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'Políticos não sabem debater': como é um campeonato de debates com mulheres

A goiana Jéssika Peixoto, 25, presidente do USP Debate - Divulgação
A goiana Jéssika Peixoto, 25, presidente do USP Debate Imagem: Divulgação

Breno Damascena

Colaboração para o TAB

06/03/2021 04h01

As palavras saem uma atrás da outra, esbravejadas com ímpeto e velocidade. Os rostos sérios e a atitude determinada tentam orientar o público para a única coisa que realmente importa: as ideias; Não é batalha de rap nem debate político, muito menos cena de Shakespeare. Trata-se de um campeonato de debate. Sim, existe no Brasil.

Fosse em tempos normais, o evento ocorreria em um auditório cheio, com torcidas apaixonadas e familiares na plateia. Agora, porém, são as salas de Zoom que abrigam essas competições. Os rostos enquadrados de maneira anárquica, vídeos com atraso e quedas esporádicas de conexão não desestimulam os iniciantes. Há quem se dedique a sério à atividade.

Entre 5 e 7 de fevereiro, um grupo de mulheres se reuniu para o Maria Curupaiti Online 2021, competição de debate exclusiva para mulheres cis e trans. Eram 56 competidoras, divididas em duplas — boa parte eram universitárias, de todas as partes do Brasil.

Disputa ponderada

Em um mundo tomado de opiniões extremas, esses debates são um exercício de diálogo. O campeonato se espelha no que acontece no Parlamento britânico, com direito até aos mesmos cargos (primeiro-ministro, líder da oposição, adjunto do primeiro ministro) — e bem menos gritos de ordem e execuções sumárias. O desafio é concatenar o pensamento em pouco tempo. É pouco tempo mesmo.

As candidatas descobrem o tema do debate exatamente 15 minutos antes de a cerimônia acontecer. E esse é o tempo limite que têm para elaborar um discurso de, no máximo, sete minutos e 15 segundos. Após a preparação, oito competidoras, distribuídas em quatro duplas, entram em ação. Duas duplas estarão a favor da moção, e duas contra.

O posicionamento ideológico e a ordem de fala são definidos por sorteio, no momento em que o tema é anunciado. O debatedor precisa seguir o que é determinado pelo resultado do sorteio. Ou seja: se você não concorda com uma moção, mas é obrigado(a) a defendê-la, é seu dever encontrar razões para justificar essa posição. O dever de cada dupla é utilizar argumentos mais persuasivos que os demais competidores.

A paraibana Hadassa Silveira, 26, fundadora da Tribuna, Sociedade Paraibana de Debates - Rafael Lessa/Divulgação - Rafael Lessa/Divulgação
A paraibana Hadassa Silveira, 26, fundadora da Tribuna, Sociedade Paraibana de Debates
Imagem: Rafael Lessa/Divulgação

Quem decide a vitória é um grupo de juízes, segundo critérios como veracidade e impacto dos argumentos. "Você tem que pensar rápido, organizar a fala e expressar suas ideias de forma a convencer seu público", explica Hadassa Silveira, 26, estudante de direito, conselheira do Instituto Brasileiro de Debates e fundadora da Tribuna, Sociedade Paraibana de Debates.

A jovem conta que se apaixonou pelos debates competitivos por causa do desafio intelectual que a modalidade impõe. "Receber uma moção ligada a um tema que não conhece e pensar no melhor raciocínio para defender determinado ponto de vista é bastante desafiador. Você acaba descobrindo bastante coisa sobre si mesmo", avalia.

Apesar disso, Hadassa aponta que seu ponto forte sempre foi gestão. Idealizadora e propagadora do movimento em diversos cantos do país, principalmente no Nordeste, ela é uma das criadoras do campeonato de debates Maria Curupaiti Online. O nome é inspirado na brasileira que cortou os cabelos e vestiu uniforme do Exército do marido para lutar na Guerra do Paraguai. Desde que foi criado, em 2019, esta é a segunda edição que acontece de forma totalmente online.

"É uma celebração para mostrar que mulheres têm capacidade de debater sobre qualquer coisa, não só sobre feminismo", brinca. O acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul e o banimento da rede social Parler pelas big techs foram alguns dos temas debatidos na edição de fevereiro.

Estilo Lumena

Na tarde de domingo, após três dias de eliminatórias, finalmente as quatro duplas finalistas entraram no campo de batalha — uma sala de bate-papo por vídeo. A moção escolhida para a final parecia querer agrupar não só a complexidade do campeonato mas também uma discussão que se vê acontecer com frequência nas redes sociais, universidades e plenárias políticas: o movimento "cerullo".

"O movimento cerullo, inspirado na personagem literária 'Lina' Cerullo [dos livros de Elena Ferrante], é uma ideologia que critica a proeminência de personalidades burguesas e de produções acadêmicas/materiais por figuras da elite nas discussões da esquerda política. Assim, na perspectiva do movimento, a forte presença de representação e debate da luta de classes por interlocutores pertencentes da alta sociedade é contraproducente para os objetivos da esquerda".

Esse pequeno texto, escrito em "estilo Lumena" (participante do Big Brother Brasil, célebre pelos discursos com linguagem acadêmica), foi a única base que as competidoras receberam para o debate. Elas tinham, então, 15 minutos para pesquisar, buscar referências, conversar com sua dupla, definir uma estratégia e preparar a apresentação de sua defesa (ou ataque). Câmeras ligadas, teste de microfone, uma das juízas autoriza o início. A primeira debatedora pede um tempo para ligar o timer do relógio e puxa o ar. "Começando em três, dois, um!".

"O ambiente acadêmico legitima ideias", "a esquerda está falida e precisa ser reconstruída", "o homem rico representa o sistema de privilégios e opressão que as classes mais pobres enfrentam". As jovens argumentam com frases rápidas e persuasivas.

Entre elas, uma goiana de 25 usando batom vermelho e uma camiseta com a inscrição "Debate Like a Girl" (debata como uma garota, em tradução livre), parece pronta para o combate. Bicampeã nacional e vencedora de dezenas de torneios, inclusive internacionais, Jéssika Peixoto, a Jess, é um fenômeno no cenário de debate competitivo brasileiro.

Presidente do USP Debate, uma Sociedade de Debates criada e administrada por alunos da Universidade de São Paulo, Jessika conta que já viajou o país inteiro competindo e propagando o movimento. "Já deixou de ser um hobby. Eu passava mais de sete horas do dia estudando e hoje direciono minha leitura para o debate competitivo: leio notícias sobre quase tudo que está acontecendo no mundo e comecei a acompanhar discussões que não me interessavam, como esporte", pontua.

Estudante de letras, a jovem não esconde o sonho de ser política e admite que esse é um dos motivos para tanta dedicação ao movimento de debates. "Os nossos políticos não sabem debater, enquanto as pessoas que participam dos debates são muito mais objetivas na retórica", afirma. Mas ela confessa que o início não foi tão fácil. "Sempre fui muito ansiosa, já tive até ataque de pânico. Mas me tornei mais clara e objetiva, melhorei minha habilidade de fala e discussão."

Enquanto Jess utilizava seus sete minutos para apresentar um raciocínio sobre líderes burgueses e a importância da identificação pública na política, comentaristas mandavam mensagens de apoio e admiração no chat.

Embora tenha perdido para a dupla de Brenda Beltramin e Maria Laura Cardoso, Jess sabe que a intenção do debate é outra. "Hoje vivemos numa lógica de competitividade tóxica, mas existe o respeito. A gente acha que ganhar um debate é estar certo e pronto, mas o debate é sobre saber ouvir. Tem que prestar atenção, anotar, enxergar as falhas e entender o que é importante. Nós falamos por sete minutos, mas escutamos por muito mais tempo."