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Por que é tão difícil admitir que estamos errados? A psiquiatria explica

Ante Hamersmit/Unsplash
Imagem: Ante Hamersmit/Unsplash

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

13/06/2020 04h00

Teimosia, falta de empatia, polarização política. Nós costumamos encontrar diversas justificativas para quando não conseguimos convencer outra pessoa de que ela está errada, mesmo quando todos os fatos apontam que está. E quando alguém finalmente muda de ideia — seja ao se convencer de que a Terra é redonda, de que o distanciamento social é sim uma medida eficaz contra o novo coronavírus ou de que determinado post foi ofensivo nas redes sociais — é difícil ver alguém publicizando seu arrependimento.

Mudar de opinião e falar sobre isso não é simples, e há décadas a psicologia vem tentando entender por que costumamos ser tão cabeças-duras. Mais recentemente, a neurociência também entrou nessa área, principalmente com os estudos do laboratório britânico Affective Brain Lab, da UCL (University College London). O TAB conversou com a diretora, Tali Sharot, e com o psiquiatra brasileiro Rodrigo Martins Leite, diretor de relações institucionais do IPq USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo) para entender quais são as raízes científicas desse problema, e como ele se manifesta socialmente.

Por que é difícil admitir que erramos? Para Sharot, a pergunta deve ser outra. "O problema não é necessariamente que a gente saiba que está errado e não admita. Na verdade, não percebemos que estamos errados", explica ela. A neurocientista pesquisa, há quase 20 anos, como o nosso cérebro reage à chegada de novas informações, e descobriu que ele não grava tão bem aquelas que vão contra o que acreditamos — principalmente quando são negativas. "Há maneiras de saber quais mudanças de atividade cerebral deveríamos observar quando você recebe uma informação nova. E conseguimos ver que há menos 'gravação' acontecendo quando a informação não é desejável ou contrária ao que você acredita", explica a neurocientista. "Isso ocorre principalmente nas regiões frontais, mas elas estão conectadas a regiões subcorticais que estão envolvidas com emoção, motivação, memória etc." E o problema não para por aí.

Só acredita quem quer. Além de literalmente guardar menos os fatos que contrariam nossas crenças, nós nem vamos atrás deles, afirma a pesquisadora. "Descobrimos que as pessoas são mais propensas a procurar informações desejáveis e mais propensas a acreditar e reforçar suas crenças quando recebem informações desejáveis", relata. Sharot e sua equipe conseguiram enxergar, no cérebro, o funcionamento do que conhecemos hoje como vieses cognitivos.

Vieses, sempre eles. Há registros de ao menos 120 vieses cognitivos, mas o mais famoso é, sem dúvida, o viés de confirmação, segundo o qual procuramos e aceitamos com mais facilidade informações que confirmam aquilo em que já acreditamos. "Isso significa que você tem menos chances de encontrar informações que vão contra o que você acredita", reforça Sharot. Um teste desenvolvido em 2015 pelo New York Times (você pode fazê-lo aqui, em inglês), envergonha muita gente que acredita estar imune ao viés de confirmação. Quando confrontados com uma informação que desbanca aquilo em que acreditamos — principalmente numa discussão acalorada —, entram em jogo as emoções para 'proteger' nossas posições. "Quando estamos tomados por alguma emoção forte, fica mais difícil ainda a dialética da conversa, porque as pessoas não estão debatendo ideias, e sim paixões", explica Leite, da USP. "Isso fortalece a sua opinião prévia sobre o assunto."

Só sei que nada sei. Outro viés bastante popular para explicar a nossa dificuldade em reconhecer uma crença errada é o efeito Dunning-Kruger, lembra Leite. Os dois pesquisadores que dão nome ao efeito realizaram, em 1999, um estudo demonstrando que as pessoas que possuem pouco conhecimento sobre um assunto costumam ser mais confiantes e acreditam saber mais que a média. Isso se dá porque elas não têm conhecimento suficiente para serem capazes de perceberem e admitirem seus próprios erros. Por outro lado, aqueles que são gabaritados em determinado tema também têm uma visão distorcida sobre seu próprio nível de conhecimento. Essas pessoas acham que os outros estão tão bem informados quanto elas, então tendem a subestimar suas habilidades. "Quanto menos formação você tem em um assunto, menos preparo cognitivo, mais você acredita piamente na sua opinião sobre ele", resume Leite.

Isso é desculpa para teimosia? Não. A ideia é ter consciência dos vieses comportamentais para tentar evitá-los ou, pelo menos, lembrar que todos encaramos os fatos de um ponto de vista bastante pessoal. Leite lembra que costumamos debater dentro de bolhas, vendo nossas opiniões amplificadas por discursos semelhantes, imaginando que estamos consumindo conteúdo 'novo'. "A sociedade vem dialogando cada vez menos, acho que é uma tendência geral. Cada vez menos pensando no bem comum. Há sempre uma primazia da opinião individual, de pequenos grupos, nunca pensando numa perspectiva mais sistemática e globalizante", avalia ele.

Impressão minha, ou estamos discutindo mais? O psiquiatra se lembra do sociólogo Zygmunt Bauman para defender que as redes sociais amplificam nossa necessidade de expor opiniões online. "A gente publiciza nossa vida privada de uma forma nunca antes vista. E essa avalanche de opiniões privadas colocadas em público acaba sofrendo manipulações — seja pelos algoritmos ou pela amplificação dos robôs", observa Leite. "Isso acaba contagiando muitas pessoas que eventualmente nem tinham uma opinião formada sobre o tema, mas é tamanho o bombardeio de mensagens e notícias, que muitas vezes supera a capacidade do indivíduo de ter um filtro crítico sobre essas informações." Em consequência, todo mundo sente a necessidade de opinar — mesmo sem conhecer um assunto a fundo — e, como já vimos antes, ecoar vozes semelhantes às suas.

Alguma dica para fazer fazer alguém admitir um erro? "Quando as opiniões são afetivas, refratárias a dados, não adianta discutir. É análogo, na psiquiatria, a um paciente que tenha um delírio. Delírio é grosseiramente uma ideia irremovível, é uma convicção muito profunda", explica. Tanto o psiquiatra quanto a neurocientista afirmam que reabrir um diálogo e diminuir a polarização é um trabalho social conjunto, pois não há tipos de personalidades mais suscetíveis à teimosia e à dificuldade em admitir erros. Estamos todos tão propensos a isso quanto os que criticamos. A dica, segundo eles, é fazer a sua parte e, ativamente, procurar informações contrárias àquilo que você acredita. E estar aberto ao diálogo — mesmo que os assuntos mais espinhosos precisem ficar de lado, opina Leite. "Precisa ser um princípio geral encontrar pautas que girem em torno do interesse comum. Mas a politização está tão grave que a gente fala em ecologia, por exemplo, que é algo do bem comum, e já se fala que é uma pauta de esquerda. Precisamos voltar a procurar identidade entre as pessoas. A politização enfraquece muito nosso senso de comunidade."