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Fãs de banco: por que tem gente que briga na internet por causa de fintech?

Getty Images
Imagem: Getty Images

Natália Eiras

Colaboração para o TAB, de Lisboa

19/07/2020 04h01

Na primeira semana de julho, pequenas quantidades de dinheiro começaram a "sumir" das contas correntes de clientes do Nubank. O erro, pelo qual a fintech pediu desculpas, repercutiu no Twitter e transformou a rede social em uma grande troca de memes e alfinetadas de fãs de banco digitais para eleger suas instituições favoritas.

Rixas entre marcas sempre existiram. De acordo com Alexandre Michels Rodrigues, especialista em neurociência aplicada a negócios, o ser humano se apaixona por cantores, artistas e, também, por produtos. "No cérebro humano, a afetividade funciona exatamente da mesma forma quando nos apegamos às coisas. O amor que você sente por uma pessoa acontece na mesma parte do cérebro que o amor que você sente por uma marca", diz ao TAB.

A relação de fã surge a partir do momento em que o vínculo que você tem com um certo produto ultrapassa sua funcionalidade, mas desperta outras conexões sensoriais. "Se você trabalhar isso, obtém conexões amorosas. É muito interessante para as marcas criarem essa relação emocional."

No caso das fintechs, essas conexões sentimentais são trabalhadas desde o design, passando pelo atendimento personalizado e terminando nas mensagens que empregam em suas redes sociais. "Elas se apresentam como uma reação contra o tradicional e suas taxas abusivas. Dizem que são transparentes sobre seu serviço, oferecem experiências mais facilitadas pela internet", afirma Helder Haddad, professor de branding e marketing da ESPM (Escola de Publicidade e Marketing), de São Paulo. É toda uma identidade de marca trabalhada no "contra tudo isso que está aí", que vai além do "tomar conta do seu dinheiro" e que é bastante difícil de ser reproduzida por bancos tradicionais.

Criado em 2013, o Nubank é, talvez, o case de maior sucesso desse tipo de abordagem. Os fundadores da empresa, David Vélex, Edward Wible e Cristina Junqueira, adotaram, desde o início, a missão de "desburocratizar" os serviços bancários, fazendo análise de crédito 100% digital e oferecendo soluções de problemas dentro do próprio aplicativo. Para isso, usaram a música "Como Nossos Pais", de Elis Regina, em uma ação publicitária.

Essa preocupação com design e com o discurso tem apelo junto aos millennials e a geração Z, conhecidas por se preocuparem com o propósito da marca que consomem. "Um banco digital consegue fazer uma personalização em massa, além de ganharem as pessoas com a ideia da transparência", diz Haddad. Não é à toa que, dos 28 milhões de usuários de fintechs, 48% deles tem até 29 anos de idade, de acordo com o levantamento "Bancos Digitais 2019", feito pela Cantarino Brasileiro e Exceda.

Assim, ao acreditar na missão da fintech e ter suas expectativas atendidas pela empresa, o usuário sente-se à vontade para se declarar nas redes sociais. É interessante para os bancos digitais trabalharem esse lado fã de seus clientes — é a melhor divulgação que poderiam ter. "O fã apaixonado advoga a favor da marca sem pedir nada em troca e, por outro lado, engajam de modo a ajudar a melhorar o produto", diz Chen Weichi, sócio de transformação digital e inovação para serviços financeiros da consultoria EY LAS.

Questão de status

Quando os serviços do Nubank começaram a se popularizar, era comum muitos hipsters e viciados em tecnologia ostentarem, em cafés Starbucks ou em uma loja da moda, os seus "roxinhos", apelido carinhoso dado para o cartão de crédito da fintech. Esse comportamento tem a ver, segundo Helder Haddad, com o fato de que o que consumimos é também uma forma de expressão da nossa identidade. "Quando você passa a ser cliente de uma marca vista como inovadora, o consumidor sente que está incorporando esse atributo a si também. Ele se sente moderno, trendsetter", diz o professor.

Assim, como uma BMW te faz se sentir mais importante em relação aos seus pares, cria-se uma caldeirão de emoções e de subjetividade com o cartão que você carrega na carteira. Seja ele o roxinho do Nubank, o rosé do C6 Bank ou o transparente do N26, que deve começar a operar no Brasil nos próximos meses. "É claro que eu vou falar disso com todo mundo. 'Olha como eu sou legal, o meu banco é moderno, sou diferenciado.' Eles querem se mostrar antenados. Tem essa questão de identidade, de status", afirma Haddad.

Porém, mais do que gostar de "ser diferentão", o fã de bancos digitais também curte ter razão. "Não gostamos de ser criticados em nossas decisões de compra, de consumo", diz Helder Haddad. É por isso que surgem discussões acaloradas nas redes sociais relacionadas às fintechs. "Acabamos vestindo a camisa da empresa, principalmente quando usamos os serviços dela, porque queremos mostrar que tomamos a decisão mais acertada do que o cliente do outro banco digital."

De acordo com estudos, os bancos digitais devem fechar o ano com 44 milhões de clientes. O Nubank, a maior das fintechs, já possui quase 20 milhões de usuários, tendo 50 mil novos cadastros por dia. Nesse ritmo, a relação de amor dessas instituições financeiras podem estar com os dias contados. "Ela é baseada em uma satisfação do cliente de ter seus problemas resolvidos com rapidez e, talvez, ao oferecer mais serviços, já não possam mais dar conta de tudo", diz Chen Weichi.