Sedutor do TikTok viraliza e prova que millennials estão envelhecendo
O Brasil está em plena crise política, o mundo atravessa uma pandemia, as discussões sobre racismo dominaram o noticiário nas últimas semanas, mas, há dois dias, o Twitter só quer saber de Mário Júnior, de 20 anos, conhecido como lzmaario no Tik Tok e no Instagram.
Pode ser que você não saiba quem é ele, mas provavelmente já ouviu o meme "Oi... Letícia, né?" — fruto da repercussão do vídeo abaixo, que viralizou a ponto de receber paródia de Marcelo Adnet, críticas de Bruna Marquezine e Felipe Neto e compartilhamento de Whindersson Nunes.
A linha editorial do Tik Tok de Mário Júnior é, principalmente, a sedução em formato POV (do inglês, Point Of View) — vídeos em que os usuários da rede, sobretudo adolescentes, interagem com a câmera, de modo que a pessoa que assiste se sente personagem da história. O modelo é inspirado pela cultura de fanfics, mas Mário conta que não consome esse tipo de literatura. A opção por esses vídeos veio de sugestões de admiradoras do Instagram, quando o jovem tinha apenas 2 mil seguidores. Hoje, são mais de 59 mil por lá e 340 mil no Tik Tok.
Os vídeos de Mário passaram a ter muitos compartilhamentos acompanhados de mensagens de ira, de modo que ele gravou um desabafo pedindo mais empatia nas redes, principalmente por conta dos ataques que até seus familiares receberam.
Dias depois, ele parece ter aceitado o preço do sucesso e está encarando a aventura de virar meme — de imitações nas redes a ver seus bordões virando figurinha de WhatsApp — numa boa. "Eu trouxe algo que ninguém nunca teve coragem de trazer: apenas peguei meu celular, me olhei no espelho e pensei: 'quer saber? Vou ser eu mesmo'. Ninguém está acostumado a abrir a internet e ver um garoto falando 'trate as mulheres bem'. Acho que foi por isso que recebi muitos ataques", disse à reportagem do TAB, após atender o telefone com seu característico "Roi, tudo bem?".
Durante a conversa com a reportagem, Mário fez questão de frisar que tem consciência de que não é um especialista, mas os pedidos para falar sobre assuntos como namoro virtual, depressão e ansiedade abundam em sua caixa de mensagens. Para se inspirar, ele assiste a muitas comédias românticas, como "A Proposta" e "Juntos e Misturados", além de ouvir músicas que falam de amor. "Meu cantor favorito é o Juice Wrld, um rapper americano que morreu recentemente e uma banda chamada A Rocket To The Moon. "Não curto tanto séries de amor e nunca assisti 'Crepúsculo" ou li fanfics. Agora é que estou pesquisando sobre isso, porque a galera tá falando que meus vídeos são fanfics", diz.
Questionado sobre o que estaria engajando tantas pessoas maiores de 25 anos em conteúdos sobre xaveco para jovens de 13 a 15 anos, Mário opina que as pessoas compartilham seus vídeos porque sabem que vão ganhar likes e interações. Apesar de ter virado meme, o jovem não cogita migrar para o humor e diz que a zoeira não vai intimidá-lo: "meu jeito é esse mesmo, vou continuar fazendo vídeos românticos, acho que as meninas gostam de quem faz com que elas sorriam e tenho mesmo esse lado engraçado", afirma.
Quando perguntado sobre feminismo — e se ele levava isso em conta para elaborar suas cantadas no Tik Tok, Mário foi categórico. "Claro! Apoio muito o feminismo e acho que não tem cabimento acharem que homem é melhor que mulher ou, por exemplo, quando uma mulher tem um cargo alto numa empresa, as pessoas dizerem que é por ser bonita ou por ter se envolvido com o chefe." O tiktoker também garantiu que seu chefe, o senhor Johnson, trata muito bem as mulheres do hotel onde ele trabalha como recepcionista e barman. O jovem mora no interior da Inglaterra.
Twitter x Tik Tok: o conflito é geracional
Em entrevista ao TAB, Mário Júnior demonstrou surpresa ao saber que está dominando os assuntos do Twitter, porque ele não usa essa rede social. "Confesso que me atrapalho lá. Não estou tendo essa noção, só recebo os memes que meus amigos me mandam aqui." No Twitter, acontece o inverso: boa parte dos usuários fazem piada com o fato de não entender ou não conseguir usar o Tik Tok.
É o caso do produtor audiovisual Arrigo Araújo, de 34 anos, que diz "não ser capaz nem de abrir o aplicativo direito", apesar de ser um grande entusiasta de internet e de redes sociais — ou um millennial típico. "Criei uma conta nem para produzir conteúdo, porque nem sei o que deveria publicar lá. Era mais para ver o que as pessoas publicam no Tik Tok, mas não consigo entrar para ver o que os jovens estão postando porque, primeiro, você abre o aplicativo e já sai som. Odeio som no celular — sou esse tipo de coroa. Você abre aquilo e, normalmente, já aparece um adolescente gritando. Acabo acompanhando o que rola no Tik Tok pelo que as pessoas levam para o Twitter."
Para o escritor e psicólogo Flávio Voight, de 30 anos, a raiva dos marmanjos em relação a Mário Júnior é pouco mais do que parte de um choque de gerações. "Da mesma maneira que os millennials se sentiam incompreendidos pelos baby boomers, me parece que, agora, está acontecendo essa passagem de bastão em que os millennials são os adultos ocupando a maior parte dos postos de trabalho, a posição de vida adulta dominante, e a geração seguinte toma esse lugar", opina. "A geração Z vai ter seus próprios códigos de comunicação. O uso do Tik Tok já demonstra isso, enquanto os millennials ficam no Twitter e os boomers ficam mais no Facebook."
Ver o que a geração Z pensa dos millennials pode ser chocante mesmo, como mostra a discussão abaixo.
"Ao olhar uma geração mais jovem, é padrão que a geração anterior sinta que tem algo de errado, como a ideia dos 'rebeldes sem causa' dos anos 1950. Isso não é novo. Quando tem um acontecimento como esse do Mário, pode ser que a geração dele veja nesse tipo de conteúdo alguma coisa que as outras não veem, e entenda algum tipo de ironia ou comportamento que não é o mesmo percebido pelos millennials quando olham para o mesmo vídeo", observa Voight.
"Da mesma maneira, em geral, um boomer, ao ver um meme do Twitter, pode não entender a linguagem daquilo. Por mais que a gente pense que compreende todos os símbolos, a gente não compreende, não pertence a essa geração. Às vezes, mesmo explicando, não conseguimos entender. É como ir para outro país, ligar a televisão e não entender muito bem qual é o entretenimento deles."
O especialista concorda que, trocando em miúdos, a ira dos millennials com os vídeos de Mário Júnior pode ser sinal de que a geração que se acha a mais descolada da história do mundo pode estar ficando... careta.
"Existe um comportamento que se observa principalmente em adolescentes, chamado 'tendência grupal'. Eles tentam se identificar com grupos para reforçar a própria identidade. Há 15 anos, os emos, por exemplo, começaram a utilizar certos símbolos como uma linguagem própria, porque isso os ajudou a se separar das gerações anteriores", lembra Voight. "Talvez a gente precise de um pouco mais de tempo para observar como os adolescentes de hoje estão se agrupando, mas isso é uma coisa que acontece — e vai existir tanto o estranhamento da geração anterior para eles quanto deles para a geração anterior, e a vontade de se separar."
Pode ser realmente desconcertante a interação entre alguém da geração Z e da geração Y, como é meu caso, aos 35 anos. Ao fim do papo com o TAB, Mário Júnior começou a me entrevistar. Contou que cursou um semestre de jornalismo e perguntou como era trabalhar nesse ramo em uma empresa como o UOL. Depois, pedi que ele enviasse fotos horizontais de rosto para ilustrar a matéria. Recebi, em duas tentativas, fotos verticais não muito fechadas no rosto. Mário é gentil mesmo como parece ser nos vídeos de POV.
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