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Milionários procuram bunker antiatômico de luxo para fugir da Covid-19

O canteiro de obras para a construção do condomínio Survival Condo - Divulgação/ Survival Condo
O canteiro de obras para a construção do condomínio Survival Condo Imagem: Divulgação/ Survival Condo

Edilson Saçashima

Colaboração para TAB

18/06/2020 04h00

Comprar um imóvel não é a primeira ideia que vem à cabeça em uma época de pandemia, mas se você tiver alguns milhões de dólares no bolso, talvez um lugar seguro seja tudo o que deseje adquirir agora. Ricaços estão procurando o Survival Condo, um bunker nos EUA que diz ser à prova de Covid-19. O espaço é um antigo silo de míssil nuclear, transformado em condomínio de alto padrão e que, com a crise sanitária, virou sonho de consumo de muitos milionários.

"Nós tivemos uma aumento considerável de procura, mas há uma diferença: as pessoas estão mais sérias ou preocupadas. A maioria menciona especificamente a preocupação com o novo coronavírus. Geralmente, nós temos que fazer um esforço de venda para levar as pessoas para conhecer o local e, agora, os clientes parecem ter urgência. Muitos diziam já estar familiarizados com nossos bunkers e sempre tiveram interesse, mas a pandemia transformou isso em uma prioridade", diz Larry Hall, responsável pelo projeto, ao TAB.

O site do Survival Condo traz a seguinte informação: "nosso sistema de filtragem nuclear, biológico e químico (NBC) pode filtrar patógenos como a Covid-19. No entanto, não podemos garantir que você não irá contrair o vírus por contato direto ou indireto com uma pessoa ou objeto infectado antes ou depois de chegar em nossas instalações". Para a reportagem, Hall afirmou que ninguém que possua sintomas de Covid-19 terá permissão de acesso ao local — e que será solicitada a realização do teste antes de entrar.

Meu bunker, minha vida

A pandemia pode ter acelerado a procura, mas o perfil de comprador não mudou. Quem busca o abrigo são aquelas pessoas que demonstram preocupação com o "número crescente de ameaças que o mundo está enfrentando", nas palavras de Hall.

Um desses clientes é o empreendedor Tyler Allen, de 51 anos. Ele começou a pensar em como sobreviver em situações de risco após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Desde então, diz ter adquirido vários "locais fortificados", sendo um deles o Survival Condo. Em entrevista realizada no início da pandemia, Allen disse estar "altamente alerta" em casa, avaliando o nível de ameaça para a sua família e para a continuidade de seus negócios. "Se, de repente, não puder mais tocar meus negócios, vou para uma boa estadia em uma das instalações, provavelmente a de Larry [Hall], porque é biologicamente fortificada", afirmou.

Não foi só Allen que teve essa ideia. A pandemia fez com que alguns proprietários já passassem uma temporada no Survival Condo. "Nenhum deles está usando o local como residência principal, apesar de ser possível", diz Hall.

Nos quartos do condomínio, telas simulam janelas e suas paisagens - Divulgação/ Survival Condo - Divulgação/ Survival Condo
Nos quartos, telas simulam janelas e suas paisagens
Imagem: Divulgação/ Survival Condo

Sobrevivência debaixo da terra

Para quem mudar de ideia e optar por um longo período de isolamento social, o local possui estrutura para ser autossuficiente por até cinco anos. Com capacidade para abrigar em torno de 70 habitantes, o condomínio foi construído debaixo da terra em algum lugar do Kansas — que é mantido em segredo pelo responsável pelo projeto. Toda a infraestrutura foi adaptada para a vida subterrânea, mas há as amenidades tradicionais de um residencial, como piscina, academia e spa.

O Survival Condo também possui espaços típicos da vida normal da superfície, como sala de aula, biblioteca, cinema, bar, loja e farmácia, por exemplo. Um cantinho foi reservado para o passeio do pet que precisa sair do confinamento do apartamento e uma plantação hidropônica orgânica, além da prática de aquacultura, contribuem para a provisão de alimentos.

A piscina do bunker de luxo - Divulgação/ Survival Condo - Divulgação/ Survival Condo
A piscina do bunker de luxo
Imagem: Divulgação/ Survival Condo

O suprimento de papel higiênico poderia ser uma questão para os refugiados da pandemia, já que, no início da pandemia, houve uma corrida para estocar o produto — que logo sumiu das prateleiras dos supermercados. O bunker oferece outra solução: estocar papel higiênico para tantas pessoas e por um período tão longo exigiria um enorme espaço de armazenamento. Decidiu-se então instalar vasos sanitários "inteligentes", que executam diversas funções de higienização e limpeza.

Casa do míssil nuclear

Antes de abrigar humanos em busca de proteção, o local era o lar de mísseis intercontinentais capazes de carregar uma ogiva nuclear. Construído na década de 1960, o lugar foi projetado para manter o míssil Atlas da série F — primeiro míssil balístico intercontinental dos Estados Unidos. Ele foi desenvolvido alguns meses depois do lançamento do Sputnik ao espaço pela União Soviética. Na época, o Atlas foi considerado a grande esperança americana de um míssil capaz de atingir alvos soviéticos a partir de bases norte-americanas.

A série F se refere à versão mais avançada do míssil, e foi projetada para ser armazenada na posição vertical, em um silo subterrâneo de concreto e aço. Para ser capaz de suportar um ataque nuclear, o silo possui uma estrutura reforçada: o concreto foi misturado com resina à base de epóxi, além de contar com 600 toneladas de vergalhão de aço. Na parte superior, as paredes chegam a ter quase três metros de espessura. Os EUA construíram 72 silos de mísseis Atlas F, distribuídos em seis estados. Na época, a estrutura básica de cada silo custou cerca de US$ 15 milhões. Em valores atualizados, seria algo em torno de US$ 130 milhões, o que dá uma noção de quanto vale o pedaço de chão que cada morador pisa no Survival Condo.

Com o desenvolvimento da tecnologia, os mísseis Atlas se tornaram obsoletos. Em meados de 1965, os silos de mísseis Atlas foram desativados. Muitos deles foram parar nas mãos dos antigos proprietários daquelas terras. Outros foram entregues aos governos locais.

Com o tempo, muitas propriedades onde ficavam os silos foram vendidas para cidadãos comuns; alguns foram renovados e se tornaram casas subterrâneas. É aí que Larry Hall entra na história.

Hall fazia projetos de data centers para contratados do governo norte-americano quando houve o 11 de Setembro. O atentado fez com que ele tivesse a ideia de construir data centers reforçados, capazes de suportar um ataque nuclear. Em 2008, ele pensou em executar seu plano, mas percebeu que havia um excesso de data centers no mercado. "Foi então que decidi proteger pessoas, ao invés de computadores", diz.

Com US$ 300 mil, comprou o que viria a ser o Survival Condo. O projeto para transformar o silo no atual prédio subterrâneo com 15 andares e 12 apartamentos custou cerca de US$ 20 milhões.

Novos vizinhos

Em maio de 2020, enquanto o número de casos de Covid-19 atingia o pico nos EUA, duas unidades do condomínio-bunker receberam propostas de compra e estão agora sendo negociadas. Caso as vendas se concretizem, restarão seis unidades no condomínio, segundo a imobiliária responsável pela transação.

São um ou dois apartamentos por andar e os preços variam entre US$ 1,2 milhão e US$ 2,4 milhões (entre 6 e 12 milhões de reais, aproximadamente). Além deles, há duas unidades menores, chamadas de "hotel", que saem por US$ 500 mil (cerca de 2,5 milhões de reais) cada. Estão inclusos no valor o treinamento obrigatório de sobrevivência e um estoque de alimento por pessoa. Quem tiver interesse (e dinheiro) para se mudar para o condomínio, deve passar por um processo que inclui investigação de antecedentes criminais e comprovação de fundos para fazer a compra.

A academia é de uso comum no bunker - Divulgação/ Survival Condo - Divulgação/ Survival Condo
A academia é de uso comum no bunker
Imagem: Divulgação/ Survival Condo

Para uma visita ao local é preciso assinar um termo de confidencialidade, uma vez que o endereço é mantido em segredo. Se não quiser visitar o bunker pessoalmente antes da compra — e preferir se mudar apenas quando surgirem os primeiros sinais de uma ameaça —, o interessado pode optar por fazer um tour em vídeo pelo apartamento.

Reunião de (futuro) condomínio

Brasileiros já sondaram o abrigo, mas nenhum chegou a visitar o local. Se dinheiro foi o motivo para descartar o imóvel, não é preciso perder as esperanças: o mercado norte-americano de bunkers dispõe de diversas opções de ofertas. É possível, por exemplo, construir um bunker com menos de US$ 25 mil (cerca de 125 mil reais). No outro extremo, onde se encontra o Survival Condo, estão projetos que podem passar dos US$ 100 milhões (cerca de 500 milhões de reais).

Um grupo de sauditas, por exemplo, mostrou interesse em comprar um complexo inteiro de silo de míssil. No local, a ideia é construir uma mesquita e um heliporto subterrâneo. As negociações estão em andamento e, aparentemente, não foram finalizadas ainda por uma divergência entre os futuros vizinhos. As partes interessadas não haviam entrado em acordo sobre as diferentes customizações que gostariam de incluir no imóvel. Pode ser um primeiro sinal de que uma reunião de condomínio no bunker de luxo seria tão complicada quanto a do mundo aqui fora.