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'Não é clima de festa': hotel-sauna gay reabre em meio à pandemia

O hotel e sauna gay 269 Chilli Pepper Single Hotel anunciou sua reabertura na cidade de SP - Divulgação
O hotel e sauna gay 269 Chilli Pepper Single Hotel anunciou sua reabertura na cidade de SP
Imagem: Divulgação

Marie Declercq

Do TAB

25/07/2020 04h02

Um dos estabelecimentos mais conhecidos de pegação gay na cidade de São Paulo fez barulho ao anunciar a reabertura na segunda-feira (20). Localizado no Largo do Arouche, no centro da capital, o 269 Chilli Pepper Single Hotel é quase um conglomerado de entretenimento gay da cidade — além do hotel, há também sauna, piscina, bar e cinema funcionando 24 horas por dia dentro do local. Segundo Douglas Drumond, proprietário do hotel, foi feita uma adaptação nos ambientes para reduzir a chance de contágio do novo coronavírus.

De acordo com o protocolo divulgado na página oficial do Chilli Pepper, os funcionários farão a medição de temperatura na porta, a lotação máxima foi reduzida para 45 pessoas, haverá esterilização constante e alguns ambientes serão fechados para evitar aglomerações. A abertura do local está permitida desde a implementação da fase amarela do Plano São Paulo, que prevê a volta das atividades de estabelecimentos comerciais como hotéis, bares, restaurantes e salões de beleza da cidade, desde que cumpram as restrições previstas por lei. O Chilli Pepper está registrado como um estabelecimento comercial que oferece serviços de hotelaria.

Ao anunciar a abertura nas redes sociais, a comunicação do hotel alertou que não estava em "clima de festa", e que estava adaptada para esse "novo normal". A declaração não evitou que o estabelecimento recebesse críticas sobre a necessidade de abrir em plena pandemia. Drumond já foi alvo de críticas pela comunidade LGBTQ+, ao declarar, em 2018, que votaria em Jair Bolsonaro no segundo turno para não eleger o PT. No caso do Chilli Pepper, as críticas sobraram até para a lendária drag queen Silvetty Montilla, que divulgou a reabertura na sua página oficial do Instagram.

'Novo normal'

No primeiro fim de semana após a Organização Mundial da Saúde decretar a existência de uma pandemia de Covid-19, ainda em março, diversas casas noturnas permaneceram abertas em São Paulo. De fato, a resposta dos governos estaduais foi tardia, e a quarentena foi decretada em 24 de março, obrigando ao fechamento toda sorte de comércio considerado não-essencial. O Chilli Pepper, segundo o proprietário, passou quatro meses de portas fechadas. A notícia da abertura surpreendeu a comunidade LGBTQ+, que desde o começo da quarentena se adaptou ao universo das festas virtuais e questiona também o ato de furar a quarentena para transar.

Nesse período, o estabelecimento passou por reformas para se adaptar ao cenário pós-pandemia e impedir, com isso, a aglomeração de pessoas em um mesmo ambiente. "As principais mudanças são mesmo de comportamento. Reeducação do nosso hóspede. Agora não estamos mais em festa e nas áreas comuns exigimos o distanciamento social, além de todo o protocolo exigido pela OMS como álcool em gel, túnel desinfetante, tapetes sanitizantes, avisos educativos etc," disse Drumond ao TAB.

O local possui capacidade para 540 pessoas, reduzida agora para 45, a fim de avaliar como os clientes se comportam na abertura. Foram fechados, segundo Douglas, ambientes pequenos como o minicinema, a sauna seca e o labirinto de pegação. No dia da reabertura, o proprietário disse que tudo correu bem. A casa também exigirá o uso de máscara e fiscalizará o distanciamento de 2 metros, exigidos em alguns ambientes. No entanto, a prática sexual e o contato íntimo podem levar ao contágio do novo coronavírus.

"Vamos conseguir evitar a aglomeração com educação e persistência", contou ao TAB. "Estamos trabalhando com menos de 10% da nossa capacidade. Acho bem difícil de alguém se apaixonar por quatro pessoas para levar à cabine, escondido de todos os funcionários. Eles estão instruídos a permitir no máximo duas pessoas em cada suíte ou cabine."

Douglas Drumond, dono da Chilli Pepper Single Hotel, diz que a casa seguirá protocolos de segurança para evitar a contaminação da Covid-19 - Divulgação - Divulgação
Douglas Drumond, dono da Chilli Pepper Single Hotel, diz que a casa seguirá protocolos de segurança para evitar a contaminação da Covid-19
Imagem: Divulgação

Segundo Drumond, a casa teve um pico de 21 pessoas no primeiro dia (20). "As pessoas estão bastante conscientes e respeitando as orientações. A retomada será muito lenta e gradual, de uma forma geral", afirmou.

Escolha pessoal?

Em outras cidades do Brasil, estabelecimentos parecidos também reabriram seguindo os protocolos de segurança exigidos por cada governo estadual. No começo de junho, a sauna Carioca, uma das mais conhecidas da capital fluminense, anunciou a volta das atividades. O Brasil registra atualmente mais de 2 milhões de casos de Covid-19 e as mortes já passaram de 82 mil, desde que a doença chegou ao país.

A cidade de São Paulo, epicentro da doença, registra um platô no número de mortos em decorrência da doença, desde a terceira semana de maio. Agora, é o interior do Estado que sofre com a explosão no número de infectados e mortes. No entanto, a reabertura de shopping centers, bares e restaurantes, ainda que parcialmente, está longe de ser um consenso entre especialistas. Eles temem que a reabertura leve mais pessoas para as ruas e cause uma segunda onda de contágio.

Há dúvidas sobre as formas de se respeitar ou não a quarentena, visto que o governo federal minimizou a gravidade da situação, contrariando as recomendações da OMS. O cumprimento da quarentena virou ato político e também uma questão de quem tem condições de se resguardar em casa. O respeito ao isolamento social é uma ação individual para proteger o coletivo, e há formas de reduzir danos ao sair de casa, evitando estar 100% isolado. Ainda assim, muitos passaram a fiscalizar pessoas que pediam delivery ou que estavam na rua.

Para Álvaro Furtado Costa, médico infectologista do Hospital das Clínicas da USP e do CRT Santa Cruz (Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids), a abertura de espaços como o Chilli Pepper fazem parte de um tópico controverso sobre o respeito à quarentena, mas não se trata de um absurdo, dada a atual situação da doença na cidade e o preparo dos lugares, implementando medidas de segurança. "A abertura do estabelecimento deve ser condicionada às condições epidemiológicas. (...) Então em São Paulo, capital, onde nós temos um cenário um pouquinho mais favorável com relação ao número de casos e óbitos, pode-se considerar a abertura dentro das claras especificações de segurança desses locais", afirma.

"Existe uma esfera de julgamento enorme quanto à abertura de estabelecimentos relacionados ao sexo. Não existe risco zero de contágio em nenhum lugar. Por isso, quem frequenta precisa ter o mínimo de segurança e deve saber que está correndo um risco. É uma escolha individual, uma [estratégia de] redução de danos feita por cada um, e o estabelecimento em questão deve dar meios para isso", disse Furtado.

Sérgio Cimerman, médico infectologista do Hospital Emílio Ribas, também em São Paulo, avalia que a abertura é uma questão delicada, mas concorda com Furtado de que a ida do público a esses lugares acaba sendo uma questão individual e depende das condições de segurança dadas pelo local. "Teoricamente, isso pode incorrer na mesma lógica do sistema de bares e de entretenimento. O problema é que as pessoas terão relações sexuais lá dentro, não haverá distanciamento social adequado e acho difícil a possibilidade de fazer sexo usando máscara", explica. "Se forem mantidas as práticas de distanciamento social, o uso de máscara adequada dentro do ambiente e higienização de mãos, é possível. No entanto, vai depender de cada pessoa julgar e decidir se isso se encaixa nas suas medidas de prevenção."

Não se sabe ainda se a Covid-19 é sexualmente transmissível, mas a relação por si só envolve um contato direto que facilita a contaminação. "Sabemos que o vírus pode ser eliminado nas fezes e já foi detectado em fluidos genitais, mas não sabemos ainda se ele é transmitido por penetração", explica Furtado.

Na cidade de Nova York, um guia publicado em junho pelo Departamento de Saúde sobre práticas recomendadas para evitar a contaminação do vírus entre os cidadãos indicou o uso de "glory holes" como prática segura em tempos de novo coronavírus. Os "glory holes" são comuns em casas de swing ou em festas de sexo, e consistem em paredes com buracos para praticar a penetração sem contato físico mais direto. "Temos glory hole em algumas cabines. Usando camisinha, acho uma excelente alternativa para quem não está conseguindo mais se manter sem sexo", explica Drumond.

Redução de danos

O infectologista afirma que é preciso que todos respeitem o protocolo de segurança e haja uma educação continuada nesses locais sobre os riscos de contaminação — especialmente para quem está nos grupos de risco, como idosos, pessoas com doenças respiratórias ou que apresentem outras comorbidades.

Para Furtado, todo estabelecimento deve garantir uma boa circulação do ar, disponibilidade de álcool em gel e medição de temperatura dos clientes antes de entrarem.

O infectologista acredita que a proibição é pouco eficiente para coibir esses casos, especialmente ao considerar que, ao longo da quarentena, houve notícias de festas clandestinas, realizadas sem nenhum protocolo de segurança. No mais, Furtado defende que cada região deve avaliar se a reabertura é adequada ao momento, levando em consideração a fase epidemiológica.

Furtado frisa que o risco de contágio existe, tanto ali quanto em outros estabelecimentos que estão reabrindo na cidade de São Paulo. Ele não recomenda sair de casa para frequentar esses locais, especialmente quem faz parte do grupo de risco.

"Existe muita polêmica, muitos achismos e pontos de interrogação sobre o novo coronavírus. Realmente estamos vendo a melhora na cidade de São Paulo, e é preciso pensar que o mundo pós-pandemia deverá ser adaptado", afirma Furtado. "É um assunto controverso falar de sexo e Covid-19, porque as pessoas vão muito mais para o lado do julgamento sexual, de avaliar como promiscuidade, do que abordar a questão da doença e da condição epidemiológica em São Paulo. (...) Ninguém está sendo obrigado a ir lá, e as pessoas fazem o que quiserem com seus corpos. É necessário indicar as vulnerabilidades, disponibilizar mecanismos de proteção, e então as pessoas decidem. Há uma responsabilidade individual e a responsabilidade do estabelecimento nesse processo. A questão aqui é dar condições para os clientes se protegerem. Entretanto, esses locais devem ser monitorados. Se começar a ter vários casos positivos para Covid-19 naquele local, o dono deve ficar atento."