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Ex de Brennand: 'Sexo significava que eu estava a salvo do abuso verbal'

thiagobrennandfv/Instagram
Imagem: thiagobrennandfv/Instagram

Do TAB, em São Paulo

07/08/2023 04h01

No inverno europeu de 2018, Thiago Brennand, 37 anos à época, conheceu uma jovem norte-americana em Portugal. Juntos, viajaram para a Rússia e depois para o Brasil. Foi um namoro de quase seis meses, até que ela finalmente conseguiu fugir dele, segundo o relato incluído em um dos nove processos em que é ele réu, aos quais o TAB teve acesso exclusivo.

Antes de embarcar para Pernambuco, ela já tinha ficado apreensiva com certas atitudes de Brennand: de acordo com o relato, na primeira noite juntos ele já descartou o uso de preservativo a qualquer tempo (dizia que era para gente suja e que ele não era "sujo") e depois filmou relações sexuais sem avisá-la. Na temporada brasileira, foi pior ainda — ele decidiu que queria casar com ela, com ou sem seu consentimento, para "poder entrar nos Estados Unidos".

Segundo o relato, o casal passou fevereiro na praia de Boa Viagem, no Recife; e uns dias de março na praia de Pipa (RN). Ele teria passado a agredi-la verbalmente, ridicularizando seu rosto, seu corpo e até seu desempenho no surfe, dizendo que compraria um taser para se divertir dando-lhe eletrochoques. "Thiago já havia iniciado seu padrão de me agredir sexualmente. Embora eu já tivesse aprendido que sexo significava que eu estava a salvo de seu abuso verbal por um tempo."

Na viagem de volta de Pipa para o Recife, relata ela, Brennand a humilhou por horas, inclusive lhe perguntando várias vezes "quem é você?".

Ele decidiu que iriam passar um tempo em São Paulo, segundo o relato. Ela ficou encarregada de arrumar as malas. Na noite em que iriam para o aeroporto, Brennand teria ficado nervoso porque ela estava conversando com a mãe — sem chip brasileiro, ela relata que dependia do wi-fi por onde passavam para se comunicar com a família no exterior.

Rumo ao aeroporto, ela diz que considerou fugir e pedir socorro, mas estava com medo de não encontrar ninguém que pudesse falar inglês para ajudá-la (e sentia que não conseguiria falar português bem o bastante para ser entendida).

Ela lembra que eles ficaram no condomínio Fasano Boa Vista, em Porto Feliz (SP). Depois, passaram por hotéis nos Jardins e no Staybridge Suítes, no Itaim Bibi, bairros nobres de São Paulo. Os endereços são os mesmos citados por outras mulheres que denunciam Brennand, como mostrou o TAB.

Brennand está detido em São Paulo desde abril, aguardando julgamento — as audiências de três deles já começaram. Até agora, o herdeiro não foi condenado em nenhum dos processos.

Procurada pelo TAB na sexta-feira (4), a defesa de Brennand não se manifestou.

Estratégias

No fim de março de 2018, em São Paulo, ela foi a um médico junto com Brennand, que estava considerando fertilização in vitro para ter um segundo filho. Ela não queria, "mas estava tentando ganhar tempo para criar estratégias" para fugir.

De acordo com o relato, ela era vigiada e usava o tempo que tinha nos banheiros para tentar entrar em contato com amigos e a família para pedir dinheiro para voltar aos EUA. "Sua ex-namorada da Suíça fugiu enquanto ele estava na academia, em São Paulo", relatou, acrescentando que ele não a deixava sozinha "para impedir que essa possibilidade ocorresse novamente".

No mês seguinte, Brennand teria decidido que não era a hora de ter outro filho. Queria, entretanto, se casar. Isso porque ele queria um visto para poder viajar aos EUA: primeiro, teria lhe dito que era impedido de ingressar no país pois certa vez foi flagrado portando mais dólares em espécie do que o permitido (US$ 10 mil) sem declarar à alfândega; depois, teria contado que agrediu uma prima num voo do Brasil para Miami pois ela fora "desrespeitosa", logo teria dificuldade de obter uma ficha limpa de antecedentes criminais.

Segundo o TAB apurou, há ao menos duas outras histórias relacionadas à possível dificuldade para Brennand obter o visto norte-americano. Num voo de Manaus a Recife, com escala em Fortaleza, em 2001, ele provocou confusão (disse que apenas respondeu a "atitudes grosseiras" de uma aeromoça que, em dado momento, teria esbarrado no seu braço sem pedir desculpas) e, vistoriado, foi flagrado levando maconha a bordo.

E, em 2019, pediu cartas a três delegados isentando-o de qualquer envolvimento no assassinato de duas jovens pernambucanas, o famoso caso Serrambi. Dois dos delegados, Paulo Jeann Barros Silva e Cláudio Barros Joventino, endereçaram os documentos "para os devidos fins de esclarecimento junto ao Departamento de Estado dos Estados Unidos da América", citando o número do passaporte de Brennand, o que indica que "os devidos fins" estavam relacionados a um pedido de visto. Segundo fontes ouvidas pelo TAB, é incomum que delegados assinem esse tipo de declaração.

Depois, a busca pelo visto foi indiretamente citada nas mensagens que Brennand mandou ao sanfoneiro Gilson Machado, em 2020, a quem se gabava de ter indicado ao Ministério do Turismo no governo de Jair Bolsonaro (PL) e depois tratou como "traidor, um cuzão, filho da puta". "Peço um negócio lá, besteira do negócio americano, [você] não faz. Peço lá o troço, como é, aquele?... da Embratur, manda o contato. Porra, tu mandando contato para mim, bicho? Não é o poste mijando no cachorro, não?", disse, nos áudios que vazaram em 2022.

Quando Brennand disse que queria se casar, a então namorada teria sugerido o K-1, conhecido como visto de noivo(a), que é destinado a estrangeiros que desejam se casar com cidadãos estadunidenses. Assim, argumentou, ele poderia entrar nos EUA e se casar com ela depois.

Era uma estratégia para ela conseguir voltar aos EUA e escapar dele.

No fim de maio de 2018, o casal foi para Portugal — ela ficou feliz, pois imaginou que seria mais fácil se desvencilhar dele no país europeu. Ele logo quis voltar para o Brasil. Era a época do casamento da irmã dela, nos EUA, então insistiu para ir à festa.

"Precisei marcar [passagens aéreas de] ida e volta, pois tive que fazer na frente do Thiago mostrando a data do retorno", relata no documento.

Uma vez em território norte-americano, no fim de junho de 2018, ela diz que foi agindo normalmente nos primeiros dias, via Facetime e WhatsApp. Só no dia anterior ao voo de volta, informou que ficaria nos EUA.

Brennand, segundo o relato, já estaria namorando outra. Teria lhe dito que queria continuar "amigo" e usar a então ex para conseguir o visto norte-americano. Ela disse "sim", mas, sem que ele soubesse, pediu o cancelamento do pedido de visto de noivo ao USCIS (Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA, na sigla em inglês). Procurado via assessoria de imprensa, o USCIS não retornou.

No fim, Brennand não foi para os EUA. Em 2022, prestes a ser denunciado pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo) por uma série de crimes, fugiu num voo de madrugada para os Emirados Árabes Unidos, onde ficou até ser incluído na lista da Interpol e ser extraditado para responder à Justiça no Brasil.