirou máximo proveito da nova profissão. Foi protagonista de 19 filmes de sexo explícito, transou com dezenas de atrizes, ganhou muito dinheiro e fez exigências que iam além da escolha de elenco.

"Não podia gravar muito o bumbum dele, não entendo o porquê", diz o maquiador Gugu Di Capri. "O que eu não gostava é que ele sempre preferia gravar à noite. A gente tinha que parar de madrugada, amanhecer o dia. Era cansativo."

 Leila Lopes (1959-2009) posa para divulgar filme na Brasileirinhas - Reprodução - Reprodução
Leila Lopes (1959-2009) posa para divulgar filme na Brasileirinhas
Imagem: Reprodução

O inferno de Leila

Frota não foi o único a demandar. A também ex-global Leila Lopes exigiu um cachê de R$ 2 milhões (hoje R$ 6 milhões) e recebeu uma contraproposta de R$ 450 mil (R$ 1,4 milhão atualmente) por três filmes —o contrato foi assinado em 2007, com a pirataria em alta, e os grandes salários já começavam a minguar.

Sem margem para negociar, ela aceitou o valor, mas pediu uma superprodução inspirada na obra de Nelson Rodrigues, que retratava os desejos e a hipocrisia da classe média brasileira a partir dos anos 1950. E assim foi feito.

A protagonista ganhou nome e profundidade, ao contrário de outras narrativas pornôs. Ela era Marlene, uma mulher provocante com mãe, pai, irmã e empregada —papéis interpretados por atores comuns que só davam texto e não participavam das cenas de sexo. "A Leila viu nos filmes a oportunidade de realmente ganhar dinheiro", diz ao podcast Cacau Oliver, ex-assessor da atriz.

À beira dos 50, numa época ainda mais cruel com as mulheres, Leila sentia o ostracismo rondar. Mas a estratégia de retornar aos holofotes não surtiu efeito. Em 2009, ela se suicidou em seu apartamento no Morumbi, em São Paulo.

Quem a conheceu diz ser injusto relacionar a tragédia pessoal com o final da era de pornografia de celebridades, mas sua morte tornou-se simbólica como o fim da era de celebridades no cinema adulto.

'Viagra' para descobrir talentos

Alvarenga, dono da Brasileirinhas, participava ativamente apenas das negociações com celebridades, como aconteceu com Leila. Mas ele não se envolvia diretamente com os filmes e o restante do elenco. O trabalho de casting era feito por diretores e produtores.

Os primeiros anos da produtora, nos anos 1990, tiveram como foco filmes com mulheres trans e travestis —com quem Alexandre Frota chegou a contracenar nos anos 2000. Eram as categorias mais apreciadas no mercado externo.

Naquela época, a produção e a busca pelo elenco eram feitos em uma Kombi azul, apelidada de "Viagra". A bordo dela, o motorista Ribamar e o diretor Maurício Machado, o M.Max, rodavam pelas ruas do centro paulistano para selecionar atrizes.

"Eu ia na Amaral Gurgel [rua no centro de São Paulo] conversar com elas. Não era fácil. Achavam que era bandidagem. Umas queriam vir para cima. Mas, depois, começaram a ficar famosas. Muitas delas se deram muito bem lá fora", diz o ex-diretor, hoje dono de uma barbearia em Fortaleza.

Rita Cadillac em foto de divulgação da Brasileirinhas  - Divulgação - Divulgação
Rita Cadillac em foto de divulgação da Brasileirinhas
Imagem: Divulgação

'Assunto encerrado'

Relatos de traumas e dores são comuns entre as celebridades que fizeram pornografia no Brasil. O podcast bem que tentou, mas a esmagadora maioria negou entrevistas sobre o assunto. A meta era ganhar dinheiro. Ponto final.

A passagem pelo pornô permitiu a Rita Cadillac pagar dívidas e comprar a casa em que vive em São Paulo. Também abriu caminho para a ex-chacrete ganhar sobrevida no teatro, em programas de humor na TV e em uma página no OnlyFans, em que continua apostando no erotismo.

Matheus Carrieri e Gretchen simplesmente deram o assunto por encerrado. "Já falei na época e acabou. Passado é passado", disse Gretchen.

Frota virou evangélico em 2009 e começou uma carreira igualmente caótica na política. Ele já disse ter se arrependido da fase de ator pornô, principalmente pela "hipocrisia do brasileiro".

A atriz Vivi Fernandez, que contou com indicação de Alexandre Frota para entrar na Brasileirinhas - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Vivi Fernandez contou com indicação de Alexandre Frota para entrar nas Brasileirinhas
Imagem: Reprodução/Instagram

Em um país onde desejo, moral e ódio andam juntos, o público e a imprensa não perdoaram quem decidiu atuar em filmes de sexo explícito. "É uma gaveta que não quero mais abrir", diz Rita Cadillac, em conversa com o podcast.

Internet decretou o fim

Empresas como a Brasileirinhas e outras produtoras cometeram um erro que se mostraria fatal, a partir da segunda metade dos anos 2000: apostar todas as fichas na mídia física, ignorando o avanço da internet de banda larga.

O mundo já vinha mudando. A rede Blockbuster chegou ao país ainda nos anos 1990 e fagocitou centenas de locadoras de bairro. E esses fechamentos já levaram embora salinhas reservadas para exibição de pornô, que rendiam muito dinheiro.

Nas ruas, crescia o número de barraquinhas de DVDs piratas vendidos por alguns trocados. Para piorar, sites de streaming, como XVideos e PornHub, começaram a pipocar em 2006, disponibilizando filmes inteiros no esquema "0800". Estava claro que aquele mundo ficaria para trás.

Quem notou isso antes, como Clayton Nunes, que já trabalhava com pornografia na internet na SexSites, se deu bem. Foi para ele que Luis Alvarenga, já cansado do meio, vendeu a Brasileirinhas. Saiu com os bolsos cheios, direto para o anonimato.

Capa do DVD do filme "Puro Desejo", com Frota e Cadillac - Reprodução - Reprodução
Capa do DVD do filme "Puro Desejo", com Frota e Cadillac
Imagem: Reprodução

O gênero de celebridades foi uma experiência quase única na indústria pornográfica e, querendo ou não, uma história bem brasileira, que antecipou um fenômeno crescente: as celebridades e influencers que entram no OnlyFans para produzir conteúdo erótico.

Clayton tem apenas uma certeza ao revisitar a era das vacas gordas pré-streaming e redes sociais: os tempos de celebridades no pornô, da forma como aconteceu, nunca se repetirão.

"A viabilidade disso é impossível", sentencia o empresário.

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