'Não proíbo nenhuma piada': escola promete ensinar stand-up a iniciantes
Depois de apresentar seu show de stand-up de seis minutos na noite de 4 de junho, o aprendiz de comédia Enéas Rodrigues, 24, tentou explicar como funciona o humor. "Fui o último a me apresentar aqui e não gosto muito disso porque me lembra a infância, quando eu era o último a ser escolhido na escola, no futebol... no orfanato", disse ele, fazendo uma breve pausa, como se esperasse as risadas. "Entendeu? O terceiro elemento é o inesperado. É isso que faz as pessoas rirem."
A "técnica" demonstrada por Enéas é a "regra de três" da construção de piadas, que consiste em citar dois exemplos num contexto qualquer e fazer uma "distorção cômica" no terceiro. Ele não aprendeu essa estratégia sozinho, mas na escola — no caso, uma escola profissionalizante de comédia stand-up no Rio.
A Star Comedy parte da premissa de que qualquer pessoa pode se tornar engraçada, aplicando algumas técnicas corretamente. Além da regra de três, outra tática ensinada ali é elaborar uma lista de "coisas que não fazem sentido" e usá-las na apresentação. A apostila oferecida pelo curso destrincha o texto de comediantes brasileiros famosos para mostrar que o riso também tem método.
Partindo de uma piada de Rafinha Bastos, por exemplo, a apostila aponta a técnica das coisas que não fazem sentido, revelando "o quão estúpido é aquilo". A piada é a seguinte: "Eu entrei em uma loja chamada Casa das Cuecas. O vendedor chegou pra mim e perguntou: 'O senhor deseja alguma coisa?... Um caiaque. Mas só o caiaque, o remo eu já tenho."
Anedotas e piadas contadas pela nata do stand-up brasileiro, como Murilo Couto, Léo Lins, Rafinha Bastos e Fernando Caruso estão ali para treinar o candidato a Jerry Seinfeld.
Para ganhar o diploma de comediante, os pupilos precisam cumprir doze etapas do curso. Como conta o diretor da unidade, o número de exercícios é baseado nos doze trabalhos de Hércules. Só então os alunos marcam a "formatura", quando realizam um show solo de trinta minutos. No final, recebe diploma quem cumpre a tarefa hercúlea de manter o público rindo.
Beabá do humor
O primeiro dos doze trabalhos é demonstrar "atitude", quebrando a barreira da timidez. As etapas seguintes envolvem diferentes temas: desenvolvimento de personagem, elaboração de roteiro, criação de esquetes em vídeo para a internet etc. A cada exercício concluído, os alunos recebem um selo de aprovação.
O curso começa como uma jornada de autoconhecimento. Os alunos precisam descobrir sua própria voz e o que podem levar de sua personalidade ao palco. Primeiramente, eles apresentam seus textos e ideias nas aulas, o professor faz correções e então sugere quais pontos são mais engraçados.
Além das aulas, os pupilos também fazem atividades extracurriculares. Às segundas-feiras, iniciantes como Enéas preparam uma pequena apresentação para testar suas piadas na noite de "Big Bang". A entrada do público é gratuita, e as performances são gravadas para serem analisadas posteriormente, numa espécie de mentoria.
Quem se destaca é convidado a fazer um show profissional na Casa da Comédia, um comedy club em Ipanema. Os que performam mal são convocados a repensar sua apresentação.
Os alunos são livres para escolherem o tipo de humor que vão apresentar. A predileção de alguns pelo que chamam de "humor ácido" revela-se nos exercícios do curso. Na noite de "Big Bang" de 4 de junho, Enéas fechou a noite sob aplausos depois de praticamente completar o bingo do stand-up comedy, fazendo piadas com judeus, distúrbios alimentares e aparência de mulheres.
Nas aulas, o professor do curso Felipe Ruggeri, 40, diz que avisa aos alunos quando a piada soa ofensiva, mas que também não os impede de fazê-las. "Não é legal começar a carreira com essa abordagem, mas também não proíbo ninguém de fazer piada. Se for boa, é legítimo."
Para Ruggeri, algumas pessoas já nascem com talento nato para o humor, o que torna tudo mais fácil. Ainda assim, ele garante que é possível ensinar alguém pouco carismático a ser engraçado, seguindo os passos da metodologia proposta. "Sempre busco desenvolver o acting da coisa porque eu sou um cara mais performático", diz.
O fundador do curso, o empreendedor Wesley Andrade, 34, afirma que o objetivo é formar um comediante profissional. "Tem gente que é engraçado no bar com os amigos e acha que isso é humor. Não, você é só engraçado no bar. Aqui a gente forma comediantes, nosso lema é 'humor levado a sério'", resume ele, que admite: "A gente transformou a comédia em uma aula de direção. Alguns vão virar o Ayrton Senna, outros vão só fazer baliza".
Tudo liberado
A montagem da apostila ficou a cargo de Wesley Andrade, que não é comediante, mas captou o espírito da profissão ao trabalhar com humoristas no passado. Ele abriu a Star Comedy em 2011, primeiro como uma produtora de stand-up, e depois teve a ideia de transformá-la em escola em 2019, após assistir a uma palestra de coaching.
A mensalidade custa em torno de R$ 240. Segundo Wesley, toda a metodologia do curso baseia-se no estudo de expoentes da comédia, como Charles Chaplin, cuja foto está estampada em uma das portas do curso (outra porta é dedicada a Chico Anysio).
Para o curso de comédia aplicada, ele ajustou o material que encontrou em escolas de comédia de outros países. "Adaptei muita coisa que não cabe ao nosso contexto, senão a gente seria cancelado direto", diz, rindo. "O humor norte-americano é muito mais pesado que o do Léo Lins", explica.
No mês passado, o humorista Léo Lins teve que apagar um especial de stand-up das redes sociais por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. A apresentação continha piadas com escravidão, perseguição religiosa, idosos, pessoas com deficiência e outras minorias sociais.
Não foi a primeira vez que discussões sobre o limite do humor pipocaram na internet. A controvérsia aparece de forma sutil nas aulas da escola de stand-up. O professor Felipe Ruggeri diz que algumas piadas podem ser evitadas, mas que a "voz cômica" de cada um deve ser respeitada acima de tudo. "Piada é piada", defende.
O sonho de se profissionalizar
Alguns alunos buscam a escola apenas para aprender a falar em público, aumentar seu carisma ou melhorar suas habilidades comunicativas. A maioria, porém, deseja se tornar profissional no stand-up. Um deles é Rodrigo Manhati, 39, mais conhecido como sósia do Willian Arão, ex-jogador do Flamengo.
Rodrigo ganhou dinheiro nos últimos anos fazendo presença em eventos e festas da torcida do Flamengo, mas diz que se cansou da vida de sósia. "Era muita pressão", conta ele, que chegou a fugir de torcedores enfurecidos numa ocasião em que o verdadeiro Arão perdeu um pênalti. O aprendiz de comediante diz que se matriculou no curso por indicação do humorista Paulinho Gogó, de "A Praça É Nossa".
Agora, o "Arão da Torcida" tem certeza de que quer se profissionalizar e já publica esquetes em suas redes sociais. "Sempre tive a veia da comédia", afirma ele.
No último mês, Rodrigo e outros três alunos foram indicados pelo curso para se apresentarem em um show numa faculdade particular do Rio. O serviço de "comédia corporativa" também é oferecido pela escola, que já começa a agenciar seus alunos antes da formação. Alguns deles, antes mesmo de completar as aulas, acumulam seguidores nas redes, fazendo vídeos e produzindo conteúdo humorístico.
A vida de influencer, dizem eles, sem ter que encarar diretamente o público e os imprevistos do palco, tende a ser mais tranquila que a de artista.
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