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Recordista carcerário, EUA tentam libertar presos para evitar surtos

Prisões dos EUA afrouxam regras para conter surto de coronavírus - Foto: NeONBRAND/ Unsplash
Prisões dos EUA afrouxam regras para conter surto de coronavírus Imagem: Foto: NeONBRAND/ Unsplash

Fernanda Ezabella

Colaboração para o TAB de Los Angeles

20/03/2020 04h00

Enquanto os moradores de Los Angeles começavam a engrenar na prática do "distanciamento social", ativistas e autoridades se preocupavam com outra população que passa longe de ter esta opção para evitar o contágio do coronavírus. O objetivo é evitar experiências de surto e rebeliões como as que aconteceram em prisões da China, Itália e Brasil.

Nas prisões estaduais e federais dos EUA, país com a maior população carcerária do mundo, mais de 2 milhões de presos são proibidos de ter acesso a desinfetantes como álcool gel por temor de serem usados na fabricação de bebidas alcoólicas. Para lavar as mãos, é preciso permissão -- e cuidados médicos não são gratuitos, tampouco sabonete.

Nas duas últimas semanas, o condado de Los Angeles libertou mais de 600 presos que tinham menos de 30 dias para finalizar suas sentenças, reduzindo a população para 17 mil. No entanto, uma coalizão de promotores vem pedindo para que a medida seja ampliada para quem tenha ainda até seis meses de sentença.

Os departamentos de polícia da região também diminuíram as detenções diárias de 300 para 60 para conter o número de presos. Quem não representa perigo à sociedade tem sido apenas autuado. E quem esperava preso por não poder pagar fiança de até US$ 50 mil, foi libertado.

"Nossa população dentro de nossas prisões é uma população vulnerável por serem quem são e por estarem onde estão. Portanto, vamos protegê-la de exposições em potencial"

Alex Villanueva, xerife do Departamento de Polícia do Condado de Los Angeles

Ainda que devagar, outros estados do país estão tomando iniciativas parecidas, como condados no Texas, Colorado e Pensilvânia. Em Ohio, foram criadas audiências especiais para acelerar o número de pessoas libertadas de cadeias locais.

Os centros de detenção dos EUA não registraram oficialmente nenhum caso de covid-19, a doença causada pelo coronavírus, mas em Los Angeles há pelo menos 35 presos em quarentena em três prisões após apresentaram sintomas. O condado proibiu temporariamente visitas para conter contaminações.

Itália, China e Imigrantes nos EUA

Cadeias são amplificadores notórios de doenças infecciosas. No Irã, um dos países mais afetados pelo covid-19, cerca de 54 mil prisioneiros foram libertados temporariamente no começo do mês. Na China, a queda no número de novas infecções chegou a ser revertida brevemente após surtos explodirem em cinco prisões, infectando mais de 500 presos.

Já na Itália, sete presidiários morreram, mas não de covid-19 e sim de violência após rebeliões em 25 prisões do país devido a superlotações e medidas impostas pelo governo, como cancelamento de visitas.

Até o ICE, responsável pela detenção de imigrantes ilegais nos EUA, anunciou na quarta-feira (18) que reduzirá suas ações em meio à pandemia. O foco agora será apenas ilegais com ficha criminal, ao contrário do que fazia até segunda-feira (16) nas ruas de Los Angeles, por exemplo -- mesmo dia em que o governador do estado pediu à população cautela com a doença.

Os centros de detenção de imigrantes ilegais, separado do sistema prisional americano e administrados por empresas privadas, são alvos constantes de críticas devido a superlotação, maus cuidados de higiene e violência. No momento, cerca de 38 mil pessoas são mantidas à espera de deportação.

Na segunda-feira, o grupo American Civil Liberties Union (ACLU) pediu para uma corte federal obrigar as autoridades do ICE a liberar um grupo de imigrantes doentes de um centro de detenção em Seattle por causa do surto de covid-19 na região. A cidade foi a primeira a registrar mortes nos EUA, numa casa de idosos, onde 29 pessoas já morreram desde março.

"Reduzir imediatamente"

A ativista Kelsey Kauffman, estudiosa do assunto carcerário e fundadora de um programa de educação no sistema penitenciário feminino de Indiana, lembra que grande parte da população prisional tem condições de saúde mais precárias do que a média normal: 20% dos detentos sofrem de asma, 26% de pressão alta e 7% de diabetes.

Para ela, o único de jeito de nivelar a curva é agir muito antes do aumento do número de infecções. "Reduzir imediatamente e drasticamente a população carcerária pode parecer uma reação exagerada hoje", disse Kauffman, autora do livro "Prison Officers and Their World" (Autoridades Carcerárias e Seu Mundo, numa tradução livre, ed. Harvard University Press, 1988).

Em apenas algumas semanas, não fazer isso poderá ser considerada uma das grandes tragédias de saúde pública de nosso tempo.

Kelsey Kauffman, fundadora de um programa de educação no sistema penitenciário feminino de Indiana (EUA)

A organização sem fins lucrativos Last Prisoner Project criou uma petição online na quarta-feira (18) pedindo uma série de medidas para proteger a população carcerária. Entre elas, estão liberdade condicional para maiores de 65 anos, acesso gratuito a telefonemas e assistência médica e libertação imediata de condenados por crimes relacionados a maconha.

Dos 2,3 milhões de presos nos EUA, mais de 450 mil são por ofensas relacionadas a drogas, incluindo 40 mil por cannabis, mesmo em estados onde o uso da planta é legalizado. "A melhor forma de diminuir o número de presos imediatamente é liberar os condenados por uso de maconha, porque eles nunca deveriam ter sido presos de qualquer jeito", disse DeAngelo. "Precisamos pressionar as autoridades para tomar estes passos. São passos simples e humanitários."