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'Nunca vi Pedro brigando': quem era o jovem morto celebrando vitória do PT

O jovem atleticano, formado em Direito, foi baleado em frente à casa de uma amiga quando comemorava o resultado das eleições - Reprodução
O jovem atleticano, formado em Direito, foi baleado em frente à casa de uma amiga quando comemorava o resultado das eleições Imagem: Reprodução

Nina Rocha

Colaboração para o TAB, de Belo Horizonte

04/11/2022 04h01Atualizada em 04/11/2022 09h27

O círculo de amigos e familiares de Pedro Henrique Dias Soares, 28, era como o de tantos mineiros: composto por cruzeirenses e atleticanos, bolsonaristas e lulistas. No seu caso, porém, todos lidavam surpreendentemente bem com as divergências.

Filho de pais cruzeirenses, Pedro era Galo de coração. Ao contrário de parte da família, considerava-se "um cara dos direitos humanos". Suas preferências, no entanto, nunca foram uma questão para o jovem, que não se excedia em nenhum dos tópicos.

"Nunca vi o Pedro brigando na vida", conta a prima dele, Victoria Dias. "Como a namorada dele já falou, Pedro não matava nem barata, porque tinha medo."

A convivência com divergentes era tão tranquila que no dia da votação, mesmo diante de uma das eleições mais polarizadas da história do país, parentes e amigos de convicções políticas distintas reuniram-se na casa de uma amiga comum para um churrasco. E era assim que, independentemente dos números digitados nas urnas mais cedo, todos aproveitavam o domingo quente em Belo Horizonte (MG).

Festa interrompida

Terminado o horário estabelecido para a votação, uma parte seguiu para casa e Pedro Henrique, seus pais e outros amigos permaneceram para acompanhar a apuração. Às 19h10, quando praticamente todas as urnas haviam sido computadas, deu-se como definida a eleição — e Pedro alegrou-se como os outros 50,2% de eleitores mineiros que escolheram Lula presidente.

Família de Pedro Henrique Dias Soares, jovem assassinado após eleições em Belo Horizonte - Reprodução - Reprodução
Para familiares e amigos, 'Pedro foi morto por intolerância'
Imagem: Reprodução

Caía uma chuva e o grupo decidiu abrir o portão da garagem da casa, no bairro de Nova Cintra, para festejar.

Pouco antes das 20h, Ruan Nilton da Luz, 36, saiu de sua residência na Região Oeste armado de duas pistolas e uma faca. Saiu atirando. Suas primeiras vítimas foram duas mulheres que estavam próximas à avenida Tereza Cristina. Atingidas, foram encaminhadas para o Hospital João XXIII e não correm risco de vida.

Na rua seguinte, encontrou a garagem aberta onde Pedro e três amigas comemoravam gritando o nome do presidente eleito. Sem dizer palavra, disparou contra o grupo.

'Tem um cara doido atirando'

A representante comercial Aline Marra também participava da comemoração. Quando a chuva começou, ela desceu para garagem. Durante o tiroteio foi atingida de raspão no braço e passa bem, mas segue psicologicamente abalada. "Penso todos os dias, toda hora. Vivo aqueles minutos de terror tudo de novo."

Dois dos disparos atingiram Pedro Henrique no ombro e no abdômen. Seu pai e um amigo da família que já estavam na rua, prontos para ir embora, voltaram ao ouvir os tiros e relatos de que havia "um cara doido atirando, matando todo mundo lá".

Levado ainda com vida para o hospital por familiares, entre eles um tio eleitor de Bolsonaro — cuja camisa da seleção brasileira banhada em sangue viralizou nas redes — Pedro não resistiu.

Preso em flagrante por homicídio e tentativa de homicídio, Ruan Nilton alegou sofrer de "distúrbios psiquiátricos, como ansiedade", e de ter passado o dia todo bebendo. Também afirmou ter saído para "caçar traficantes" que ficariam escondidos em um beco próximo.

"Ele disse que estava procurando traficantes, mas só atirou em quem estava comemorando a vitória do Lula", rebate a prima de Pedro.

Na casa de Ruan, também na zona oeste, a Polícia Militar localizou outra arma e cerca de 500 munições. Afirmações de que o homem anunciara na internet que "faria uma desgraça" caso Lula fosse eleito não foram ainda confirmadas, pois o assassino apagou suas redes antes de cometer o crime.

'Morto por intolerância'

Apesar da predileção de Pedro pelo ex-presidente Lula, seus amigos não o consideravam um 'militante'. "Era o [candidato] que mais combinava com as ideologias dele", conta a estudante de Direito Marcela Januzzi, amiga de Pedro. "Ele não acreditava em nenhum tipo de inimizade, nem na família dele. Tinha amigos de direita, isso nunca foi um problema."

Pedro Henrique Dias Soares, jovem assassinado após eleições em Belo Horizonte - Reprodução - Reprodução
'Quem realmente está de luto é minha família', diz Victoria, prima da vítima
Imagem: Reprodução

Isso era tão claro que, conta Marcela, dias antes da eleição, Pedro posara fazendo o "L" ao lado de outra amiga, bolsonarista, que fazia o 22 com as mãos. Na legenda da foto, escreveu "inimigos jamais".

"Ele não via a oposição política como uma oposição na vida real", afirma ela.

Formado em Direito, Pedro trabalhava como entregador enquanto estudava para tentar passar em um concurso público. Era fã de futebol e de música sertaneja.

"Mesmo ele sendo um cara da paz, um cara que respeitava as ideias de todo mundo, suas ideias não foram respeitadas", lamenta Marcela, que considera absurda a tentativa da defesa do assassino de desvincular o crime de motivação política, o que configura um agravante penal. "Pedro foi assassinado por ter uma ideologia política de esquerda. Foi morto por intolerância", diz.

Pedro Henrique foi velado e enterrado em Contagem (MG) na terça-feira (1º), véspera do feriado de Finados. Enquanto tantos eleitores do candidato Jair Bolsonaro (PL) manifestam nas ruas seu "luto" pela derrota, familiares e amigos do jovem assassinado esperam por justiça. "Quem realmente está de luto é minha família", diz Victoria.

Nesta quinta (3), faleceu a adolescente Luana Rafaela Oliveira Barcelos, 12 — baleada no domingo, ela estava internada no hospital.