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Fãs detetives: seguidores tentam provar inocência de ídolos em xeque

Fãs aguardam show de Justin Bieber no Allianz Parque, na turnê "Purpose Tour" - Mariana Pekin/UOL
Fãs aguardam show de Justin Bieber no Allianz Parque, na turnê "Purpose Tour" Imagem: Mariana Pekin/UOL

Leonardo Neiva

Colaboração para o TAB

14/07/2020 04h00

Está difícil ser fã de Justin Bieber ultimamente. No último dia 20 de junho, duas mulheres foram ao Twitter para acusá-lo de abuso sexual, em crimes que teriam ocorrido nos anos de 2014 e 2015.

Seguidores do cantor foram confrontados com um de seus piores pesadelos. "Fiquei genuinamente confusa e chocada. Todas as minhas emoções vieram de uma vez. Foi inexplicável, como se alguém tivesse me dado um chute na garganta", conta a norte-americana Angelina Arena, de 23 anos, fã do cantor canadense desde os 12.

Bieber não é alheio a polêmicas ao longo de sua precoce carreira, já tendo se envolvido com uso de drogas, casos de agressão e confusões com fãs e paparazzis. Em 2014, chegou a ser preso por dirigir embriagado.

"Os fãs já enfrentaram muita coisa. O passado de Justin não é exatamente imaculado, ele já fez muita besteira e até admitiu isso. A única outra vez em que me senti de forma remotamente parecida foi quando ele foi preso, mas nunca houve acusações tão pesadas contra o Justin como agora", diz Angelina.

Pouco tempo depois de as acusações virem à tona no Twitter, no entanto, fãs do ator na plataforma começaram a achar brechas nos relatos e decidiram investigar o caso por conta própria. O principal foco era encontrar evidências de que Bieber não poderia estar nos lugares em que os supostos abusos teriam sido cometidos.

Para provar, usuários buscaram posts e registros com o cantor em redes sociais feitos nas datas apontadas. Alguns inclusive procuraram uma integrante da equipe de Bieber, Allison Kaye, em busca de informações sobre a estadia do cantor. Outros levantaram informações com a gerência do hotel onde o primeiro crime teria acontecido.

Angelina, uma das fãs mais ativas durante a corrida para inocentar Bieber, chegou a reunir um dossiê de 27 páginas com todas as evidências -- algumas encontradas por fãs, outras por ela mesma -- que, segundo a jovem, provariam que o ídolo não tem culpa no cartório.

"Não era só informação tendenciosa vinda de fãs. Havia documentos, fotos de pessoas que o encontraram na rua, posts que o mostravam em diferentes lugares. As provas começaram a se empilhar", conta a fã.

Mais tarde, o próprio cantor veio a público pelo Twitter para negar as acusações, apresentando uma série de documentos — entre eles, alguns levantados pelos fãs — como supostas evidências de que era inocente.

Hoje, ele está movendo um processo por difamação contra as duas acusadoras, em uma ação no valor de US$ 20 milhões. Uma delas apagou os posts em que relatava o abuso. A outra manteve sua versão dos fatos.

"Não vou mentir. Mantenho minhas palavras. Isso aconteceu e não vou deixar vocês beliebers [como são conhecidos os fãs do cantor] me pressionarem a negar. PS: Eu NÃO tenho medo de nenhum processo", postou a usuária na rede social.

Cultura de fã

"O conhecimento é uma das principais moedas dentro das comunidades de fãs. Quanto mais um fã sabe sobre o ídolo, é como se ele estivesse dizendo que é mais fã. Por muito tempo, isso era focado em coisas triviais, como conhecer os detalhes da vida de um artista ou todas as suas músicas", explica Pedro Curi, professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e pesquisador de temas relacionados à cultura de fãs.

Para Curi, com o encontro entre essa forma de agir e um crescimento da defesa de causas sociais nas redes, os fãs começaram a usar suas capacidades para outros fins. Assim, no caso de uma acusação grave como assédio ou abuso, que, além das implicações judiciais, pode causar o "cancelamento" de um artista na internet, passaria a ser tarefa dos fãs ir mais a fundo.

"Nada mais natural do que tentarem chegar às últimas consequências para descobrir se aquilo é real e decidir, nesse júri digital, se vão boicotar ou defender seu ídolo. Porque não adianta só defender, isso seria visto como 'passar pano'. É preciso defender com embasamento", afirma o pesquisador.

Curi destaca ainda a força que um grupo de fãs enorme como o do cantor pode ter. Ele lembra, por exemplo, a influência que fandoms de celebridades como Bruna Marquezine e Neymar tiveram durante um paredão no último Big Brother Brasil, que teve mais de um bilhão de votos — o maior da história do programa —, se misturou a questões sociais como machismo e racismo e acabou com o participante Felipe Prior eliminado.

"A organização é muito forte e, como eles conseguem alcançar muita gente, têm também uma resposta extremamente rápida", aponta o pesquisador.

Neymar, Bruna Marquezine e Neymar na Disney - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Neymar, Bruna Marquezine e Manu Gavassi na Disney
Imagem: Reprodução/Instagram

"Os fandoms são organizações bem estruturadas até hierarquicamente", explica a professora de comunicação da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul) Adriana Amaral, pesquisadora de práticas das comunidades de fãs. "Eles conseguem respostas tão rápidas porque já têm protocolos que o pessoal costuma seguir. Em alguns casos, fazem até organogramas parecidos com os utilizados por empresas."

Acusações em série

No mesmo dia em que surgiram as acusações contra Bieber, outros perfis anônimos publicaram uma série de posts acusando parte do elenco da série adolescente "Riverdale" de atos de abuso sexual, incluindo os atores Cole Sprouse, Lili Reinhart, KJ Apa e Vanessa Morgan.

A fã chilena da série e, mais especificamente, do ator Cole Sprouse, Antonia Ayala, de 17 anos, conta que inicialmente procurou permanecer do lado das vítimas, sem colocar em dúvida as acusações. Os fãs, porém, teriam começado a duvidar dos relatos quando estes passaram a englobar vários atores do elenco.

"Minha ideia é sempre estar do lado da vítima, mas algo parecia não se encaixar na minha cabeça. Não entendia como tantos atores da série poderiam ter feito coisas assim", diz a jovem. Ela conta que, embora este tenha sido um caso mais sério, são comuns investigações feitas por fãs sobre rumores e fofocas que atingem o elenco.

Em pouco tempo, fãs apontaram uma peculiaridade nos perfis das supostas vítimas: todos tinham sido criados havia pouco tempo e com títulos semelhantes, compostos por um nome seguido de uma sequência de números.

Em sua conta no Twitter, Antonia também disse que a comunidade tinha rastreado o endereço físico dos perfis das vítimas e que todos vinham de uma mesma localização, na cidade de San Francisco (EUA). Embora alguns tenham usado a informação como prova de que tudo não passava de uma única pessoa espalhando falsas acusações em múltiplos perfis, outros usuários descobriram que o endereço encontrado correspondia na verdade à sede do Twitter, e não à residência das acusadoras.

"São questões bastante sérias, porque estamos falando de crimes em potencial, que podem envolver a Justiça e estão além do que se conseguiria alcançar simplesmente com pesquisas na internet buscando inocentar um artista, que podem ter muitos erros factuais", diz Amaral.

"Acredito que casos como esses podem se tornar cada vez mais frequentes, ainda mais se fãs começarem a usar em contextos como esse as mesmas táticas que usam para divulgar seus ídolos. Muitos são usuários pesados de internet, com grandes conhecimentos digitais."

A vítima em primeiro lugar

No fim das contas, um dos perfis que acusavam os atores admitiu se tratar de uma alegação falsa, e todas as usuárias que fizeram as acusações apagaram seus posts originais e deletaram suas contas. Foi o suficiente para convencer os fãs de que todas as histórias eram mentirosas.

"Ao criar acusações contra pessoas inocentes, a única coisa que conseguiram foi invalidar os testemunhos de vítimas reais, que sofreram abusos e nas quais muita gente vai deixar de acreditar por casos como este", afirma Antonia.

Angelina, que também diz estar 100% convicta da inocência de Justin, concorda com a colocação de Antonia, de que é imprescindível acreditar primeiro na vítima. "Não quero que casos como este façam com que as pessoas comecem a chamar as vítimas de mentirosas, caçadoras de atenção e outros nomes horríveis", declara.

Ela conta, porém, que pretende continuar defendendo Bieber sempre que achar adequado. "Os fãs do Justin são hardcore. Muitas pessoas ainda usam acontecimentos menos sérios de seu passado para atacá-lo, e seus fãs sempre procuram evidências confiáveis para calá-los. Ao defendê-lo, o importante é apresentar fatos, não opiniões."