Prefeituras usam medo e melancolia nas campanhas para falar de Covid-19
Campanhas publicitárias de todo o país têm apostado com frequência no medo e em mensagens de impacto para alertar as pessoas sobre os riscos da Covid-19.
"Na sua opinião, o que é pior: o isolamento ou o novo coronavírus?" e "Se houver apenas um leito de UTI disponível, qual dessas pessoas você salvaria?" foram as perguntas feitas a três piauienses que discordavam de medidas de isolamento social, enquanto eles olhavam para seus familiares. A previsível reação desconcertante — em ter de escolher qual dos parentes receberia tratamento intensivo para se curar da doença — foi filmada e exibida nas televisões de Teresina, e o vídeo viralizou na internet, transformando-se em um dos exemplos do chamado "marketing experiencial", que usa a narrativa emotiva para persuadir.
O que para alguns espectadores pode parecer agressivo — e, para outros, realista — foi a forma que a prefeitura da cidade encontrou para chamar a atenção dos moradores. "Conseguimos atingir muita gente com a campanha. As próprias pessoas que participaram, personagens reais, mudaram de posicionamento em relação ao isolamento social, porque entenderam que não havia escolha para o enfrentamento da pandemia", avalia a secretária de Comunicação, Dulce Luz.
Segundo levantamento do comitê científico do Consórcio Nordeste, entre as capitais da região, Teresina é a que tem menos casos de Covid-19. Até 24 de junho, eram quase 7 mil registros da doença e mais de 300 mortos. O Piauí é um dos estados com maior controle e monitoramento da pandemia.
Dulce Luz diz que a campanha foi pensada com base no relato "de muitos gestores de cidades europeias, onde a doença chegou primeiro". Nesses lugares, afirma a secretária, "a população só passava a acreditar no poder devastador do vírus quando afetava pessoas da família ou muito próximas do seu convívio" conta ao TAB. "Aqui não foi diferente, e a proposta era fazer com que as pessoas pudessem refletir sobre o cenário da pandemia, alertando que, sem os cuidados necessários, qualquer um pode ser vítima, incluindo pessoas da nossa família."
O diretor de criação Caio Pinheiro, responsável pela publicidade de Teresina, explica que a proposta da prefeitura é distribuir conteúdos educativos e informativos, "fazendo o contrário do que muitos governos costumam fazer, focando apenas na prestação de contas das ações". A "mensagem mais forte", analisa, fez "as pessoas refletirem, como se sentissem na própria pele as possíveis consequências do colapso do sistema de saúde e, assim, contrapor com o discurso negacionista".
Além dos materiais exibidos em TV, rádio e jornal, a aposta do publicitário é em conteúdos para as redes sociais — o que fez crescer substancialmente, de acordo com Pinheiro, o número de seguidores dos canais oficiais da prefeitura desde o início da pandemia. "Um indicador claro do medo e da busca de informações para se guiarem durante o isolamento", diz.
A prefeitura da cidade garante que o investindo nesse formato de comunicação deve seguir, porque o índice de isolamento social na capital do Piauí ainda é de 50% — e o de infectados continua crescendo.
O exemplo do Equador
As imagens assustadoras de corpos carregados na rua, mortos nos terraços de casa e brigas por atendimento na porta dos hospitais de Guayaquil, no Equador, foram incorporadas à campanha da prefeitura de São Paulo, no exemplo de comunicação mais impactante publicizada até agora no país durante a pandemia.
Em maio, 33% dos 2,7 milhões de habitantes de Guayaquil já tinham contraído o novo coronavírus. O boletim oficial do MInistério da Saúde equatoriano, na última quinta-feira (25), confirmou um total de 9 mil casos na cidade. No levantamento feito pela organização pan-americana da saúde, o Equador é o quarto país sul-americano com mais mortes em decorrência da Covid-19. Em 25 de junho, eram mais de 4 mil vítimas.
No VT que conta "a triste história da cidade que abandonou a quarentena", a prefeitura paulistana alertava as pessoas sobre os riscos da falta de isolamento social — um "resultado catastrófico", como enfatiza o narrador do vídeo, respaldado por manchetes de jornais.
Na dúvida se aquelas eram de fato cenas fortes ou polêmicas para serem exibidas na televisão, a agência de publicidade responsável pelo vídeo fez um teste de aceitação: apresentou o comercial, antes da veiculação, a três grupos de pessoas das classes B e C. "Já acompanhei muitos outros pré-testes, mas nunca vi algo como este. As pessoas diziam: 'é isso que precisa ir pro ar', 'é isso que as pessoas precisam ver, as pessoas no meu bairro não acreditam'", lembra o publicitário Átila Francucci, em conversa com o TAB.
Um dos principais estrategistas de marketing de São Paulo, Francucci diz que campanhas com mensagens impactantes são características da sua agência de criação — e uma maneira de atingir diretamente o público. "Em um momento como este [de pandemia e emergência], onde você quer mobilizar as pessoas, quanto mais factual você for, quanto mais impactante, maior a chance de você comunicar", afirma.
"Na Segunda Guerra Mundial, em Londres, quando havia bombardeio, tocava uma sirene. Uma mensagem muito simples, alertando as pessoas", compara o publicitário. "Acho que essa é a coisa impactante. Não quero dourar a pílula. Às vezes, é preciso incomodar."
Para ser ainda mais didática, a prefeitura de São Paulo acrescentou ao comercial ilustrações que frisam a preocupação com a superlotação dos hospitais — recurso encontrado pela equipe de Átila Francucci para contornar a impossibilidade de filmar nas ruas da cidade em período de isolamento.
Melancolia musicada
No Rio de Janeiro, a opção da prefeitura foi por não fazer "um choque de realidade" na população, como explica ao TAB o subsecretário de Comunicação Vitor Araújo. A gestão apostou em textos mais esperançosos do que alarmistas, em vídeos com funk e samba na trilha sonora — estilos musicais diretamente ligados à identidade cultural do Rio.
No início do isolamento social, a propaganda era embalada por "Nosso Sonho", de Claudinho e Buchecha, cantada por pessoas de diversas idades, dentro de suas casas. Em 6 de junho, com a flexibilização da quarentena na cidade, outro filme foi ao ar, agora com "Tristeza", clássico dos compositores Haroldo Lobo e Niltinho Tristeza, regravado ao longo dos anos por nomes como Beth Carvalho, Elis Regina e Jair Rodrigues.
Visualmente, o primeiro vídeo recorreu a imagens de cartões-postais da capital vazios. Na nova versão, as cenas do Rio "deserto" dão lugar às de profissionais de saúde, pessoas de máscaras nas ruas ou em casa, em home office. "Pensamos em uma campanha que acompanhasse os momentos do combate à doença no Brasil", diz Araújo. "O objetivo do primeiro vídeo era de conscientizar as pessoas a ficarem em casa. Agora, que estamos num momento de reabertura gradual do comércio e das empresas. 'Tristeza' vem nesse ímpeto da esperança de que tudo vai melhorar, vai ficar bem."
A criação de vídeo "com apelos emocionais e racionais, para que pudesse atingir o coração do carioca", segundo o publicitário Marcello Lopes, um dos responsáveis pelo trabalho mais recente, foi respaldada por pesquisas que mostraram tristeza, indignação e desesperança entre os sentimentos atuais do carioca, em meio à pandemia. Até 24 de junho, conforme os dados da Secretaria do Estado de Saúde, o município do Rio tinha mais 52.325 casos confirmados de Covid-19 e 6.000 mortes.
"Fizemos uma campanha simples, direta ao ponto, que enaltece muito a beleza do Rio e a força do povo de lá. É um momento de ter coragem e ir para frente", defende Lopes. Ele é presidente da agência Cálix, com sede em Brasília, que no final de abril venceu a licitação de publicidade da prefeitura do Rio de Janeiro, junto à Agência Nacional de Propaganda e E3 Comunicação Integrada. As três vão dividir um contrato de R$ 56,2 milhões.
Outro exemplo de campanha "sentimental" para combater a Covid-19 foi a lançada pelo Recife, com releitura do "Frevo Nº 3", composta por Antonio Maria, e narração do ator Bruno Garcia. O texto adapta os versos originais "sou do Recife com orgulho e com saudade", "com vontade de chorar" e "em mim não passa essa vontade de voltar" para agradecer ao trabalho dos profissionais de saúde, lembrar as vítimas da Covid-19 e pedir que as pessoas fiquem em casa.
As cenas aéreas e fotografias que ilustram o filme mostram lugares movimentados da capital pernambucana, como o centro comercial e a praia de Boa Viagem, vazios. Melancólica, como define o próprio diretor Lula Queiroga, a propaganda se apoia no "balé de imagens e na saudade", diz ele ao TAB, para reforçar a necessidade do isolamento. "São palavras muito fortes e uma narração sentimental, mas criamos com certa ternura."
Queiroga diz que o objetivo era focar na emoção para criar um caminho paralelo ao dos informes publicitários, "num momento em que há muita campanha falando 'faça isso, faça aquilo, lave as mãos, use máscaras'. A ideia é dizer: 'calma, vai rolar'", conta o diretor. "A gente precisa assumir a tristeza e a melancolia de ver uma cidade vazia — em uma cidade como o Recife, que nosso povo é da rua, do movimento. Isso é muito marcante."
Propagandas de saúde
O uso da emoção como estratégia de campanhas de saúde é recorrente, e está presente em apelos a valores como responsabilidade, confiança, segurança, participação, solidariedade ou medo. É o que explica o jornalista André Falcão, mestre em Comunicação pela UnB (Universidade de Brasília), com uma pesquisa na qual analisou a persuasão utilizada pelo Ministério da Saúde em 150 vídeos lançados no país entre 1996 e 2008.
De acordo com Falcão, a publicidade brasileira de saúde é vasta e inclui aspectos comerciais e de utilidade pública, como as de vacinação e combate à dengue. "Do ponto de vista governamental, sempre há a tensão entre promover os hábitos, comportamentos ou mesmo produtos (vacinas, por exemplo) e promover uma boa imagem dos governos ou dos governantes", diz ele ao TAB.
A partir de sua pesquisa, o jornalista constata que "propor campanhas de saúde passou a ser lugar-comum, uma forma de dar visibilidade a uma ação governamental, mais do que a mobilizar a população para agir no que está ao seu alcance". No caso de uma pandemia como a do novo coronavírus — uma emergência ainda com danos desconhecidos — é fundamental estabelecer um vínculo de confiança com a população e uma liderança na condução do processo de resposta.
Para ele, estratégia correta é reconhecer as incertezas e nunca oferecer uma falsa sensação de segurança à população. "O medo é uma reação natural em situações desconhecidas, e é preciso ter empatia com o que a população está sentindo. Por outro lado, é preciso indicar de que forma podemos pensar e agir. No caso da Covid-19, promover as chamadas 'medidas não farmacológicas', como a higiene das mãos e o distanciamento social", exemplifica.
No entanto, o jornalista destaca que a publicidade por si só não é suficiente. "As implicações econômicas do distanciamento social exigido na resposta à Covid-19 requerem ações de mobilização de recursos e vontades com estratégias bem mais complexas e dirigidas", frisa Falcão. "Diria até que uma campanha publicitária seria um desperdício de tempo e dinheiro nesse contexto, pelo menos na onda inicial."
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