Topo

Vendas, vinho e bananas: uma imersão sensual num prédio do centro de SP

Divulgação
Imagem: Divulgação

Luciana Bugni

Colaboração para o TAB, de São Paulo

12/06/2023 04h00

Será swing? Show de sexo explícito? Foram as primeiras perguntas que fiz quando fui convidada para o misterioso e inédito Voluptas. "Imersão que pretende trazer aos participantes uma variedade de estímulos sensoriais como o toque físico, o contato visual, o cheiro, o som e o paladar para aflorar os sentidos e provocar uma reflexão sobre o próprio prazer", dizia o anúncio do evento imersivo que aconteceria durante o feriado de Corpus Christi e se estende até esta segunda-feira (12), no centro de São Paulo.

Fiquei um pouco apreensiva quando li toque físico: as pessoas vão encostar em mim?, perguntei aos organizadores. "Paladar" quer dizer que vão me lamber? Garantiram que não, que o corpo de cada um seria respeitado. Disseram também que ninguém seria forçado a fazer nada que não quisesse, quando perguntei se haveria troca de casal e outras explorações de prazer coletivo. "Não podemos mais dar spoilers para que você viva a experiência e se surpreenda", disseram.

Não exatamente tranquila, mas aberta às possibilidades, me dirigi até o centro na sexta-feira (9) à noite. O edifício Virginia é uma construção de 1951 na rua Martins Fontes. Está a poucas quadras da Praça da República, Praça Roosevelt, Igreja da Consolação e da rua Avanhandava. Descendo pela rua Augusta, parece que o burburinho sexual dá um tempo e tudo fica mais calmo naquele pedaço. Pessoas chegam do teatro para comer no tradicional restaurante Planeta's, algumas quadras acima.

Desde que foi comprado pela incorporadora Somauma, o edifício Virginia se tornou palco de manifestações artísticas. Seus apartamentos de 180 m² e cômodos amplos desvendam a vista para o topo do antigo prédio do Hotel Hilton, aquele redondo e branco, e do Copan, entre outros cartões portais de São Paulo.

Da varanda para dentro, mulheres de body de renda e sobretudo nos recebiam com sorrisos simpáticos. Logo na entrada, fui convidada a tirar uma carta que lembra as de tarô, com a logomarca do evento. Fui contemplada com "Os enamorados" e pensei outra vez que talvez tivesse sido mais prudente ficar em casa. A ideia de lambidas de desconhecidos havia voltado e não era exatamente meu plano, estando eu a trabalho, no meio do feriado.

Na sala principal, uma cantora entoava jazz e bossa nova, enquanto outra tocava guitarra. As pessoas curtiam o show em mesinhas e cadeiras vintage, distribuídas pelo espaço. Alguns ficavam na varanda. Um bar no local servia latas de vinho por R$ 22 e cervejas por R$ 15. Havia bebidas sem álcool de um dos patrocinadores também.

Uma das idealizadoras, a executiva de marketing Marina Daur, riu ao explicar para as amigas que não aconteceria nada tão picante quanto elas esperavam. "Vocês acham que eu vou montar algo relacionado a shows de sexo assim?", ela dizia. No hall de espera para o tour, ela falou que a ideia era falar de prazer de uma maneira sem tabus, mas não seria nada do que as pessoas estavam imaginando. Sua parceira no evento, Larissa Ely, é dona do sex shop Climaxxx e também andava por ali cumprimentando as pessoas.

Uma das inspirações de Marina foi o espetáculo "Sleep No More", que ela viu em Nova York em 2017. Desde então, ficou tentando trazer algo parecido ao Brasil. Nos Estados Unidos, espectadores caminham livremente por espaços com diferentes encenações, enquanto tentam adivinhar a trama. "Vou parar de dizer que parece o 'Sleep No More', porque realmente não tem nada a ver com a história que se conta lá. Aqui é uma tentativa de falar de sexo sem tabus e de provocar a reflexão. E não tem a estrutura de lá. Foi tudo levantado de maneira caseira", ela conta.

Ela conheceu Larissa em uma consultoria para fazer um evento de uma multinacional. Contou a ideia e escutou de volta "vamos fazer". "Não acreditei que seria possível, mas acho que foi um encontro de almas para colocar tudo isso aqui de pé", conta Marina.
Três semanas depois de começarem a preparar o espetáculo, estavam recebendo os convidados. "Levantar o evento" consistia em ajeitar o local, pintar paredes, emprestar o mobiliário que dava uma cara de casa ao lugar supostamente abandonado, criar um roteiro, treinar os atores, unir marcas apoiadoras.... Tudo isso tendo um trabalho regular em uma startup. Marina diz que costuma dormir às 21h, mas nas últimas semanas deitava só às 4h e acordava de novo às 7h. "Valeu a pena, estou realizada", ela contou.

O que eles chamam de "welcome drink" servia para dar uma desligada da loucura lá de baixo. Funcionou. Depois de música, bebidas e bate-papo, mais relaxados, os convidados seriam chamados em grupos divididos por suas cartas para o tour pelos cinco sentidos no andar de cima. "Os enamorados" foi o primeiro grupo a ser sorteado.

Carta que Luciana Bugni tirou no 'Voluptas' - Luciana Bugni/UOL - Luciana Bugni/UOL
Imagem: Luciana Bugni/UOL

Cinco sentidos e um certo mistério

Casais e pessoas avulsas esperavam em um novo hall, ao pé de uma escada. Um ator dizia seu texto e convidava as pessoas a experimentarem o que viesse. Duas latas de vinho e uma conversa esclarecedora com Marina depois, eu me sentia menos ameaçada. Já estava mais para "uma lambidinha também nunca matou ninguém". Fomos orientados a deixar as bebidas de lado e aproveitar a experiência sem interferências (pelo menos por enquanto, disseram).

O primeiro espaço a ser visitado estimulava a visão. Por furos em uma parede, nos amontoamos para observar uma performance em outro cômodo. Um telão na sala mostrava as mesmas cenas em um clima voyeur com a estética de filmadora caseira. A hostess sorridente observava as reações dos convidados.

Exploração do tato no Voluptas, em São Paulo - Divulgação - Divulgação
Exploração do tato no Voluptas, em São Paulo
Imagem: Divulgação

Fomos conduzidos de sala em sala com essa aura misteriosa. No espaço que estimulava a audição, sugeriam que usássemos vendas e fones de ouvido. Amarrei o tecido nos meus olhos na sala escura e o que via era um blackout absoluto. Fiquei apreensiva: fazer a reportagem dependia de ver a reação das pessoas e eu havia impedido a mim mesma de enxergar qualquer coisa. Não queria voltar atrás e desamarrar a venda. Os fones de ouvido fizeram sua parte e decidi relaxar. Naqueles instantes, não havia mais nada que pudesse fazer. Me senti estranhamente confortável com a falta de controle da situação e desejei secretamente que durasse mais tempo. Perguntei à Marina mais tarde como eles produziram uma venda tão potente. "É da Climaxxx, o sex shop da Lari. Não é qualquer paninho, não", ela diz rindo. O marketing vai se dando de maneira orgânica.

Sala da audição, no Voluptas - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Foi justamente da parte do tato, que poderia ser constrangedora, que houve a maior interação entre os visitantes. A hostess indicou uma vulva de borracha na parede para um dos presentes, um homem gay, que disse: "Isso é muito novo para mim". Intrigado, ele ficou ali investigando com os dedos por alguns minutos. Todos conversavam sobre texturas inesperadas e riram. Em um dos espaços, recebemos canetas para escrever nas paredes o que sentíamos. "O gênero estraga o prazer", eu li em um dos recados.

O espaço final, catártico, envolve o paladar. Ali, ganhamos novas taças de vinho e convites para novas descobertas. Uma das atrizes vem até mim com uma banana mordida nas mãos e coloca muito próximo da minha boca e nariz, oferecendo. Curiosamente, banana é a única fruta que não como — o cheiro já me incomoda e nem gosto muito de chegar perto. Expliquei educadamente que não conseguiria experimentar. Realmente há situações em que é mais fácil tomar uma lambida na orelha.

A experiência é, de fato, como dizem as organizadoras, íntima. Não dá para saber o que cada um vai sentir. Há o convite para se olhar e toda a dinâmica flui de maneira orgânica. Fui para casa pensando em minha relação com o paladar de maneira metafórica. Não era o gosto do bombom que eu havia experimentado, diziam as atrizes, era "gosto de uma mão subindo pela perna no cinema, antes de começar o filme". Todo mundo se identifica com a sensação. Se alguém de meu grupo se sentiu muito contrariado, não deixou parecer.

Drinque servido na imersão Voluptas - Luciana Bugni/UOL - Luciana Bugni/UOL
Imagem: Luciana Bugni/UOL

Animados, conversavam entre si, fotografavam a vista — o lugar é uma atração turística mesmo. No fim, pareciam felizes, sorrindo, animados. Há ainda a possibilidade de comprar artigos do sex shop ou voltar ao bar no fim do circuito. Marina acha possível retomar o projeto após esse Dia dos Namorados, em outros espaços da cidade, como uma ação itinerante, já que o Edifício Virginia entra em obras no mês de julho. "Não são os nova-iorquinos que vão ao 'Sleep No More'. Aqui em São Paulo pode ser um nicho para turistas também", diz.

No Voluptas, o mistério das sensações funciona como marketing. Mas realmente não tem nada mais misterioso do que olhar para si de verdade.