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Quem é o historiador americano convidado para a posse de Lula em Brasília

James Green no Itamaraty, em Brasília - Juliana Sayuri/UOL
James Green no Itamaraty, em Brasília
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Do TAB, em Brasília

03/01/2023 04h01

Na noite de 28 de dezembro, pingou no e-mail do historiador norte-americano James Green, 71, o convite para assistir à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no domingo (1º), direto do Palácio do Planalto, em Brasília.

Green, na verdade, já tinha passagens aéreas marcadas e estaria na capital federal para "festejar a vitória" com ou sem convite oficial. De Nova York, o acadêmico viajaria primeiro ao Rio, no dia 30, e depois a Brasília, para passar o Réveillon na casa de amigos brasileiros. Além do Planalto, o historiador prestigiou o coquetel para convidados e autoridades no Itamaraty, na noite de domingo, e posses de ministros do novo governo, nesta segunda (2).

"Fiquei feliz com o convite", conta o professor da Universidade Brown e presidente do conselho do WBO (Washington Brazil Office), "think tank" que busca mobilizar ações de defesa da democracia no Brasil junto a instituições dos Estados Unidos — entre elas, o Congresso. "É a primeira posse que poderei ver de perto. Nunca fui convidado para uma nos EUA."

De Baltimore, Green não é um estranho no ninho de Brasília. Brasilianista, como são conhecidos os acadêmicos e autores especializados em assuntos relacionados ao Brasil, ele viaja sempre para cá e há muito tempo se engaja na política do país. Primeiro, nas ruas: entre 1976 e 1982, durante a ditadura militar, morou em São Paulo, onde foi um dos fundadores do Somos, movimento de defesa dos direitos LGBT.

1980 | O historiador norte-americano James Green, no Brasil - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
No Brasil entre 1976 e 1982, Green foi um dos fundadores do movimento Somos
Imagem: Arquivo pessoal

Certa vez, escreveu um texto para o jornal gay alternativo "Lampião da Esquina", e o SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão da ditadura, imaginou que "James Green" fosse um codinome do jornalista Fernando Gabeira, que militava no MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro).

Autor de "Além do Carnaval" (1999), "Apesar de Vocês" (2009) e "Revolucionário e Gay" (2018), Green iniciou o "Opening the Archives" (abrindo os arquivos), ambicioso projeto que pretende digitalizar milhares de documentos diplomáticos dos EUA sobre o Brasil, e se tornou uma referência nos estudos sobre a ditadura brasileira. "Revolucionário e Gay" conta a história do ativista Herbert Daniel, com quem Dilma Rousseff morou no Rio, na clandestinidade, em 1969.

Dilma Rousseff e James Green - Reprodução - Reprodução
Green e a ex-presidente Dilma Rousseff, de quem ficou amigo próximo
Imagem: Reprodução

Green e Dilma se tornaram próximos — tanto que Jimmy, como é conhecido entre amigos brasileiros, já foi (incorretamente) apontado pela imprensa como "novo affair" da ex-presidente.

Gay e há décadas casado com o historiador israelense Moshe Sluhovsky, Green inquietou-se com o impeachment de 2016. Foi aí, conta ele, que passou a atuar mais nos bastidores: "Nós, brasilianistas nos EUA, ficamos sensibilizados e nos mobilizamos para prestar solidariedade à sociedade civil diante do golpe parlamentar que derrubou Dilma. Depois, articulamos ações para informar melhor os políticos norte-americanos sobre a realidade brasileira".

'Trump dos trópicos'

Explicar o impeachment de 2016 para os "gringos" foi difícil, lembra. Explicar as eleições de 2018, que levaram Jair Bolsonaro ao poder, já foi mais fácil. "[Donald] Trump já estava no poder nos EUA. Era mais simples de compreender então que tipo de personalidade era Bolsonaro a partir da analogia, um tipo de Trump dos trópicos, com todas as políticas nefastas da extrema direita", diz.

Entre as ações recentes esteve uma campanha do WBO para pressionar o governo norte-americano a reconhecer rapidamente o resultado das eleições de 2022. Demorar poderia reprisar um filme que Green já viu. "Nos EUA, vivemos a invasão do Capitólio [6 de janeiro de 2021], um absurdo antidemocrático, incentivado por alguém [Trump] que não reconheceu a derrota." No Brasil, eles então queriam que a vitória de Lula não demorasse para se consolidar internacionalmente, a fim de enfraquecer contestações e impulsos golpistas.

2018 | O historiador norte-americano James Green, no Brasil - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Crítico de Trump nos EUA e de Bolsonaro no Brasil, o acadêmico participa de diversos atos políticos
Imagem: Arquivo pessoal

No Capitólio, eles articularam um encontro entre o senador democrata Bernie Sanders e uma comitiva com 19 representantes de organizações da sociedade civil brasileira, em julho. Depois da conversa, Sanders protocolou uma moção pedindo para os EUA romper relações com o Brasil e suspender programas de cooperação internacional, inclusive na área militar, se Bolsonaro não respeitasse o resultado das urnas. O documento foi aprovado por unanimidade no Senado norte-americano, em setembro.

Na noite do 30 de outubro, "38 minutos" (destaca Green) após o ministro Alexandre de Moraes declarar a vitória de Lula nas urnas, o presidente norte-americano Joe Biden foi um dos primeiros líderes mundiais a parabenizar o presidente eleito, considerando as eleições "livres e justas".

Não foi tão simples, conta Paulo Abrão, 47, diretor-executivo do WBO. Foram três passos de advocacy: primeiro, eles precisaram traduzir para atores internacionais "a crescente crise de violência política que poderia levar a uma ruptura democrática"; depois, mobilizar parlamentares norte-americanos; por fim, convencer autoridades do Departamento de Estado dos EUA de que o assunto era sério. "É um trabalho inédito", diz Abrão, mineiro de Uberlândia que viajou de Washington, onde mora, a Brasília para assistir à posse "junto ao povo" e passar as férias de verão no Brasil.

Ex-presidente da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), entre 2016 e 2020, Abrão conheceu Green num evento no Arquivo Nacional, no Rio, por volta de 2008-2009. Fisgou-lhe a atenção "um acadêmico americano tão dedicado a preservar os arquivos da ditadura no Brasil e querendo abrir arquivos do período nos EUA".

James Green no Itamaraty, em Brasília - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
'Nós, brasilianistas nos EUA, nos mobilizamos para prestar solidariedade à sociedade civil do Brasil'
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

Eles se reencontraram num ato da Comissão da Anistia, presidida por Abrão, para discutir o legado autoritário aos 50 anos do golpe militar, em 2014. "A comissão homenageou os que contribuíram na resistência, inclusive internacional, denunciando torturas e graves violações de direitos humanos. James foi um dos homenageados", lembra.

No livro "Apesar de Vocês", Green aborda a resistência à ditadura no Brasil que partiu dos EUA entre 1964 e 1985. Outros conterrâneos, o autor bem sabe, endossaram o golpe militar que instaurou 21 anos de ditadura no país sul-americano. "Desta vez, não. Diferentemente de 64, os americanos não foram pró-golpe."