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Ninguém sabe bem como definir a adolescência; por que continuamos tentando?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

12/12/2020 04h00

O que é um adolescente? Para o ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial da Saúde), qualquer pessoa na segunda década de vida (dos 10 aos 19 anos). Para o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), alguém dos 12 aos 18. Para médicos e médicas, alguém na puberdade. Para pais e professores, uma criatura difícil de lidar. Para eles próprios, os conhecedores do mundo e detentores da verdade.

Definir essa fase da vida gera controvérsias legais, médicas e sociais. A palavra adolescência surgiu no final do século 18, mas o conceito como conhecemos hoje começou a ser usado ainda mais tarde, somente no pós-Segunda Guerra, como cita Eloísa Grossman, médica com ênfase em saúde do adolescente e professora da UERJ (Universidade estadual do Rio de Janeiro).

A palavra teenager (no inglês), por exemplo, data da virada do século 20, mas só começou a aparecer na mídia no fim da década de 1940, impulsionada principalmente pelo boom econômico norte-americano (que deu aos jovens algum dinheiro), e o aumento na educação compulsória, que levou esses jovens às escolas, longe do olhar dos pais, com maior independência e mais próximos de grupos de sua idade.

Mas, espera, pra que definir? Definir esse conceito sob uma perspectiva social é importante, defende Grossman, em entrevista ao TAB. Aqui no Brasil, não tínhamos políticas públicas de saúde focadas nessa fase da vida até o fim da década de 1980, aponta a médica. As primeiras bases programáticas são de 1989. Questões como maioridade penal, direito ao voto e possibilidade de dirigir são ditadas pela "adultez", e entender o que se passa na cabeça e no corpo humano durante essa fase ajuda a tomar essas decisões sociais em níveis legais. "As pessoas querem ampliar a faixa da adolescência e, ao mesmo tempo, reduzir a maioridade penal. Vejo de forma contrária", opina Jairo Werner, professor Titular da Faculdade de Medicina da UFF (Universidade Federal Fluminense), especialista em psiquiatria da infância e da adolescência. "Muitos adolescentes da classe popular precisam de mais tempo para ter essa maturação de conceitos, de aprendizagens. Colocá-lo precocemente num setor criminal vai destruindo essa possibilidade."

Cada um é cada um? O conjunto de mudanças — mesmo as fisiológicas — vem em tempos diferentes para cada pessoa. Isso depende de fatores biológicos, mas também sociais. Grossman lembra que o adolescente ganha 20% da altura adulta e 50% do peso adulto nessa fase. Diferenças na alimentação, prática de esportes e outros fatores vão interferir diretamente na formação física e na chegada da puberdade. "A gente sabe que o adolescente pobre, negro, de comunidade, tem uma expectativa de ser adolescente muito distinta do branco, de classe média, estudante da escola privada. Mesmo num mesmo espaço temporal e num mesmo território, há distinções muito grandes de oportunidades, de expectativas, e podemos até dizer que temos mudanças no lado biológico também", reforça a professora da UERJ.

O que muda, exatamente? As grandes alterações nessa faixa etária são o que conhecemos por puberdade: em poucas palavras, completar o crescimento, terminar a maturação sexual e ser capaz de procriar. O cérebro também passa por uma maturação importante, e por isso as questões psicológicas são tão importantes durante a adolescência, aponta Werner, da UFF. O neocórtex é uma das regiões do cérebro mais relevantes nessa equação, diz o professor. Acredita-se que a região seja responsável pela construção da memória, percepção e diversos processos cognitivos.

Como pensa um adolescente? Caso você não se lembre, Werner ajuda a refrescar a memória. "O adolescente passa por uma mudança muito grande. O pensamento da criança está muito ligado à memória. No adolescente, dentro de uma visão histórico-cultural, ele passa a pensar conceitualmente." É nessa fase que começamos a confrontar os fatos da sociedade com a forma como nos sentimos e as coisas nas quais acreditamos. Esse encontro do mundo interno com o mundo externo ajudam a formar nossa personalidade. Ao mesmo tempo, gera angústias e decepções. Por isso é tão importante reconhecer o adolescente como tal, e não apenas como uma "criança grande", frisa o especialista.

E quando isso acaba? Enquanto a puberdade termina por volta dos 18 anos (mas pode variar, lembra Grossman), as experiências sociais que vão fazer de nós cidadãos independentes têm se prolongado. Há pesquisadores que preferem definir a adolescência como a fase dos 10 aos 24 anos, considerando que nosso corpo continua a se desenvolver após os 18, e há algum tempo os marcos da vida adulta foram perdendo relevância ou sendo adiados. Se em 1970 a média de idade dos homens ao casar era de 27, e das mulheres, 23, em 2018 eles se casavam aos 30, e elas aos 28, segundo dados do IBGE. Mas, claro, a possibilidade de continuar dependendo dos pais ou mesmo de tomar decisões consideradas "adultas" são um privilégio de classe, frisa Werner. "Temos um grupo social que passa mais tempo na casa dos pais, outros são de uma classe que não tem nem infância nem adolescência. Eles passam raspando direto para a vida adulta."

Isolados e conectados. Já parou para pensar como é ter 15 anos em 2020, sem poder encontrar ninguém? Preso ou presa na casa dos pais, sem vida social? Um estudo coordenado pela Fiocruz mostra, por exemplo, que 48,7% dos adolescentes brasileiros têm sentido preocupação, nervosismo ou mau humor, na maioria das vezes ou sempre durante a pandemia. Somado à crise econômica resultante do isolamento, Eloísa Grossman diz não ter dúvidas de que o significado de adolescer será alterado daqui para frente. Para onde vai essa definição, é difícil dizer. Mas é certo que a tecnologia já é parte intrínseca dessa formação.