Católicas conservadoras 'traduzem' feminismo para o comportamento cristão
No dia 7 de dezembro, uma segunda-feira à noite, a advogada Ana Luiza Ferreira tinha ido ao shopping comprar as alianças do seu casamento, que aconteceria no sábado seguinte. Por lá mesmo, parou em um café para participar de uma live sobre o papel da mulher cristã na sociedade.
"Era para eu voltar para casa, mas fiquei 'presa'. Em São Paulo, tá tudo parado. Mas, por sorte, já está tudo resolvido", explicou a noiva palestrante, enquanto cumprimentava algumas dezenas de pessoas que assistiam ao bate-papo no Instagram, no segundo encontro da Semana da Feminilidade, ciclo de conversas entre católicas organizado pela youtuber Jéssica Caroline, criadora do canal "Me Virando Bem".
"Já começamos aí com o mote de que o lugar das mulheres é em todos os lugares: seja no café, seja em casa", brincou Ferreira. Ela é especialista em Direito da Família e estuda, entre outros temas, a importância do casamento e o papel da mulher na sociedade contemporânea.
Naquela semana, o grupo se reuniu em lives para discutir o feminismo por uma ótica católica conservadora, que defende a centralidade da vida na estrutura familiar -- seja para mulheres decididas a se tornarem mães e esposas, aquelas que assumem uma maternidade espiritual através de votos de religiosidade ou quem investiu na vida profissional, por exemplo. O TAB assistiu a três conversas.
Feminismo de verdade
Nem Simone de Beauvoir ou bell hooks -- bibliografias seminais dos estudos feministas. A compreensão de Ana Luiza sobre papel de gênero tem influência dos pensamentos do sacerdote espanhol Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, instituição ultraconservadora da Igreja Católica. Na dúvida -- comum para muitas jovens, segundo a moça -- entre se dedicar à vida profissional ou ao lar, ela passou a ler entrevistas de Escrivá, e nas falas dele encontrou "vanguarda" e "atualidade".
"Há coisas [ditas pelo padre] sobre o papel da mulher na política, o papel da mulher no trabalho, como nosso toque é importante e como não podemos nos deixar escravizar pela opinião alheia", contou a advogada. "Hoje em dia, a gente, às vezes, fica presa com a opinião dos outros, com o feminismo. A mulher que antes estava presa dentro de casa agora está presa fora de casa."
Daí a lição primordial para a mulher trabalhadora: o verdadeiro feminismo, segundo Ferreira, é aquele que reconhece a mulher como suficientemente inteligente e capaz de fazer as próprias escolhas e de encontrar o bem junto a Deus -- "encontrar o caminho dela, seja dentro de casa ou fora de casa, que seja muito livre para se reconhecer no caminho que ela estiver".
"Como diz São Josemaria, é importante ter as mulheres em vários lugares, porque a gente leva um toque que só as mulheres podem levar", disse a palestrante. As "características únicas" femininas tornam as mulheres insubstituíveis, segundo a jovem. O que não significa, porém, uma concorrência com os homens. "A gente se complementa", destacou.
"As feministas — não nós, as outras feministas — falam: 'O feminismo conseguiu colocar as mulheres no mercado de trabalho'. Será que de fato conseguiu? Ou será que conseguiu colocar mulheres que se portam como homens, negam a maternidade, negam a feminilidade, no mercado de trabalho? Então, no fundo, foi só conseguir [colocar] outros homens no mercado de trabalho. A gente consegue de fato espaço quando a gente se reconhece como mulher, quando a gente age como mulher, de acordo com nossa natureza feminina, e consegue espaço no trabalho."
Dois lados
A relação entre casa e trabalho se tornou tema recorrente na Semana da Feminilidade -- com um público em maioria formado por meninas concluintes do ensino médio ou recém-ingressantes na faculdade, como explicou uma das mediadoras das conversas.
Foi para falar sobre esse "desafio diário" de equilíbrio entre vida profissional e maternidade que convidaram para outra live a empresária Camila Magalhães, criadora de uma empresa de investimentos voltada exclusivamente para mulheres.
"Quando criei a empresa, eu sentia que gostava muito do mercado financeiro e que eu podia construir alguma coisa diferente, mas, por outro lado, eu sentia a vocação para a família, queria ter muitos filhos, e essa foi a minha preocupação. Então eu tentei construir naquele momento algo que eu pudesse criar esse equilíbrio", explicou. Hoje ela administra o patrimônio de 20 famílias e 130 clientes.
O equilíbrio requer lições, segundo Camila Magalhães. A primeira é traçar metas altas no planejamento profissional, depois caprichar nos detalhes e administrar bem o tempo fora de casa. "Não é porque estou conciliando uma vida de família e trabalho que eu aceito qualquer coisa, qualquer empresa", frisou. "É muito importante ter prioridades. Minha família é o lugar central. E, em relação à família, não [devemos] perder tempo com o que não forma os filhos."
Educação da beleza
Se na esfera profissional, o equilíbrio deve orientar as posturas das mulheres dentro e fora de casa, a beleza é a ferramenta essencial para que elas passem a mensagem de quem verdadeiramente são, como explicou a consultora de imagem Andressa Cosenza, na sua live sobre moda, no último dia da Semana de Feminilidade.
"Quanto mais a gente estuda beleza, mais a gente percebe que ela mexe com nossos sentidos. Vai muito além de um gosto pessoal", avisou a palestrante, colaboradora de uma ONG que dá formação técnica a meninas e mulheres.
O ensinamento dela era para que mulheres compreendam a diferença entre vaidade e beleza. A primeira está ligada diretamente ao exagero, a segunda diz respeito ao cuidado.
"Beleza significa [em Hebraico] 'a casa onde Deus habita'. Ou seja, a gente praticamente vira um sacrário. A gente se torna Deus no mundo. Esse é o papel da beleza", contou. "O fato de a gente cuidar da nossa aparência é muito importante, meninas. Deus nos fez únicas."
Para a consultora, moda tem a ver com modéstia -- termo utilizado por padre Pio, no início do século 20, para defender a pureza das mulheres ao ponto de proibir que elas usassem saia curta ou calça.
Andressa não chegou a citar exemplos de roupas corretas para mulheres cristãs, mas frisou que é preciso coerência na hora de se vestir.
O aprendizado é: "O fato de a gente cuidar do nosso vestir é caridade. A roupa e a moda se tornam serviço", disse. "Como é lindo ver uma mãe que simplesmente acordou e passou um batonzinho -- que foi o que ela conseguiu fazer [apesar da rotina] -- ou ela escolheu uma roupinha melhor para almoçar com os filhos", exemplificou. "Não sei vocês, meninas, mas às vezes minha mãe está com a rotina do dia a dia dela, e tá ali, e tem dia que ela aparece mais bonita em casa. Isso transforma nosso dia. É nesse detalhe que a gente se inspira."
A educação de moda, segundo a palestrante, também é importante para evitar o que ela chama de "fragmentação" da roupa. "Às vezes a forma que a gente se veste fragmenta o olhar de outras pessoas para um ponto focal do nosso corpo. Você tirou o olhar daquela pessoa para quem você é e transferiu o ponto focal dela para uma parte do seu corpo. Esse não é o papel da roupa."
Desafio
Depois dos encontros havia mais etiquetas comportamentais do que reflexões mais profundas sobre a mulher na contemporaneidade.
No final da semana, ficou como desafio das mediadoras para as jovens meninas que assistiram os papos responderem à pergunta: "O que eu quero ser?". Nenhuma delas se arriscou a interagir ao vivo.
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