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Futuro do sexo: 'Estamos vivendo um momento de descobertas da sexualidade'

UOL Debate: O futuro do sexo pós-pandemia - UOL Debate
UOL Debate: O futuro do sexo pós-pandemia Imagem: UOL Debate

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

10/08/2020 19h00

Assim como o trabalho, a educação e a socialização, o sexo passou — ou pelo menos deveria ter passado, para quem não mora junto com alguém — para o virtual nos últimos meses. Se por um lado falta toque, por outro abrem-se novos espaços para a reflexão individual, para o debate de questões antes abafadas e até para novos produtos criativos. Para a antropóloga e dominatrix Paula Antropoalien, estamos vivendo um "momento de descobertas e possibilidades da sexualidade".

Paula participou do UOL Debate que encerrou a série de reportagens de TAB sobre o futuro (e o presente) do sexo nesta segunda-feira (10). Com apresentação e mediação do antropólogo e colunista de TAB Michel Alcoforado, a conversa teve ainda a presença de Carmita Abdo, psiquiatra e sexóloga, e Mayumi Sato, diretora de marketing da rede social Sexlog e também colunista do UOL.

Consumo de pornografia

Para quem está iniciando a vida sexual agora, a pandemia veio em um momento de descobertas que possivelmente serão canalizadas para outros lugares — como a pornografia e o sexting, observa Carmita Abdo.

"O que me preocupa é essa prática explosiva virtual, porque acaba levando a um hábito que a gente sabe que muitas vezes é difícil de modificar", analisa. A facilidade da satisfação sexual de modo completamente virtual pode acabar em obsessão para quem já tem predisposição a isso, somada a falta de opções, alerta a psiquiatra. Ela lembra, ainda, que o conteúdo pornográfico pode criar pressões psicológicas e expectativas nada realistas sobre performance e sobre o corpo. Pais devem ficar atentos e principalmente atualizados em tecnologia para conversar com os filhos sobre o tema.

"A gente está falando não só de um consumo exacerbado de pornografia, mas também na produção de um conteúdo diferente", observa Antropoalien. "Acredito que a gente está vivendo um momento de estratificação social: quem é que tem as ferramentas para a produção?", reflete, frisando que fala de pornografia produzida "por adultos, com consentimento, para que a gente não confunda com exploração".

Sato, que observa a movimentação de solteiros e casais dentro da plataforma Sexlog, confirma que o consumo de pornografia vem aumentando, mas reflete que nem sempre são as mesmas pessoas buscando conteúdo erótico online. O Sexlog, por exemplo — rede social conecta internautas dispostos a se encontrar ao vivo e também permite que exibicionistas possam fazer livestreaming — observou um crescimento de quase um milhão de novos usuários cadastrados, principalmente de mulheres, nesse último trimestre, relata ela. "É mais gente tentando talvez ter alguma nova forma de prazer diante das possibilidades disponíveis", avalia a diretora de marketing.

Sexo sempre foi fake

Para além da pornografia, o sexo virtual também está em alta. Alcoforado observa que, nas relações estritamente online, é mais fácil mostrar apenas uma parte de si — seja um atributo físico ou uma personalidade medida com cuidado —, aumentando o jogo da sedução e do desejo, sem a necessidade do encontro físico para quebrar esse encanto. E aí abre-se espaço para o fake, se é que se pode chamar assim. "Qual o limite do que é ou não fake?", questiona Sato. "Se eu uso uma foto que não é minha, mas todo o resto, a pessoa com quem você está conversando e se relacionando sou eu?"

O sexo, propuseram as especialistas, sempre se deu em primeiro lugar na mente. "A gente transa com a nossa fantasia, independentemente de estar transando com o corpo ali ou só em um diálogo [virtual]", analisa Antropoalien. Ela conta que, mesmo durante a pandemia, consegue manter seu trabalho como dominatrix, adaptando a prática para o online.

Vamos gozar mais?

Se a transposição do sexo para o virtual restringiu as experiências físicas, expandiu ainda as descobertas. Alcoforado já tinha dito ao TAB que "vamos transar menos e gozar mais" após a pandemia, e Abdo diz acreditar que o sexo vai mesmo melhorar — "mas só para quem se cuidar e estiver saudável", lembra ela.

"Eu entendo que a pandemia é esse momento de reflexão sobre o sexo, sem que os hormônios estejam à toda. É o momento para tomarmos decisões sobre como transar, com quem transar. Já que aquele modo automático não está rolando, estou vendo muita gente se questionar sobre suas próprias escolhas", diz Sato.

Escolhas essas que vão desde repensar a forma como enxergamos a monogamia — abrindo a possibilidade para diferentes parceiros que satisfaçam diferentes necessidades — até sobre o que escolhemos ou não mostrar na internet. "Esse momento virtualizado pode até, quem sabe, produzir novos 'vírus'", diz Antropoalien. "A partir do momento em que a gente está pelado na internet, não tem controle de para onde isso pode ir. Será que a pandemia não pode causar uma nova 'doença' virtual sexual?", questiona.

Apesar do período de seca para os solteiros, as três entrevistadas disseram ter uma visão positiva para o futuro do sexo, com mais compreensão, respeito e autoconhecimento. "Meu desejo é que as pessoas se compreendam cada vez mais. Eu quero ser embasbacada pelas próximas gerações. Se eu não ficar chocada, é porque não tem nada novo acontecendo", brinca Sato. "Espero que a gente sempre depare com novas questões para resolver."