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De Sabrina Sato a oficina futurista: meu fim de semana em busca de inovação

Mulamba em show no Festival Path 2019 - Mariana Pekin/UOL
Mulamba em show no Festival Path 2019 Imagem: Mariana Pekin/UOL

Matheus Pichonelli

Colaboração para o TAB, em São Paulo

03/06/2019 07h00

Não era exatamente tudo mato, mas a paisagem era bem diferente. Quando me mudei para a Avenida Paulista, no começo dos anos 2000, não havia ainda ciclovias. Nem parklets. Nem patinetes amarelos. Nem tantas bicicletas. Não havia área de wi-fi livre nem tanta gente andando com o olhar inclinado para a palma da mão.

Voltar à Avenida Paulista, seis anos depois de me mudar para o interior, é espiar as lembranças de um quarto-sala-cozinha-banheiro localizado de onde escrevia cartas para os amigos do interior ou acordava cedo para enfrentar a fila do laboratório de informática da faculdade para conferir os e-mails.

Aquela avenida que me acolheu de 2002 a 2013 desapareceu aos poucos: a mega store, as pequenas livrarias, as videolocadoras, os letreiros da publicidade. Dos meus primeiros anos de São Paulo não sobraram vestígios nem do vendedor de passe de ônibus.

Foi na avenida onde morei, estudei ou trabalhei por 12 anos que passei o último fim de semana. Estava ali para acompanhar as atrações do Festival Path, maior evento de inovação e criatividade do país - e que, neste ano, é apresentado pelo TAB.

Ali, minhas projeções de presente, passado e futuro se cruzavam entre palestras, shows, sessões de cinema e workshops.

Durante os dois dias, esbarrei com o então estudante de jornalismo de 17 anos atrás e redesenhava o cenário já desmoronado de quando ouvia um refrão de Gilberto Gil em uma época em que aplicativo de música ainda era papo de ficção científica: "Queremos saber o que vão fazer com as novas invenções".

Era a trilha sonora do meu primeiro dia no Path.

Na pequena multidão com crachás pendurados no pescoço, observava a curiosidade de quem vislumbrava os mesmos desafios contemporâneos: Para onde vamos? Que cenário está sendo desenhado? O que é de fato novidade nisso tudo? Em que velocidade virá, dessa vez, o futuro? O que restará de pé?

Se há duas décadas dividíamos essas mesmas perguntas nos Fóruns Sociais Mundiais, agora elas se refazem numa polifonia de encontros. As informações, agora, estão ao alcance, e os encontros acontecem simultaneamente. Mas o que escolher? O que ouvir? O que decidir?

Como um microcosmos desse mundo cheio de possibilidades, o Path exige a construção dos próprios caminhos. Não para buscar respostas, mas para aprimorar o caminho das perguntas.

Dia 1.

Meu roteiro não começa pelo futuro, mas pela história, contada pela maior pontuadora da história da seleção brasileira de basquete.

Nunca fui derrotada. Os outros times é que venceram
Hortência, campeão mundial de basquete

De onde estou, me pergunto se o mundo de agora permite tanta competitividade. Ou um discurso tão aberto sobre competitividade. E me questiono o que a fala dos vitoriosos tem a me dizer sobre o futuro - logo eu, que não tenho medalha nem de ouro, nem de prata.

Até que, num pulo (literalmente), passo a ouvir, no outro lado da avenida, a pesquisadora Ellen de Aquino falar sobre "O peso da internet no voto". Entre mapas e gráficos, ela mostra como as redes que prometiam democratizar o acesso ao conhecimento democratizaram também a desinformação. E da última eleição saímos mais lobo do homem. Entre paus e pedras, voltamos a Hobbes.

A Hortência tinha razão: derrota nos olhos dos outros é colírio. E, ao menos nos afetos políticos, ninguém quer ceder e poucos topam jogar limpo.

A tecnologia não determina uma sociedade, mas ela tem poderes, mecanismos para influenciar o comportamento
Ellen de Aquino, pesquisadora

Já é começo de tarde quando ouço falar, pela primeira vez, na lei de Amara, segundo a qual tendemos a superestimar o efeito de uma tecnologia em curto prazo e a subestimar seu efeito em longo prazo.

Quem traz a máxima ao debate é um sujeito com o desenho de um QR Code no bolso, que se expande pela camisa, e tem no tom de voz uma lembrança do Sheldon, da série "Big Bang Theory".

Trata-se do futurista da tecnologia, designer de informação e fundador da Envisioning Michell Zappa.

Com dois colegas da empresa, que fornece inteligência para companhias privadas e agências governamentais, ele distribui pequenos cards que descrevem projetos em diferentes níveis de elaboração, entre eles um sistema de crédito social para os cidadãos, de robôs policiais de uma ferramenta automática de fact-checking.

Cada convidado podia analisar as implicações técnicas e éticas de cada ideia, e os resultados eram publicados em tempo real no site http://viz.envisioning.io/path/.

Numa espiada, paro para ver um debate sobre pós-design - mas a conversa me pareceu pós-moderna demais e voltei a focar no futuro do pretérito. Foi assim que entrei sem querer em uma sala onde três pessoas discutiam como os games e a realidade virtual estão transformando a forma com que interagimos com nossas histórias.

Levo um tempo a entender onde estou e, consequentemente, a sacar o que eles queriam dizer quando falavam em "viár" - era VR, de virtual reality - e outras expressões pouco comuns à minha caixa de ferramenta silábica.

Volto à Paulista para ouvir o publicitário Eco Moliterno falar sobre batimentos de coração. E o que isso tem a ver com tecnologia? Bem, em breve, garante o CCO da Accenture Digital, vamos voltar a andar com a cabeça erguida. Os gadgets estarão nos pulsos ou nos ouvidos. Vão monitorar nossos batimentos cardíacos, servir como biometria, senha de segurança e validação, e alertar sobre perigos internos e externos.

O coração molda a forma como a gente pensa, e não o contrário. É a linguagem mais universal que existe
Eco Moliterno, publicitário

O monitoramento cardíaco pode, inclusive, transformar nossas casas em casas cognitivas, monitorando atividades vitais dos moradores, e alertando sobre batimentos estranhos.

Se um idoso tiver algum problema de saúde, a casa pode ligar para o Samu
Eco Moliterno, publicitário

Enquanto ele fala, vejo boa parte da plateia levantar a mão dizendo que já usa algum gadget de monitoramento cardíaco, e me lembro de uma senhora na boca do metrô Brigadeiro que andava de jaleco e media o pulso dos transeuntes da Paulista. Em que século estávamos outro dia?

Tudo isso é muito Black Mirror, penso eu, pela vigésima vez naquele dia, sem conseguir evitar a referência à série.

#tnowr @whiterabbittrends

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"Muito Black Mirror" é muito clichê, isso sim. Para pensar fora da caixa, fico para a palestra sobre "Tendências não-óbvias: decodificando conversas emergentes", com a publicitária Luciana Bazanella e a consultora de tendências futuras e inovação Vanessa Mathias, ambas da White Rabbit.

Ali a pergunta fundamental é como pensar em algo novo quando tudo já parece ter sido inventado. A reinvenção passa pela reinvenção da própria linguagem, e o resultado do exercício proposto à plateia pode ser visto através da hashtag #tnowr no Instagram.

Dia 2.

Minha palestrante da manhã de domingo, dia 2, não sabia, mas tínhamos algo em comum: éramos blogueiros desde o início dos anos 2000. A diferença é que, enquanto os meus começaram como um depositário para reclamar da vida e dos filmes ruins, o dela virou negócio, colocou em evidência uma infinidade de marcas, e tem milhões de seguidores.

O bate-papo com a Camila Coutinho, do blog Garotas Estúpidas, era quase um resumo dos caminhos da internet até hoje.

Não seria meu primeiro encontro com uma influencer: ainda naquela tarde, ouvi Sabrina Sato dizer que o segredo do sucesso é ser verdadeiro, e que a internet não tem regra. Sigo tentando.

Antes, imaginei que daria um tempo no mundo digital para assistir a dois debates de natureza supostamente analógicas: saúde e da sustentabilidade. Dois temas que, não demorei a perceber, passam por uma série de reconfigurações graças ao mundo virtual.

No encontro "Novos paradigmas da saúde: é possível estar doente e ser saudável ao mesmo tempo?", a médica e fundadora da LifeDoc, Andressa Gulin, e CEO e cofundador da Questtonó, consultoria de design e inovação, Levi Girardi, defenderam que saúde vai além do consultório.

É o sistema que precisa entrar na vida do paciente
Andressa Gulin, médica

No painel seguinte, vi quatro debatedores tirarem a temperatura do Planeta no debate "Colapso do Antropoceno: o consumo nesse mundo que se esgota".

Como estamos consumindo as cidades?

Foi esse o questionamento da especialista em sustentabilidade urbana Fernando Penedo, para quem não adianta discutir qualidade de vida enquanto demorarmos três horas para nos locomover de casa até o trabalho.

Da plateia, vejo um participante questionar: as ações de sustentabilidade das empresas atendem às estratégias dos departamentos de relações públicas ou as companhias entenderam que, sem planeta, não há negócio?

Antes do colapso, encerrei meu tour em uma projeção sobre os anos 2020. Serão anos loucos, ferozes ou de ouro?, perguntam os palestrantes, que prometeram na apresentação oferecer um kit de sobrevivência.

Quem dá o spoiler é a publicitária Erika Pinheiro:

A verdadeira guerra dos tronos será pela atenção das pessoas nas plataformas de streaming

Vamos sobreviver?

Ano que vem volto do futuro para contar.