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Baby do Brasil volta ao mato para 1º show dos Novos Baianos sem Moraes

Ricardo Borges/UOL
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Tiago Dias

Do TAB

10/09/2020 04h01

"Estou sentada na sala falando com você, vendo o céu da janela e pensando: É infinito! Isso é o outdoor de Deus. Por isso que a ciência vai estudar. A ciência é uma faculdade que Deus nos deu", diz a cantora Baby do Brasil.

De cabelos sempre roxos, roupas alegres e extravagantes e chapéu, a cantora de 68 anos parece saída de um tempo e mundo não definidos. Numa trajetória difícil de ser classificada, Baby sempre esteve na contramão. Da vida hippie com Novos Baianos, o flerte com o esoterismo e a estética andrógina à fundação de uma igreja, o Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo, e a entrada no que ela chama de "Matrix de Deus", a cantora cria e recria conexões próprias entre o céu e a terra. Nesse mundo, ciência e espiritualidade andam juntas. "Para que, aos poucos, as lâmpadas de 120 Watts, que somos nós, possam ter milhões de Watts para suportar uma revelação sem explodir, não é?", diz, às gargalhadas.

A iluminação que teve sobre a pandemia, em particular, acha "perigosa" para ser revelada em palavras. Assim como uma parcela da população, ela faz uso de terapias alternativas e de medicamentos para a prevenção de doenças, entre elas a do novo coronavírus — nenhuma das terapias se enquadra nas recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Contrária ao uso do termo "isolamento social", ela mantém viva a chama da vida compartilhada dos Novos Baianos em um sítio afastado de tudo e de todos. "Hoje eu saberia fazer isso ainda melhor. Imagina uma vila ou até uma fazenda dos Novos Baianos? Eu ia amar."

Por enquanto, ela experimenta algo parecido no próximo sábado (12), quando se apresenta com o célebre grupo no Coala Festival, em edição online, transmitida direto de um lugar secreto em São Paulo no meio do mato. Será a primeira apresentação do grupo após a morte de Moraes Moreira, em abril — que não recebeu nenhuma menção do governo federal e da secretaria de cultura. "Nem percebi e também não me ofendi", diz. "Vivemos um momento de sentimentos profundos, junto à historia da nossa música. Isso era mais importante."

Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes e Baby do Brasil: Novos baianos fará primeiro show após a morte de Moraes Moreira em transmissão do Coala Festival - Divulgação - Divulgação
Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes e Baby do Brasil: Novos baianos fará primeiro show após a morte de Moraes Moreira em transmissão do Coala Festival
Imagem: Divulgação

TAB: Você diz que não gosta de falar em "isolamento social". Por quê?

Baby do Brasil: Pelo meu entendimento, essa palavra induz à opressão, à depressão, ao terror. Pode levar pessoas isoladas ao suicídio. Ela confina, castra, gera pânico, medo, violência. É destrutiva. Palavras têm poder — ela ajudou a inibir a reação positiva da esperança que gera materialização de soluções. Encheu o pensamento da pessoas com todos esse sentimentos de derrota. Famílias abandonaram seus pais e idosos por meses. Como disse Einstein: "Pensamento é matéria".

TAB: Ciência é importante para você também?

BB: Eu junto tudo. Pra mim, espiritualidade, conhecimento; está tudo junto. A ciência vai estudar por que ela é uma faculdade que Deus nos deu. Para que, aos poucos, as lâmpadas de 120 W, que somos nós, possam virar uma de milhões de Watts, para suportar uma revelação sem explodir, não é? (risos)

TAB: Isolamento social definitivamente não combina com você, que sempre defendeu a vida comunitária. Você disse que, se fosse por você, os Novos Baianos poderiam morar juntos até hoje.

BB: Eu amo uma casa com várias pessoas alegres, morando em harmonia e com privacidade ao mesmo tempo. Hoje eu saberia fazer isso ainda melhor (risos). Imagina uma vila ou até uma fazenda em Jacarepaguá dos "Novos Baianos"? Eu ia amar.

TAB: Essa comunidade existiu no período da ditadura, mas apesar de toda a harmonia, do lado de fora o clima era outro.

BB: Apesar de a barra estar tão pesada nas ruas, por conta da situação política da época, havia em nós a certeza de um futuro de colheita, que estamos vivendo agora. Nossa vida em grupo era família total, tínhamos consideração uns com os outros, como se fôssemos verdadeiros irmãos. Mas estávamos sempre ligados para não sermos confundidos na rua e dançarmos, na doideira que o Brasil estava vivendo.

Um dia no sitio Cantinho do Vovô nos anos 1970: Imagem do livro de Galvão, "Novos Baianos: A historia do grupo que mudou a MPB" - Divulgação - Divulgação
Um dia no sitio Cantinho do Vovô nos anos 1970: Imagem do livro de Galvão, "Novos Baianos: A historia do grupo que mudou a MPB"
Imagem: Divulgação

TAB: Como você lida com as tecnologias e as redes sociais? Você usa aplicativos? Vê lives? A que você teve de se adaptar?

BB: Lido bem com as tecnologias, embora não seja expert. Coloquei na minha visão que eu posso ter uma conexão muito forte com as pessoas que me curtem de maneira abrangente, amorosa e com muita interação musical e até mesmo espiritual. Passei a olhar toda essa tecnologia a meu favor com algumas ressalvas... Uso vários aplicativos, para fazer aula de inglês. Levaria tudo pro meio do mato pra usar somente na hora certa! Me adaptei a tudo isso e estou aprendendo a não deixar que esse sistema roube o meu tempo de qualidade com a família, amigos, espiritualidade etc, e a minha maneira livre e pura de ser.

TAB: Os Novos Baianos voltam aos palcos no dia 12, dentro desse cenário, no meio da pandemia. Será uma transmissão online, mas ainda assim no meio do mato. Como vê o retorno?

BB: Voltar a tocar no meio do mato é uma delícia. Será como reviver os nossos momentos tão especiais no sítio Cantinho do Vovô [o sítio onde os Novos Baianos moravam, em Jacarepaguá, no Rio].

TAB: Será a primeira apresentação dos Novos Baianos sem Moraes Moreira. Qual a primeira lembrança que você tem dele?

BB: Tenho muitas lembranças de Moraes, mas a primeira de todas foi quando ele estava tocando a música "Três letrinhas" e olhou para mim. Eu estava sentada no chão, escutando. Me pediu pra cantar pela primeira vez. Como eu não conhecia a música, comecei a improvisar em cima dos acordes, e ele me perguntou imediatamente: "Você canta?" (risos). E assim entrei pro grupo.

Baby do Brasil nos anos 1980 - Divulgação - Divulgação
Baby do Brasil nos anos 1980
Imagem: Divulgação

TAB: A morte de Moraes, assim como a de outros artistas, como Aldir Blanc, não recebeu menção ou nota de pesar por parte do governo federal e da Secretaria de Cultura. Como você viu isso?

BB: Sinceramente, não estava ligada nisso. Nem percebi e também não me ofendi. A imprensa cobriu muito bem a informação e vivemos um momento de sentimentos profundos, junto à historia da nossa música. Isso era mais importante.

TAB: Você passou sua juventude vendo João Gilberto tocar, reinterpretou músicas brasileiras importantes. Como você vê a força dessa música neste momento em que a produção cultural parece não ter muita atenção e investimento? Para onde vamos a partir daqui?

BB: Vejo que a música brasileira tem passado pelo seu pior momento, há duas décadas. Corremos o risco de não termos mais seu DNA. Temos letras absurdas que dão vergonha de ouvir, melodias sem nenhum nível musical e harmônico, nada que possa influenciar as próximas gerações a compor novas pérolas. A grande importância dos Novos Baianos, como também das nossas carreiras individuais, e a de alguns artistas muito especiais, antigos e novos, é que juntos seguramos a barra e a onda de informar a uma nova geração sedenta por música de verdade, ensinar o caminho de casa, por mais modernizado que fosse. O fato de ficarmos horas descobrindo acordes e mergulhados nas harmonias e melodias traziam todo esse conteúdo harmônico.

TAB: Parecia haver uma inteligência e uma tecnologia muito próprias ali no ambiente de criação dos Novos Baianos — como quando desmontaram uma TV para acoplar peças na guitarra de Pepeu Gomes, em busca de um efeito novo. Como era esse processo?

BB: Era um processo intuitivo, liberando endorfina o tempo todo. Nada armado pra fazer sucesso forçado. A busca do belo e do suingado e do verdadeiro caminhavam juntos, paralelamente, ao bom gosto muito louco do nosso incrível poeta [Luiz] Galvão. Tudo alinhado com uma uma sintonia fina de alegria e felicidade por estar sentindo e vivendo no centro do processo de criação.

Baby do Brasil em uma de suas selfies de quarentana - Baby do Brasil - Baby do Brasil
Baby do Brasil em uma de suas selfies de quarentana
Imagem: Baby do Brasil

TAB: Você passou um tempo fazendo música religiosa. Se sentiu ostracizada durante esse período? Depois de anos já de volta ao mercado secular, como anda essa relação entre os sucessos que você lançou no passado e sua espiritualidade?

BB: Continuo igualzinha como no momento em que me converti. Tudo o que estou fazendo está embaixo de um propósito de Deus. Desde "Cósmica", "Telúrica", "Minha Oração", "Um Auê com você", "Sem pecado e sem juízo", entre outras músicas que compus. Eu já dava a maior bandeira de que não pertenço a essa Terra. O fato de ser bandeirosamente espiritual, artista e mulher, com o passar dos anos ficou mais suave, houve uma aceitação muito gostosa. Perceberam que não se tratava de uma caretice religiosa, mas sim de uma liberdade para compartilhar um jeito de falar com o autor de todas as coisas, e com isso sintonizar com o propósito de estarmos na Terra. Eu sou desse jeito, gosto de compartilhar. Eu amo compor louvores a Deus. Tenho um CD pronto pra lançar com o produtor Tom Brooks, cantado em inglês e português, mas antes lanço uma de inéditas de MPB. Orando para Deus confirmar esses planos. Tudo no Matrix de Deus!